Uma avó que entendia de história
Ises de Almeida Abrahamsohn
Ele entrava de supetão no quarto da avó:
— Vovó, preciso urgente de sua ajuda. Tenho que escrever sobre Napoleão e a Rússia. É para amanhã...
Sempre era para o dia seguinte.
— Vá olhar na enciclopédia britânica da estante. Lá tem tudo para você escrever o seu texto.
—Tá certo, vovó. Mas está em inglês e eu vou levar muito tempo para resumir. E pode ser que eu nem ache as coisas mais importantes. Você pode me ajudar falando o que é mais importante para eu escrever.
Naqueles anos da década de 1980 já havia computadores, mas só para uso nas universidades. Não havia o Google, nem a Wikipedia e muito menos celulares. A informação tinha que ser extraída de livros, enciclopédias ou de alguma avó disposta a partilhar seu conhecimento.
E essa vovó sabia muito de história. Adorava ler, história antiga ou contemporânea, e tinha um arguto senso de análise. Teria sido uma grande historiadora se duas guerras mundiais não tivessem mudados os rumos de sua vida.
O que ela falou ao neto sobre Napoleão? Aquele corso que, afinal, não era tão baixinho como o pintam e o homem ambicioso que restaurou a glória à França? O grande conquistador que derrotou exércitos e matou milhares de inimigos, aquele cuja vaidade o levou a pensar que poderia conquistar a Rússia?
Falou da desastrosa campanha na Rússia, derrotado pelo inverno e pela fome que dizimaram seus soldados e compatriotas... Dos 600.000 combatentes, só voltaram 40.000.
Minha mãe não tinha simpatia pelo imperador francês. Segundo ela, o grande feito dele foi ter instituído a escola pública na França em todas as vilas e cidades, onde todo cidadão teria que aprender a ler, escrever e contar.
Para ela, esse foi o grande e maior legado de Napoleão.
E foi assim que o neto escreveu a sua dissertação. Finalizou citando a avó: Napoleão foi o grande pequeno homem que acabou com o analfabetismo na França.
Tirou nota dez, é claro, que levou para a avó ver, orgulhosa de seu neto.
— Esqueça os generais e as conquistas, meu neto. Foram os professores e as escolas que Napoleão criou que fizeram da França um grande país.
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