A
CIDADE FORA DO TEMPO
Carlos Cedano
A cidade apresentava marasmo. As janelas fechadas, as
portas cerradas isolavam a todos. As ruas desertas há muito esquecidas,
suspiravam. Mas, o que mais aturdia era o avassalador silencio que dominava
tudo e cada habitante. Do medo passou-se ao pânico e os rumores se espalhavam
com persistência despertando velhos mitos sobre almas penadas e sugerindo
próximo, o fim dos tempos.
Onde foi que pecamos e ofendemos a Deus? Perguntavam as
matronas ao pé do ouvido dos parentes cada vez mais juntos e amedrontados.
Nenhum contato com o mundo, sem luz, sem noticias e sem esperanças.
Acentuava-se o medo fazendo surgir o desespero quando as persistentes nuvens
negras apagavam a diferença entre o dia e a noite.
— Devemos
aplacar a ira de Deus - sussurrou o Padre Alberto para Erasmo, seu sacristão.
—
Que fazer? - Perguntou ele.
—
Precisamos de um ato de penitência com a participação de todo o povo. Vamos
tocar os sinos para ver se conseguimos juntar algumas pessoas - respondeu o
padre.
Após algumas horas e depois de insistentes chamados, algumas
poucas e temerosas pessoas entraram furtivamente na pequena igreja. O padre lhes
disse:
— Estamos passando por uma provação por que de alguma
forma temos ofendido ao Todo-Poderoso. Seu perdão exigirá de nós fortes
sacrifícios para que Ele nos tire desta escuridão que pressagia para todo nosso
povo uma condenação eterna.
— Que podemos fazer? - Perguntou um respeitável ancião.
— Uma procissão de
penitência! Disse o sacerdote, convoquem o povo para amanhã de manhã, bem cedo,
antes do nascer do sol. Devemos nos arrepender sinceramente de nossos pecados e
retomar nossa fé perdida.
No dia seguinte, quando o galo ainda não tinha
cantado, num silencio contrito e devagar, foram se reunindo na praça pessoas de
todas as idades, mulheres de preto, homens de paletó também preto e muitas crianças.
O padre Alberto com paramentos da Semana Santa
portando uma bíblia grande nos braços, entre cânticos e lamurias, puxava o cortejo avançava
a passos lentos. E a medida que o tempo passava, as pessoas foram entrando em
estado de descontrole, chorando histericamente e arrancando os cabelos
literalmente. Estava tudo virando uma loucura generalizada e o padre impotente,
não conseguia conter o descalabro emocional de seu rebanho.
Subitamente alguém gritou forte e firme:
— Vamos parar já com essa loucura infame e irracional!
Está parecendo um manicômio, parem e pensem no que estão fazendo, estamos no
limiar do século vinte e um e vocês se comportam como se estivessem na idade
média!
Viraram-se todos para ver quem era o atrevido, era um
jovem que havia chegado o dia anterior.
— Como ousa interromper nossas
súplicas, forasteiro! Gritou um homem de
media idade.
— Vai ver que é um descrente e pagão! Gritou uma jovem
senhora que tinha em suas mãos um enorme terço.
O Padre Alberto, no êxtase de sua fé, subiu no banco
da praça e disse quase gritando:
—Desgraçado, cala a boca e não interrompas nossa
penitência! Estamos falando com Deus e pedindo seu perdão, você deve ser um
pecador ou, ainda pior, deve ser um ateu que deseja arruinar nossa fé no divino!
Alias, acho que você é o diabo disfarçado de pessoa humana, sim, ele é o diabo!
Assinalando o jovem com o dedo em riste.
Nesse momento a multidão começou a gritar: é o diabo,
é o diabo e um grupo de homens armados de paus e pedras foi atrás do homem que
saiu em disparada perseguido pelos
enlouquecidos habitantes.
Nesse momento brotou um sol esplendoroso como há
muitas semanas não aparecia. Nem uma
nuvem, e as luzes das casas que não tinham sido desligadas na véspera se
acenderam.
Todo o povo começou a gritar: Milagre, milagre,
expulsamos o demônio! Deus nos perdoou!
— Sim, disse o Padre Alberto, agora faremos uma missa
de ação de graças, cantaremos e louvaremos Nosso Senhor.
Duas semanas após o ocorrido chegou à cidade o jornal
da capital com a seguinte manchete:
“ENCONTRADO CORPO DE ENGENHEIRO DA COMPANHIA DE FORÇA
E LUZ DO ESTADO”
POLICIA INVESTIGA AUTORIA DO BÁRBARO ASSASSINATO
DE PROFISSIONAL À SERVIÇO NA REGIÃO DE ARMIM
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