Memórias de um tempero - Yara Mourão

 




Memórias de um tempero

Conto Sensorial: Olfato

Yara Mourão

 

O restaurante estava cheio. Muita gente falando alto, garçons apressados, tudo o que estraga um bom almoço de domingo.

Isso me causou um distanciamento do que estava à minha volta e tive uma fuga mental para bem longe dali. Na verdade, foi o tempero de um peixe assado que me transportou para lugares entre pessoas de outro tempo e lugar. Para um dia enfumaçado na memória, quando meu irmão chegou do Canadá com uma sacolinha de temperos estrangeiros. Ele comprou um peixe e, amigo e companheiro, veio em casa preparar o legítimo peixe assado canadense!

Mas que dia feliz!

Tudo começou no limpar o bicho ao som de Vivaldi; daí, temperá-lo com nobre esmero: sabores distantes, aroma de neve, capricho talhado no prazer de agradar.

Enquanto o peixe assava, ouvíamos as histórias daquele país longínquo, contado em detalhes amorosos por meu irmão, que sabia o quanto eu apreciava tudo aquilo.

E foi a fumaça mágica do forno e também o cheirinho estrangeiro que se insinuou pela casa, a música e o frio outonal, que marcaram um instante de imensa saudade na minha memória.

Embalada por esse quase sonho, fui retornando ao restaurante barulhento. Olhei à volta e nem me aborreci mais. O cheiro do tempero daquele peixe assado foi o melhor guia de sentimentos felizes num mero domingo, cercada de gente barulhenta, num almoço nada especial, mas que me trouxe um tesouro escondido de saudade sem fim.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário