BENTO, O PÉ DESCALÇO.
Antonia
Marchesin Gonçalves
— Olha, o teu pé, Bento, está
sangrando – disse Gregório.
—
Isso não é nada, é só um arranhão, meu pé tem o couro grosso, respondeu Bento.
Bento
é apelido do Benedito, fazendeiro da cidade de Pirajuí. Próspero, com duas
fazendas, uma de gado de corte e outra de plantação de cana. É na fazenda de
gado que ele tem a sua sede, grande, morando a esposa, filho e seus pais. É lá
também que ele nasceu e cresceu, sendo na época um pequeno sítio.
De aparência simples, com seu
chapéu de palha, roupas surradas, cursou até a oitava série. A maior briga com
seus pais, desde pequeno, era que calçasse os sapatos. Algumas vezes usava
chinelos de dedo. Sempre descalço e esse hábito não mudou, nem a esposa o
convencia. Só em casamentos e enterros, com muito sacrifício, usava calçados.
Por isso o seu apelido, “Pé descalço”. A rodovia Marechal Rondon era o
dia-a-dia dele, nas suas idas e vindas entre as duas fazendas. Na cidade, todos
o respeitavam e admiravam, sabiam que podiam contar com ele em qualquer
necessidade.
Certo dia, após o café da manhã,
estava ele na rodovia com sua camionete e avistou à frente um carro parado na
pista e um segundo mais adiante, tombado de cabeça para baixo, todo danificado.
Não teve dúvida, estacionou no acostamento e encontrou o idoso Gregório, seu
amigo, desesperado, tentando quebrar o vidro do carro. Ao chegar perto,
percebeu o motivo do desespero. No carro capotado havia um bebê de uns 2 anos,
preso à cadeirinha no banco traseiro. A
criança chorava muito. Sua mãe estava desacordada no banco do motorista.
Com os vidros já trincados, ele não
teve dúvida, com o pé cascudo, chutou duas vezes o vidro, quebrando o
suficiente para enfiar a mão e destravar o carro. Abriu a porta e tentou tirar
o bebe, mas o cinto de segurança não destravava. Os segundos seguintes foram
cruciais, então ele entrou no veículo mesmo tendo avistado gasolina escorrendo
no chão.
Com a faca que sempre trazia à
cintura, conseguiu cortar o cinto e retirar o bebê e o entregou para Gregório,
dizendo:
— Se
afasta com ele, vou tentar desprender a mãe. Novamente, com a faca, cortou o
cinto da mãe e com os pés conseguiu empurrar o banco e abrir a porta, agarrando
a moça pelos braços, arrastou-a o mais longe do carro.
Nisso, Gregório já havia acalmado a
criança e chamado o socorro, chegando a tempo de ver o carro explodir. Todos
socorridos e salvos. Bento só percebeu que tinha cortado um dos pés quando o
médico da ambulância quis fazer curativo. Graças ao seu cascão de andar
descalço, não foi nada profundo. A sua fama de herói correu pela cidade e
vizinhança.
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