Aquela
casa velha da rua Baronesa de Itu
Ledice Pereira
Recém-formados
em Engenharia Civil no MIT – Massachusetts Institute of Technology, os primos
William e Johnny realizavam aquele sonho sonhado desde a adolescência, de
conhecer países distantes com culturas diferentes daquela vivida em Boston,
onde nasceram e cresceram.
Durante
anos, aprofundaram-se na pesquisa sobre o Brasil, país do carnaval, do futebol,
das mulheres bonitas e, sobretudo, das grandes oportunidades. Até se
inscreveram num curso de língua portuguesa, dado por um professor português,
que os iniciou no idioma, para que não tivessem dificuldade de se comunicar.
Tiveram
que enfrentar o descontentamento dos pais, que achavam aquilo uma loucura. Não
podiam aprovar a ideia de morar naquele fim de mundo, sendo que ali teriam
todas as facilidades para iniciar a carreira.
Chegara
o grande dia. A despeito de não concordarem, os pais os acompanharam ao
aeroporto, contrariados.
Os
jovens estavam ansiosos, coração batendo, mãos suadas, tentando, em vão,
disfarçar as lágrimas que insistiam em brotar do canto dos olhos. Sabiam que
não teriam, lá fora, o porto seguro com o qual sempre puderam contar ali.
O
voo foi tranquilo, embora a ansiedade os mantivesse acordados a maior parte do
tempo. Era o voo mais longo de todos que já haviam feito.
Tentavam
enxergar a paisagem através das nuvens.
O
avião pousou na cidade de São Paulo, pontualmente às onze horas da manhã local,
e, após todos os trâmites, tomaram um táxi que os levou ao hotel indicado por
um amigo dos pais, no bairro dos Jardins.
Passava
das três horas da tarde quando finalmente se instalaram. Estavam famintos.
Os
primeiros dias foram de reconhecimento do local. Traziam algumas indicações de
restaurantes, shoppings, bares, cafés, recomendados por amigos que já haviam
estado na cidade.
Depois
de uns dias, já, mais ambientados, entraram em contato com algumas
imobiliárias, pois o objetivo era encontrar uma casa antiga, que pudessem
comprar e reformar. Para isso, tinham economizado bastante e podiam contar com
a ajuda dos pais.
Além
disso, vinham também com carta de recomendação para poderem trabalhar na
construção civil. Tinham informação de que a cidade estava em grande ascensão
imobiliária.
Encontraram
a tal casa, mais cedo do que imaginavam. Ficava no bairro de Santa Cecília,
onde restavam várias casas antigas que o mercado imobiliário ainda não
dominara. A rua tinha um movimento de carros constante. Baronesa de Itu – quem
seria? Tiveram curiosidade. Disseram-lhes que se tratava de alguma nobre
senhora dos tempos em que o ciclo do café estava no auge e os barões
instalavam-se em alguns bairros, dando às ruas seus nomes ou sobrenomes.
Tratava-se
de um sobrado com porta de ferro que encontrava a calçada, escadas para chegar
a uma pequena sala, dois pequenos quartos, cujas janelas davam para a calçada,
e tinha ao fundo, de um lado, a cozinha, de outro o banheiro.
Estranharam
que tivessem que subir escadas para a casa. Só depois repararam em duas
pequenas janelas abaixo das janelas dos quartos, indicando haver ali algum
cômodo.
Com
certeza, seria um velho porão inutilizado.
Fecharam
negócio depois de muito pechincharem e, como o imóvel estava à venda já há dois
longos anos, o proprietário aceitou a condição que lhe ofereciam, ainda mais
que a entrada seria em dólar.
Como
pretendiam iniciar logo a reforma, continuaram morando num hotelzinho próximo
dali para facilitar o acompanhamento da obra.
Resolveram
iniciar pelo que achavam que seria um porão desativado.
—
Tem que ter uma maneira de chegarmos lá – pensou William.
Ao
examinar o chão minuciosamente, encontrou um pequeno rebaixamento em uma das
tábuas. Era quase imperceptível. Ao tocar o lugar, ouviu um tec, significando
que havia aberto alguma coisa. Puxou a tábua, que cedeu prontamente, levantando
uma tampa, espécie de porta, desvendando uma escada que levava ao andar
debaixo.
—
Bingo – gritou, chamando Johnny, que veio correndo e ficou olhado pasmo para o
que podia se apreciar dali de cima:
Um
escritório montado com mesas, cadeiras, estantes cheias de arquivos, livros e
um computador antigo. Estava tudo empoeirado e, com apenas aquelas duas
janelinhas entreabertas, não conseguiram ficar por mais de dez minutos no
lugar. Ambos subiram com acesso de tosse, quase sem poder respirar. Estavam
diante de um problema.
No
dia seguinte, munidos de uma máscara de proteção, desceram ao lugar para
descobrir alguma porta escondida por onde alguém poderia ter tido acesso ao
local. Descobriram atrás da estante, um portão de ferro já bastante enferrujado
que teria sido fechado por fora com uma parede de tijolos. Olhando por fora,
ninguém imaginava existir um portão ali.
O
ex-proprietário foi chamado para esclarecer e contou que havia adquirido a casa
há quase três anos, de um alemão que precisava voltar imediatamente para a
Europa e, portanto, havia feito uma proposta irrecusável. Achando que seria um
bom negócio, ele, em seguida, colocou o imóvel à venda, desconhecendo a
existência de qualquer porão.
Os
primos foram aconselhados a chamar a Polícia Federal. O local foi vistoriado,
os arquivos e o antigo computador foram levados para análise.
O
ex-proprietário foi obrigado a devolver aos jovens o sinal. O negócio foi
desfeito.
Aquele
sonho de reformar uma velha casa numa terra distante deu lugar ao desejo de
voltar pros braços dos pais e arrumar um emprego em Boston, onde eram mais do
que conhecidos. Ali, resolveram reformar velhas casas e revender, negócio que
deu super certo.
Através
do ex-proprietário do imóvel de Santa Cecília, ficaram sabendo que aquele
esconderijo havia pertencido a uma gangue especializada em roubos de bancos,
cujo mentor havia sido preso e levado para uma prisão de segurança máxima. Com
base nos elementos encontrados, a Polícia Federal, que há anos estava à procura
do bando, pôde chegar ao esconderijo, no norte do país, onde eles arquitetavam
grandes novos roubos, chefiados pelo antigo mentor que, de dentro da cadeia,
continuava a chefiar o grupo.
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