O
saci e a mula
Fernando Braga
Nas folhas tantas dos
livros do folclore brasileiro, um Saci Pererê, apaixonou-se um dia, perdidamente
por uma Mula sem cabeça. O saci olhou-a por trás, com aquele olhar muito
maroto, não viu sua cabeça, mas nunca, jamais, havia visto tão belo par de
ancas, dentre as quais, saia um rabo volumoso, majestoso, comprido, elegante, de
cor castanho claro. Quando a mula virou-se, viu tratar-se de uma figura impar, sem
cabeça, apenas mostrando uma parte do pescoço do meio do qual, saiam faíscas de
fogo. Ao virar-se novamente, a mula rebolou, mostrando novamente suas
qualidades equinas, pernas fortes, bem torneadas e levantando o rabo, suas
ancas perfeitas. O Saci, deste então, fez de sua vida uma vida paralela à dela,
até que um dia se encontraram no meio da mata.
Em ânsia perguntou a ela seu nome
— Sou conhecida como a mulher
do padre, mas pode me chamar apenas de mula acéfala.
Ao conversarem, logo
perceberam que um fazia parte do outro e passaram a se amar ao sabor do momento
e da paixão. Resolveram constituir um lar e para tanto, se casarem!
Programaram uma grande
festa em uma clareira no meio da mata, onde passava um rio de aguas limpas, que
formava uma lagoa bem azul. Convidaram para padrinhos o Curupira, anãozinho de
cabelos avermelhados, pesinhos virados para trás e a caipora, com corpo
pequeno, cabeleira colorida, sempre atrelada a seu porco selvagem. Com estes
padrinhos, ficariam tranquilos no meio da noite, pois eram os maiores
protetores da mata frente aos caçadores. Convidaram todos os bichos da
floresta, com exceção das antas, uma vez que uma delas havia pisado na cabeça
de uma oncinha enquanto dormia e todas as onças haviam prometido acabar com as antas,
também conhecidas como tapir.
Um edital foi colocado em
vários pontos da mata, convidando toda a bicharada. Os macacos não queriam
comparecer, pois aventavam a possibilidade de serem confundidos com as antas e
até provarem, que eram apenas macacos, as onças já podiam tê-los devorado. Aí,
interveio o chefe deles, um enorme bugio, que falou para irem tranquilos, pois
já havia conversado com o Boi Tatá, a cobra de fogo, gigante, que garantiria a
segurança, a ordem e a disciplina. O Saci apresentou-se muito elegante em um
fraque de uma perna só, cachimbo e gorro vermelho, e a Mula acéfala, nua e
muito cheirosa. A cerimônia foi presidida pelo Tamanduá Bandeira. A festa foi
muito animada, com muita comida, bebida, música e dança de todos os tipos. Compareceram
dezenas de sacis, de mulas sem cabeça, dezenas de bois tatás, curupiras, caiporas,
fadas, bruxas e até iaras e botos rosa que vieram pelos rios até a lagoa azul.
As Iaras cantaram maravilhosamente bem e dois Lobisomens, que estavam presentes,
foram enfeitiçados, pularam de cabeça no lago para abraça-las e, desapareceram...
Com o amanhecer, todos se
dispersaram, restando apenas o Saci e a Mula, que se retiraram para uma gruta
deserta, para terminarem sua lua de mel. Em lá chegando, a Mula deitou-se e
o Saci começou a fazer trancinhas em se
majestoso rabo. O fato é que após nove meses nasceram um sacizinho e duas
mulinhas, também sem cabeça, todos muito engraçadinhos.
Eis que um belo dia surge
ele, Silver, o máximo, o cavalo branco, majestoso, garanhão fogoso, frequentador
de estábulos famosos, que ao observar as ancas perfeitas da Mula acéfala, ofereceu
a ela uma grandeza diferente. O Saci que era muito perspicaz, logo percebeu que
algo estranho acontecia, pois não sentia a mesma paixão de sua amada e que
ficara reduzido à insignificância. Agora passava o dia, fazendo trancinhas na
cauda e na crina de Silver, e este a acariciar as ancas da Mula.
Um dia de muita ventania, o
Saci não aguentou mais e ao ver um redemoinho, pulou dentro dele, sumiu de vez
daquele ambiente, para aparecer em outro local, bem longe dali.
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