Sérgio Dalla Vecchia
Dispostos sobre uma mesa, lá
estavam o caderno e o celular.
Foi a primeira vez que se puseram
frente a frente. Logo o sereno caderno puxou conversa:
—Olá celular, registro
textos. Estava ansioso na busca de ouvidos companheiros que escutassem as tantas
histórias que vivenciei.
— Ora, caderno, eu lá quero
saber das suas histórias. Eu sou o presente, não tenho histórias para contar,
quando quiser saber algo ponho meu buscador para trabalhar e Zaz! Tenho os
fatos de imediato, em cores e em tempo real. Sou apenas o máximo. – Respondeu com
arrogância o celular.
— Pois
é meu caro, modéstia é que não lhe falta, não? - Retrucou o caderno.
— Sou onisciente, digito
todo tipo de texto, tiro fotos, sou uma enciclopédia, falo todas as línguas, converso
com todos os grupos de amigos, informo tudo que acontece no mundo, sou a
tecnologia de ponta e portanto sou a ferramenta essencial para o homem.-
Replicou o celular.
— Veja
como fala, seu petulante aglomerado de chips! Antes de você pensar em existir
eu já registrava todos os documentos do mundo. Desde a mais rudimentar grafia
até a mais refinada. Já fui pedra, papiro, pergaminho, diários de bordo dos
mais valentes encouraçados até dos gigantescos transatlânticos. Já me escreveram
com carvão, penas de aves até com as mais luxuosas canetas da moda. Sou eu quem
registra os trechos de maior importância sublinhados pelos alunos, nas aulas e
palestras. Um aluno atento não renuncia da minha presença, esteja onde estiver,
mesmo tendo um simples você enfiado em um dos bolsos traseiros das
calças jeans, coladinho nas nádegas.- Desabafou o caderno.
— Veja bem registrador de
textos, essa conversa já deu o que tinha de dar, portanto vou me desligar por
um tempo e você sentirá na pele a minha falta.- Desligando ...
O caderno não esperava tal
atitude, mas atento, aguardou paciente a chegada dos efeitos colaterais do
fato.
Após algum tempo eles se
reencontraram, já mais calmos, conversaram bastante sobre a coexistência e arranjaram
o seguinte pacto:
Ao caderno coube à nostalgia
e sentimentos da alma.
Ao celular a pujança do
progresso e toda frieza que ela exige.
Assim o pacto vigorou
harmonioso por vários séculos, até que o mundo obsoleto perante o Universo,
acabou invadido por outro celular alienígena anos luz mais eficiente!
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