CANÇÃO DO AMOR TRAÍDO.
Yara
Mourão.
Naqueles
dias, Francisco chegava de sua longa viagem pelo Japão. Vinha fascinado com o
oriente, seus encantos e mistérios. Era um romântico incurável, esse professor,
trazendo na bagagem tanta inspiração que mal conseguia esperar o encontro com
seus alunos.
No
dia seguinte, já reunia a turma no Anfiteatro da Faculdade e, emocionado,
expunha a eles, em gotas de emoção, toda a suavidade e beleza dos sentimentos
orientais.
Apresentou
seu projeto cultural para aquele semestre: iriam reescrever, atualizando e
modernizando, o libreto da ópera Madame Butterfly.
Os
alunos se surpreenderam. O professor explicou que queria que reescrevessem a
parte do canto da protagonista, Cio-Cio-San, quando ela conta a sua ama,
Suzuki, a traição de seu amado Pinkerton, e que por isso ela iria cometer um
haraquiri. A ama, então, se solidariza com sua dor.
Os
alunos se agitaram. Mas a ideia era só fazer a leitura em cima dos trechos das
músicas e não representar dramaticamente a história. Entretanto, essa leitura
pedia sintonia com as personagens da ópera.
Francisco
escolheria entre Luana e Erica. Mas de antemão, já sabia que Érica, que
escrevia sob o pseudônimo de Kaká, autora das mais sensíveis e poéticas
crônicas, criaria o libreto de Cio-Cio. Luana faria o da ama, embora a aluna
fosse uma personalidade forte e nada delicada.
Todos
buscaram inspiração nas leituras de autores japoneses, e muitos trabalhos foram
apresentados.
Os
de Érica eram impecáveis! Traduziam a profunda mágoa de não ter sido
correspondida em um amor tão delicado e verdadeiro. Suas palavras escolhidas
revelavam que, um dia, sentira essa mesma dor.
Já
os textos de Laura eram mais cortantes, preconizavam quase uma vingança, algo
que não condizia com o libreto da ama, mas sim com o de uma personagem mais
arguta, que ambicionava para si uma vitória a qualquer custo.
Francisco
não aprovou Laura. Ela se revoltou, se voltou para os livros em busca de
inspiração. À noite, ia às escondidas até a biblioteca, ouvia a ópera baixinho,
mas achava que essa postura subalterna e conformada não tinha mesmo nada a ver
com ela.
Passaram-se
os dias...
Da
seleção de textos, o de Érica, “Canção do Amor Traído”, era
perfeito! A escolha estava decidida. Mas o texto de Luana era completamente
fora do contexto, não traduziria aquele lamento subalterno, sofrido.
O
professor entendeu que um papel diferente seria melhor para Luana.
Recorreu
a outros consultores procurando por uma sugestão. Precisava de um aconselhamento
e lembrou-se de sua amiga Fumiko Takashima, uma laureada escritora da Academia,
para dar uma opinião nesse trabalho delicado.
Os
pingos de chuva na vidraça embalaram Francisco numa noite triste, em que ele
adormeceu esperançoso de que, na manhã seguinte, Fumiko batesse à sua porta...
Foi
o que aconteceu.