Turmalina
Mario Augusto Machado Pinto
Era setembro. O tempo urgia, mas os rostos
aparentavam cansaço e desânimo. Muitos partiram, desistindo do sonho dourado.
As mãos calejadas pelo insistente ofício de escavar eram as mesmas que diziam
adeus naquela primavera.
Sentado na cadeira do seu barbeiro cortando os
cabelos e as unhas, Emiliano lembrou-se dessa cena constante – escavar - e de
quando lá chegou com sua mãe para buscar fortuna e que ela foi logo dizendo que
ganharia dinheiro, pouco, mas jamais poria as mãos naquele barro nojento.
—
Só quero ver! - sorri falando para mim mesmo e vi, na nossa cabana da Rua A em
Pedra Azul ela montar o que chamou de Casa da Nena e dizia para todos que a
procuravam:
— Esta é a sua casa! - Quase acabou com nosso
dinheiro.
Imediatamente visitou todas as famílias,
ofereceu o que sabia fazer – cozinhar
– e administrava impecavelmente o negócio:
Os clientes entregavam para ela o pedido do que desejavam
comer. Ela preparava o prato, cobrindo-o sempre com um molho especial (era sempre o mesmo para tudo, só mudava a cor).
Cobrava preço igual de todos. Desse jeito as mulheres dos casados podiam ajudar
os maridos na escavação, e eles ganhavam mais pelo dia trabalhado. Pagavam em
dinheiro ou em turmalinas. Funcionou às mil maravilhas, sempre. Mamãe era muito
boa no que fazia.
O objetivo era permanecer ali alguns anos até
juntar o quanto dinheiro necessário para comprar ou alugar um terreno grande na
cidade, nele plantar, dele colher e vender as verduras, os legumes, criar galinhas,
vender os ovos e no Natal, coelhos, cabritos e perus.
Esse era o sonho da mamãe, não era o meu. Eu queria
ficar rico na cidade, ter negócio próprio, casa grande, bonita e hospitaleira, comer
e beber do bom e do melhor, ser respeitado e, incógnito, dentro do possível,
ajudar umas famílias que fossem muito pobres. Para poder fazer isso sabia que
precisava juntar todas as turmalinas que encontrasse enquanto revolvia a terra
do meu lote considerado azarado: diziam que dele só brotavam poucas pedras. Eu
é que sabia quantos brotos tinha guardado.
Anos depois deixamos o local em março, rumo à cidade
grande, para ter tudo arranjado em setembro e começar a aceitar encomendas para
o fim do ano. Gastamos quase todo dinheiro que tínhamos.
Deu certo. Daí em diante a vida correu simples,
sem problemas. Nosso local de vendas, Casa da Nena, era conhecido, seus
produtos disputados e festejados pela qualidade; éramos benquistos e aceitos
pelos vizinhos.
Um dia achei que estava na hora de vender parte
das turmalinas e fazer um bom dinheiro para comprar a terra que alugávamos e onde
trabalhávamos e de onde tirávamos o nosso sustento. Eram vontades fixas: ser
dono, ter. Não dever.
Iniciei a busca da realização dos meus sonhos. . Trabalhava a terra, plantava, regava,
colhia, vendia nas ruas de casa em casa, e nas feiras. Fui perguntando,
aprendendo e me enfronhando em como conquistar essa bruta cidade. Assim, de perguntar a um e a outro, com minha
melhor roupa e um pacotinho com minhas pedras cheguei ao balcão de uma
joalheria que me informaram ser famosa e gozar de muito bom conceito.
Recebido pelo comprador expliquei o que queria e
ofereci umas tantas das minhas turmalinas. Foram vistas e analisadas no balcão
e levadas ao laboratório. Alguns funcionários
olhavam-me e sorriam. Um senhor pediu
que o acompanhasse ao seu escritório. Deu
bode! - pensei. Mas, ali, após muitos rodeios, cautelosas perguntas e curtas
repostas, informou que minhas turmalinas não eram turmalinas. Foi um choque! Temendo
ser enganado perguntei: Então o que são?
Rodeando, com muito cuidado com as palavras, e
meio sem jeito, o velho homem respondeu: São
aguas marinhas. Para mim era a mesma coisa, e perguntei: O Senhor quer compra-las? Quanto vale? Quanto
me paga? Disse que precisava avaliar melhor o lote.
Queria a minha presença no laboratório para acompanhar o trabalho. Bem, valiam
tanto que ele me obrigou a abrir conta num Banco onde depositou um valor enorme.
Ofereci mais e quando ia dizer quantas ainda possuía, aquele experiente
profissional disse: Nunca diga para
ninguém, ninguém, nem pra mim se tiver mais. Nunca contei que tinha quatro caixas
de sapatos cheias delas... Se ele soubesse... Mas, ele alertou-me pra eu não
falar... É meu amigo até hoje.
Delas, e de muito esforço, nasceram cinco
barbearias, cinco academias, cinco restaurantes boutique e cinco spas femininos,
todos com o nome Turmalina, e numeradas de 1 a 5. Também a ajuda dada a cinco
famílias pobres. As escolas técnicas estão no acabamento.
O importante é que apesar de demoradas as
conquistas se sucederam e estão demonstrando resultados: pais que se tornaram responsáveis
e cumpridores de suas obrigações, crianças e adolescentes frequentando a
escola, garotos aprendendo uma profissão – há dois estudando enfermagem e
outro, paisagismo.
Considero que essa parte do projeto sob o
controle dos beneficiados e, claro, meu olho vivo, está muito boa, dando bons
resultados. Os outros projetos são comandados pelo meu pessoal responsável e de
ótima qualidade profissional.
Já servimos de modelo para outras iniciativas iguais
– já estivemos em programas de rádio e TV e a Mãe Nena já teve foto publicada
na revista do bairro. Posso dizer que vencemos e continuamos vencendo. Somos
procurados e solicitados a contar nosso “segredo para o sucesso”.
E a resposta é sempre a mesma: Trabalhamos duro
e constantemente. Só temos feriados no Natal e no Ano Novo. Aos sábados faço um
churrasco com alguns amigos e bebemos cerveja.
Ah! Só para
lembrar, não vamos parar: faremos mais em outros bairros. Claro, com o que ainda
tenho em três caixas de sapatos cheias e guardadas... Num cofre, naturalmente.
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