O Antes e
o Depois.
O que
aconteceu antes do desastre
Yara Mourão
Amanheceu
molhado, os caminhos ainda bloqueados pelos restos da enxurrada; paus e pedras,
destroços de casas, talvez de vidas, jaziam por toda parte.
As
tempestades daqueles dias foram fortes demais para o lugarejo, carente de
socorro ou resgate. Será que alguém ali estaria vivo? O silêncio do desastre
era assustador.
A mãe não
queria morrer enterrada ali com seu bebê, que tinha só dois anos e uma vida para
viver. Tinha que partir. Decidiu correr
pelos escombros com o filho nos braços até o que restava da rua, um lamaçal
traiçoeiro. Procurava uma salvação, o que quer que fosse, quando avistou algo
que parecia um capô acinzentado, um carro enlameado junto ao barranco.
Viu uma chance em mil de conseguir sair dali.
Foi rápida porque dos morros em volta escorriam rios de lama.
Pensou em
ajudar mais alguém. Olhou rapidamente em volta, mas fora alguns cães perdidos,
não havia sinais de ninguém. Acomodou a criança na cadeirinha enlameada que
havia no carro e conseguiu sentar à direção. Tudo coberto de barro,
mas ainda funcionando.
Com muito
cuidado, conseguiu dirigir através dos entulhos. Mas, para onde ir? Não se
distinguia rua de rio, estrada de buracos. Começou a chover de novo.
A mãe
lamentava a vida, os desastres, o desamparo. A consciência de estar só com o
seu bebê doía na alma, mas acendia nela uma urgência forte pela sobrevivência.
Dirigiu.
Não sabe como saiu dali até uma clareira. Desviou-se dos troncos, das pedras.
Acelerou pelos caminhos improváveis, cheios de retas escorregadias e de curvas
fechadas. A mãe tremia, chorava; seu bebê querendo muito viver uma vida feliz.
Por isso, a mãe viu que seguir sempre era o que tinha que fazer. Acelerou mais;
e mais, até que, em uma enorme pedra ao lado da estrada, o mundo parou de
rodar.
Só se
ouvia o choro do bebê atravessando a mata.
Na
encosta do morro, escorreu a gasolina do carro estourado. No encontro das
pedras, o fogo se alastrou.
Uma
caminhonete parou e um rapaz correu em direção ao carro capotado. Um idoso já
estava ali no desespero de salvar mãe e filho.
Os dois
homens se esforçaram até tirar o bebê e sua mãe desacordada de dentro do carro,
antes que ele explodisse.
O que
aconteceu depois do desastre – 10 anos depois.
Naquele
dia terrível, um jovem e um velho fizeram a vida brilhar de novo. E agora, anos
depois de toda aquela tragédia anunciada, Bento e Gregório, sentados à mesa da
cantina da Corporação, brindavam as conquistas alcançadas.
Porque
eram eles que estavam lá, no momento do desastre. Gregório, que morava próximo,
ouvira o estrondo da batida e, numa rapidez surpreendente para suas pernas já
cansadas, chegou junto ao carro e, aos berros, tentava algo e chamava por
socorro. Bento parou abruptamente seu carro e, com a força e o ímpeto da
juventude, quebrou os vidros e conseguiu tirar bebê e mãe antes que a explosão
causasse o fogaréu.
Não dava
para chegar no hospital. Tinha que ser pelo ar. No celular de Bento, fizeram a
chamada. Voo agitado até a cidade mais próxima. O atendimento foi para todos,
cada um com sua dor, seu ferimento. Todos ficariam bem, até a mãe, que se
ferira mais que todos.
De todo o
mal, uma centelha brilhou forte. Os dois homens, salvadores, heróis aclamados
pela mídia, se perceberam essenciais no mundo. Para estar onde o acaso acontece
e vencer obstáculos difíceis, é preciso ter o dom da presença e das atitudes
que fazem a diferença. Passaram anos aprimorando essa percepção até se filiarem
à Corporação do Corpo de Bombeiros – Socorro e Resgate da cidade.
Tinham
muito orgulho disso. Tinham medalhas, tinham reconhecimento.
Mas o que
tinham que mais prezavam era o apadrinhamento de Mariza, a mãe do bebê salva
por eles, e do mascote da Corporação, Pedrinho, o bebê que resgataram e que
dizia, com a graça de seus doze anos, querer ser também um bombeiro
super-herói!
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