Ises Abrahmsohn
Outro
dia ao reler a Relíquia do velho Eça encontrei uma personagem que tinha cheiro
de sacristia. Fiquei matutando o que seria tal cheiro. Lembrei de uma cena de
quando eu era criança. Minha madrinha tinha um vira-lata simpático de nome Veludo.
Veludo se entendia bem com todos os visitantes da casa e nós adorávamos brincar
com o cão. Porém havia uma pessoa que o Veludo não tolerava. Era a dona
Guiomar. Senhora de uns sessenta e poucos anos era para nós, crianças, uma
velhinha decrépita. Era amiga da mãe de minha madrinha e nós a víamos nos
aniversários da madrinha. Foi numa dessas ocasiões que acreditei de fato que cheiro
de sacristia podia existir. Dona Guiomar era baixinha, gordinha e vestia mesmo
no alto verão saia comprida, camisa abotoada até o pescoço, tudo preto do pescoço
aos pés. O cabelo grisalho trançado era enrodilhado na nuca. Tinha olhinhos miúdos
e míopes no rosto redondo de pele muito branca e bochechas rosadas. Falava em
voz murmurante, a cada duas frases invocando algum santo de sua devoção. Exalava
um vago cheiro a naftalina. Era muito beata e trazia sempre um terço preso à
bolsinha. Era inofensiva, coitada, e ao chegar logo ia se sentar com sua velha
amiga num canto afastado da sala. Eis que a campainha tocou. Era a velha
senhora. Minha madrinha avisou a empregada. Deve ser a D. Guiomar, prenda o
Veludo. O cão a contragosto foi despachado para a cozinha. Quando a recém
chegada estava cumprimentando os demais convidados, de repente, à toda
velocidade vem o Veludo que, num descuido, escapara do cativeiro. O cão não
hesitou e meteu os dentes na perna da D. Guiomar, por sorte coberta por grossa
meia de lã. Com um grito e agilidade que ninguém desconfiaria possuir, a vítima
saltou para cima de uma cadeira enquanto os adultos se precipitavam para
agarrar o agressor.
Foi
quando o tio Benedito com sua verve habitual comentou:
─ É o cheiro de sacristia. O Veludo
sente de longe!
Pobre Veludo.Era ateu! rsrsrsrs
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