A REVELAÇÃO - Silvia Maria Villac V. de Carvalho

 

 


A Revelação

Silvia Maria Villac V. de Carvalho

 

 

Mais uma vez, ela se certifica de que está sozinha no escritório de casa, para então puxar a gaveta do arquivo, afastar as pastas suspensas e retirar o fundo falso.

Com o suor escorrendo pela nuca, naquela manhã de outono extremamente quente para a época e com a mão um pouco trêmula pelo nervosismo, ela gira a pequena chave e ouve o “clique” do cofre sendo destrancado.

Lá dentro está o tal do envelope lacrado, conforme seu pai havia lhe confidenciado. Com ele, há outros papéis que ela decide que lerá depois que tiver mais tempo. Retira-o do pequeno compartimento, coloca-o em seu bolso e, mais do que depressa, tampa o cofre novamente, arruma as pastas suspensas e fecha a gaveta a tempo de sua irmã entrar no recinto e lhe perguntar o porquê de estar sentada ali na cadeira do papai.

─ “Estava tentando lembrar quando foi a última vez que ele esteve aqui trabalhando e falando ao telefone com seus clientes. Afinal de contas, depois de todos esses meses de idas e vindas do hospital e mais os intervalos para a convalescença, parece uma eternidade!”. Ao dizer isso, ela olhou para baixo e viu que havia se esquecido de colocar de volta o fundo falso, que estava bem visível sob seus pés. Se a irmã desse a volta na mesa, com certeza também notaria e ela seria descoberta! Para sua sorte, nesse momento um celular tocou e a irmã saiu ao encalço de seu aparelho.

Dessa vez, a operação foi bem mais simples: abrir o arquivo e deslizar o pedaço de madeira por baixo das pastas. Feito isso, ela deixou imediatamente o escritório e foi para seu quarto, certificando-se de trancar a porta para manter a privacidade.

Cuidadosamente, e ainda tensa com a situação do cofre, da carta em si e de ser pega pela irmã, recostou-se na cabeceira da cama e abriu o envelope. Dentro havia uma folha de papel.

Avidamente, começou a lê-la, onde tudo estava explicado. Sua mãe havia engravidado e o homem não quis assumir a paternidade. Faz-se, então, um casamento arranjado com esse que seria chamado por pai em troca de um cargo na empresa do futuro sogro.

A família era muito tradicional, da alta sociedade e extremamente católica e, apesar de os tempos não serem mais como antigamente, a ideia de ter uma filha grávida em casa e, posteriormente, uma criança bastarda era impensável. Então, após uma semana extremamente tumultuada e noites sem dormir, o homem da casa apareceu com a solução que parecia ser a mais adequada: ele havia arranjado um pretendente para a filha em troca de um cargo de executivo em sua fábrica para o “genro”, que lhe prometera honrar e respeitar o trato. O tal do sujeito, “bon vivant”, bem-apessoado e educado, havia sido entrevistado no mês anterior para a vaga de diretor administrativo, mas o cargo tinha sido preenchido por outro.

No início, foi, de fato, apenas um negócio e ele visava apenas ter uma vida boa, cheia de regalias, mas confessa que, com o tempo, aprendeu a amá-la como sua e não fazia distinção de gestos ou sentimentos em relação à sua outra filha de sangue. Constituir uma família ajudou-lhe a ver a vida de um modo mais humano e menos egoísta e mercantilista e que sua mulher muito lhe ajudou nessa empreitada, sempre o respeitando e o enaltecendo diante dos olhares maldosos daqueles que gostavam de falar que ele havia dado o “golpe do baú”. E, por sua vez, as duas irmãs se davam muito bem e eram grudadas uma na outra!

Partia feliz, ele escreveu, com o sentimento do dever cumprido, uma vez que suas duas filhas já “caminhavam com suas próprias pernas”, tinham suas carreiras, e eram independentes. Terminava a carta dizendo que lhe devia essa revelação porque achava justo que ela soubesse a verdade, “Eu te amo, filha querida”. Assinado, Papai.


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