A
Carta
Adriana Frosoni
Foi há mais de trinta anos
e até hoje não consigo esquecer nenhum detalhe, nem mesmo do ruído do automóvel
freando em frente da minha casa; eu estava no alpendre. Os vidros com
insulfilme escuro não me permitiam ver quem estava no carro. O ronco do motor
que não foi desligado indicava que o assunto seria rápido. Senti a ansiedade me
invadir, espremi os olhos ansiosos para o vidro que se abria e um sorriso
conhecido surgiu.
— Oi, Aninha! Não posso
descer para matar a saudade, só vim para entregar-lhe um presente.
Era Henri, meu namorado,
corri para pegar o pacote na janela do carro. Pelo seu semblante, o sorriso sem
graça e a tristeza no olhar, eu soube: havia um problema sem solução. A
irmã dele estava na direção e me deu um sorriso amarelo, parecia mais um pedido
de desculpas do que um cumprimento. Fiquei onde estava, com os olhos
cravados no rapaz e o coração acelerado. Eles partiram antes que o vidro fosse
fechado.
Abri o embrulho ali mesmo,
de pé na calçada, e a primeira coisa que vi foi um envelope vermelho. Não havia
somente isso, mas esse foi o item que mais me intrigou. Tinha também uma barra
de chocolate, um pingente em forma de coração e um cartão postal da Alemanha,
com apenas três palavras no verso: “Espere por mim!”.
Fechei a caixa, tomei um
longo fôlego e caminhei de volta para casa, onde o silêncio do meu quarto
poderia me oferecer algum conforto emocional. Criei coragem e abri a carta com
cuidado. A caligrafia pequena de Henri saltou-me
aos olhos, e suas palavras começaram a tecer a história que ele precisava
me contar. As letras se confundiam em minha frente, borradas pelas lágrimas que
começavam a surgir. Algumas expressões saltavam aos meus olhos e meu peito apertava.
“Partirei em breve. Meus
pais não me permitiram ficar.” Doeu-me ler aquelas palavras, mesmo
compreendendo a situação dele e dos seus pais. Naquele momento minha decepção
era tão grande que consumia toda a minha capacidade de compreensão, e o que me
restou foi engolir a dor. Embora ele tenha prometido: “Voltarei quando atingir
a maioridade.”, as lágrimas escorriam sem controle e silenciosas. Isso
aconteceu por meses, assistindo filmes, ouvindo músicas ou simplesmente à toa.
Um dia elas secaram, e
isso foi na data em que Henri fez seus dezoito anos e eu ainda não havia
recebido nenhuma correspondência dele. Eu havia escrito várias e nem sequer
podia enviá-las, já que não sabia o endereço. Assumi que a promessa dele de voltar
era vazia e munida de coragem escondi o pacote de presente com tudo dentro,
tirá-la de vista me ajudou muito. Meu sorriso voltou gradualmente.
Hoje voltei a abrir a
caixa, havia ficado até então esquecida na casa de meus pais. Não chorei,
doeu-me de uma forma diferente. Essa foi apenas a primeira das muitas decepções
amorosas que tive. Joguei o pingente no lixo. Rasguei o cartão postal e a carta
sem emoção alguma, mas, quando o fiz, percebi que a resistência do envelope
vermelho sugeria haver mais do que uma folha de papel ali dentro. Hesitei por
um instante, não resisti à curiosidade e puxei a ponta do que parecia um cartão
de visita, que, naquele dia, não percebi que estava entre as dobras do papel.
Nele havia um endereço em Berlim.
De repente, não senti ódio
nem raiva. Continuei a olhar para aquilo e apenas senti pena do fim. Aquele
cartão de visitas me fez aceitar que houve um mal-entendido, encerrando um
capítulo sem fim.
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