A vingança de Laura - Ises de A. Abrahmsohn

 


A vingança de Laura

Ises de A. Abrahmsohn

 

A jovem advogada de 24 anos só agora iria ouvir a verdadeira história do desparecimento de seu pai. Tio Joaquim, que a criara e a quem ela amava como pai, tinha escolhido aquela noite para revelar o que de fato aconteceu há mais de vinte anos. Sentaram-se após o jantar em lados opostos da mesa de madeira escura da sala. A luz fraca de um lustre de vidro antigo pintado com flores agora esmaecidas iluminava os dois rostos. Tudo era silêncio no modesto apartamento do prédio cinzento localizado no bairro da Barra Funda.

O tio examinava atentamente o rosto de Laura como que para transmitir a emoção que o assunto exigia. A moça sentia a perturbação do velho e o fitou carinhosamente. Sabia os sacrifícios que o tio fizera para ela poder estudar e se formar. Afinal tinha suprido a ausência do pai e da mãe que morreu quando ela tinha apenas 3 anos. Laura esticou o braço para apertar a mão do ancião.

No navio de imigrantes viajavam seu pai Leo, o irmão mais velho Joaquim e um primo. Era 1937 e os três a custo tinham conseguido em Marselha o visto para emigrar para o Brasil. O restante da família aguardava em Gênova os preciosos vistos para o novo mundo. Leo trazia consigo na cintura uma bolsinha com quatro diamantes. Era toda a sua fortuna para junto com o irmão começar a vida no novo país. Com dificuldade tinha conseguido vender a casa e a loja que possuíam nos arredores de Berlim. Pagaram-lhe metade do que valia, mas naquela época ainda ficou feliz por conseguir vender.

Laura ficou surpresa. Nunca ouvira falar nesses diamantes. O tio não queria interrupções e pediu que escutasse até o fim. Encurtaria a história e depois podia responder às perguntas.

Aconteceu que o tal primo Benjamin, verdammte Kerl (maldito cara), resmungou o velho, ficou sabendo dos diamantes. Uma noite, antes de chegarem ao porto de Santos, o primo e Leo iniciaram uma violenta discussão no convés após o jantar. O rapaz, que tinha apenas 18 anos, exigia que Leo lhe desse um dos diamantes da bolsinha. Entraram em luta e o jovem mais atlético e forte arrancou a bolsa da cintura do pai de Laura.

Foi nessa altura que eu cheguei ao convés e vi Leo ser derrubado com um soco certeiro do sujeito. Saí correndo para procurar ajuda.

Quando subi de novo ao convés, junto com o imediato, a área estava vazia. Começamos a procurar e não encontramos nem seu pai, nem o maldito. Não estavam nas cabinas e nem em outro lugar do navio. Fui comunicar ao comandante o desaparecimento e o temor que meu irmão tivesse sido empurrado para o mar pela amurada. Porém o homem me aconselhou a calar. Do contrário seria detido pela polícia para averiguação e provavelmente repatriado para a Alemanha.

No dia seguinte desembarquei com minha bagagem sem ver nem a sombra do tal Benjamin. Nem pude retirar a bagagem de seu pai porque não achei os comprovantes.

Quando sua mãe, após dois meses, conseguiu chegar ao Brasil contei-lhe do desparecimento do Leo e do sumiço do primo assassino. Você tinha um ano. Trabalhei de início dois anos na zona cerealista e morávamos os três, sua mãe, eu e você em dois quartos de uma pensão nos arredores. Mudamos depois para uma casinha alugada aqui no bairro, mas sua mãe pegou pneumonia, naquela época não havia penicilina, e ela faleceu. Isso você já sabia, e também que nos mudamos para esse apartamento que comprei quando você já tinha uns dez anos.

Agora vou lhe contar algo que descobri só há pouco tempo. Você conhece o Michel, meu grande amigo ainda dos tempos da Alemanha. Fui visitá-lo em seu belo apartamento em Higienópolis. Era sexta feira e nós estávamos no terraço conversando e tomando cerveja. Ele mora no primeiro andar e dá para ver a calçada do outro lado. Eu não estava olhando para nada em especial mas observei dois homens conversando parados na calçada. Um deles com cerca de uns quarenta e poucos anos e o outro devia ter cerca de sessenta. Os dois estavam com Käpchen (solidéu) e deviam estar  a caminho da sinagoga para o Shabat. Algo na figura do mais novo me fez apertar o olhar. E, coincidência, ele virou a cabeça e eu pude ver o rosto de frente. Não havia dúvida. Era o Benjamin. Os mesmos cabelos de um louro avermelhado apenas meio careca, os cabelos ralos no alto da testa. Fiquei muito nervoso e pedi ao Michel que, rápido, trouxesse o binóculo.

Com o binóculo pude confirmar, era mesmo o danado, com a cicatriz na têmpora esquerda que já tinha quando jovem. Perguntei ao Michel se ele conhecia o sujeito. De fato, ele o conhecia como Artur Lewitz, dono da cadeia ALL de lojas de eletrodomésticos, muito rico e uma pessoa importante e influente na Congregação. Alguns minutos depois os homens se afastaram. Michel, curioso, quis saber porque eu ficara tão nervoso e o meu interesse. Não lhe contei nada sobre a nossa história. Disse apenas que era uma pessoa conhecida ainda dos tempos da Europa.

Então, minha querida, o assassino de seu pai vive agora aqui mesmo em São Paulo sob outro nome e juntou uma fortuna. Muito ajudado pelos diamantes que roubou de seu pai, enquanto nós, eu, sua mãe e você tivemos tempos muito difíceis. Talvez ela não tivesse ficado doente se a gente tivesse uma vida menos sacrificada nos primeiros anos.

O que você vai fazer com esse conhecimento, eu não sei. Talvez o melhor seja esquecer e tocar a vida. Você é jovem, agora tem uma profissão e terá uma vida melhor.

Laura muito emocionada levantou-se e abraçou Joaquim. Não fez outras perguntas.

Essa criatura criminosa que tanto sofrimento causou tem que receber alguma punição, acrescentou, ao olhar o pai adotivo.

Durante as semanas seguintes Laura investigou Artur Lewitz, aliás Benjamin Stuhlen. Era mesmo um homem muito rico. Tinha se divorciado duas vezes.  Algumas fofocas indicavam casos com várias mulheres bem mais jovens que ele.

Dizia-se que tinha várias residências. O homem era sempre acompanhado de seguranças e tinha poucos amigos. Fazia consideráveis doações à sua Congregação e à Sinagoga em Higienópolis e gozava de grande prestígio. Porém ninguém da comunidade se reconhecia como amigo do sujeito ou frequentava sua casa. Os eventuais amigos ou conhecidos vinham de relações comerciais.

Laura em suas horas de folga dedicava-se a investigar o primo e a pensar como poderia atingi-lo. Era bastante racional. Por maior que fosse a sua vontade de vingar a morte do pai, não queria estragar a própria vida. A segurança que cercava o sujeito dificultava chegar a ele. Tinha que achar um meio de destruir o cara.

Após cerca de dois meses de investigações meio infrutíferas, teve sorte. Uma amiga da faculdade tinha sido contratada na área financeira do conglomerado ALL. Foi dela que ouviu um rumor que circulava nas lojas. Algumas funcionárias eram contratadas por um sistema de seleção especial que visava mulheres bem jovens, muito atraentes e solteiras. Segundo se dizia, as moças, após algumas semanas como vendedoras, eram convidadas para  uma festa de fim de semana em um sítio com todas as despesas pagas. As funcionárias regulares tinham observado que  as moças não reapareciam para trabalhar após participarem nos tais fins de semana. E também nada contavam às ex-colegas se por acaso as encontrassem. Apenas diziam que tinham arrumado um emprego melhor.

Laura indiretamente confirmou alguns dos rumores. Imaginava o que devia estar acontecendo. Era certamente aliciamento das jovens para fins sexuais, mas ela não tinha como provar. Se conseguisse provas, arruinaria a reputação do sujeito. Seria uma vingança perfeita. A única maneira de conseguir provas seria entrar numa dessas festas e conseguir filmar.

Laura se olhou no espelho criticamente. Não tinha nada que chamasse muito a atenção. Seios pequenos demais, corpo bem proporcionado, derrière firme, mas certamente não era  do tipo sexy. Quase não usava maquilagem e os cabelos castanhos compridos usava presos num rabo de cavalo. Tenho que me transformar, suspirou.

Procurou um antigo colega, agora ator de teatro, que lhe indicou uma especialista. Tingiu os cabelos de loiro, aprendeu a se maquilar para realçar os lábios e olhos  e também a usar os saltos altíssimos que odiava. Saias e calças justíssimas e blusas decotadas de modo a expor os seios empinados completavam o visual.

Tio Joaquim estranhou demais quando se deparou com a sobrinha assim produzida. Ela estava vestindo uma capa de chuva pronta para sair, mas o velho senhor se assustou.

Que é isso menina, parece uma vadia! Não vai sair assim.

Laura teve que convencer o tio de que isso era parte do plano para acabar com o primo.

A nova Laura arrastou uma onda de famintos olhares masculinos e várias propostas assanhadas ao caminhar até o escritório central da ALL. Com o coração acelerado, esperou ser chamada  para a entrevista. Três homens atrás de uma escrivaninha a examinaram com olhar lúbrico. Após poucas perguntas sobre estado civil e disponibilidade para trabalhar no fim de semana, Laura estava contratada.

Devia começar no dia seguinte, uma terça feira. E lá estava ela, pontualmente se apresentando à gerente da loja. Esta não a recebeu de modo amigável

Mais uma das selecionadas pelos malandros lá de cima! E pode tirar esses saltos. Não dá para trabalhar assim.

Laura acalmou-a dizendo que já tinha trazido um par extra e que não se preocupasse. Trabalhou normalmente até sexta de manhã. Foi quando apareceu na loja um dos entrevistadores e lhe entregou um envelope fechado.

Laura foi ao banheiro e exultante abriu a mensagem. Lá estava o convite. Deveria aparecer num lugar determinado trazendo roupa de festa e de banho para passar um fim de semana num sítio próximo. Uma van a levaria e traria de volta no domingo à tarde. Seria bem recompensada. Não devia trazer o celular.

Isso seria um problema. Laura tinha pensado em filmar com o celular. Sabia que existiam mini filmadoras bem pequenas – aquelas de espião- mas como conseguir?  Não dava tempo para comprar na internet. Talvez algum colega advogado tivesse uma. Muitos advogados usam para se precaver contra eventuais extorsões ou processos.

Logo depois do almoço alegou estar doente e foi atrás das filmadoras. Finalmente achou um colega disposto a emprestar uma e a ensinar como usar.

Na noite de sexta-feira Laura dormiu pouco. Sábado pontualmente às quatro da tarde embarcou na van. Dentro já estavam três garotas, bem jovens entre 18 e 20 anos, e vestidas de acordo, shortinho ou calça justíssima, blusa decotada e super-maquiladas. Após cerca de uma hora de estrada chegaram ao portão do sítio. Na verdade, uma mansão atrás de muros altos com guarita e câmaras de vigilância. Foi conduzida ao longo de um corredor até uma porta que o funcionário informou ser a suíte azul. Tudo azul. Colcha de cetim azul na cama king size, cortinas azuis e toalhas idem no banheiro. Espelhos dourados na parede e no teto. Luxuoso estilo kitsch-motel, pensou Laura.  Vamos ver o que acontece.

Como instruída, trocou a roupa pelo biquíni, vestiu o roupão macio pendurado no guarda-roupa e desceu a escada estreita que dava acesso ao jardim e à piscina. Seu olhar abarcou o cenário. Seis garotas bem jovens, a maioria de fio dental, estavam nas espreguiçadeiras tomando sol ou conversando. Havia um bar e Laura observou o funcionário com a bandeja trazendo alguma bebida. O seu alvo não estava presente. Tenho que me enturmar com as meninas. Decidiu abordar uma moça loira meio afastada do grupo. Ao se aproximar viu que essa não era assim tão jovem. Devia, como ela, ter cerca de 25 anos. Apresentou-se como Laís e perguntou o nome.

Milena, respondeu. E sorriu. Este é o meu nome aqui. Prazer em conhecer você, Laís. Nós duas estamos meio de tias aqui, não é ? As outras são carne mais jovem.

Laura surpreendeu-se com a moça. Dei sorte. Milena se expressava bem, era razoavelmente culta e, o melhor de tudo, estava lá pela terceira vez.

Será a minha última, informou. Já consegui o que queria, mexendo os dedos para indicar dinheiro. Essa Milena vai desaparecer ...  Eu acho que você também não está aqui como você, se é que me entende...

Laura estava curiosa para saber o que aconteceria à noite e no dia seguinte. Até começar a escurecer não tinha visto o dono da casa. Apenas os empregados circulavam por ali. Milena tinha feito uma breve descrição de como seria a noite e foi tal e qual o que aconteceu.

O Artur apareceu sozinho (Milena contou que às vezes ele trazia um ou dois amigos) e sentou-se no enorme sofá no centro da vasta sala.

Laura via o assassino de seu pai pela primeira vez. O homem aparentava uns cinquenta anos. Estatura média, compacto, musculoso com uma barriga incipiente. Movimentava-se agilmente e gesticulava. O cabelo loiro-arruivado era ralo na fronte, comprido atrás e assentado com gel. Tinha a pele muito branca e avermelhada no rosto como é frequente nas pessoas ruivas. Mas o que chamou a atenção de Laura foram os braços. Incrivelmente peludos, cobertos por pelos ruivos crespos que cobriam até o dorso das mãos. Os mesmos pelos abundantes apareciam na abertura da camisa esporte. Um cordão com medalhão de ouro aparecia sobre a camisa.

A moça teve um arrepio de repulsa com a ideia de ter aquelas mãos peludas de urso passando por sua pele. Ou pior, pensou... Se fosse “escolhida”, como tinha ouvido de Milena. Iria tentar passar desapercebida. O máximo de tempo fora das vistas do sátiro.

Laura examinou a área. Um painel espelhado tomava uma parede inteira e refletia o sofá central da sala.  Nos cantos poltronas estofadas de veludo verde rodeavam mesinhas de pés dourados. O mesmo estilo bordel do quarto. Salvava-se um belíssimo piano de cauda a um canto da sala. Gostaria de ter esse piano, mas custam uma fortuna. Será que alguém toca? Uma parede envidraçada dava para a área iluminada da piscina. Vasos de folhagens gigantes completavam a decoração. As folhagens vêm a calhar como esconderijo.

Um garçom passou oferecendo drinks não alcoólicos. Seu olhar se fixou no sofá do meio da sala. Artur tinha agora duas moças sentadas ao seu lado e todos riam de alguma piada. Ouviu o homem ordenar  às outras moças próximas para desfilarem devagar à sua frente enquanto ele acariciava as duas coladas a ele. Despachou essas e chamou outras, levantou-se para dançar agarrado às duas ao som da música ambiente. Ria e pedia às duas para mostrarem os seios.

Laura morrendo de medo filmava o que podia meio oculta pelas folhagens. Rezava para não ser percebida. Foi ao banheiro algumas vezes e enveredou pelo corredor que dava acesso ao jardim. Porém deu de cara com um dos capangas que, com um riso malicioso, a escoltou de volta para ir “trabalhar”.

Para sorte de Laura quatro das mulheres se revezavam em volta do nojento. Milena tinha contado que as escolhidas para subir com ele ao quarto recebiam um bom dinheiro a mais. Ficou disfarçando entre o buffet servido, o banheiro  e se escondendo entre as plantas por umas duas horas. Quando saiu pela quinta vez do banheiro olhou  para o centro da sala e o desgraçado tinha sumido, junto com as quatro moças. Laura subiu rapidamente as escadas até seu quarto e passou a chave. Milena tinha dito que aconteciam visitas aos quartos durante a noite. Laura não conseguia adormecer com medo de ouvir baterem na porta. Mas nada aconteceu. Ela não tinha despertado atenção especial. Porém, ainda teria que escapar das situações da piscina na manhã seguinte.

Segundo Milena, nas manhãs de domingo Artur só aparecia na piscina lá pelas onze e nadava totalmente nu chamando as convidadas para a água. Depois sumia de novo com alguma moça. Por volta das três da tarde as moças eram chamadas para serem trazidas de volta à cidade.

Na manhã de domingo, ao acordar, Laura ouviu a chuva batendo na vidraça. Eram ainda seis horas. Não conseguiu mais dormir, nervosa andava pelo quarto imaginando planos para escapar de algum assédio do nojento. Chovia  e, portanto, a parte da piscina seria cancelada. Mas, na certa, iam substituir por alguma pegação no salão maior. Tomou banho e se vestiu com a calça jeans e blusa inocente que usara na viagem. O café seria servido a partir das oito no salão.

Só encontrou Milena que lhe deu bom dia: Olá, pelo visto, você não foi uma das escolhidas. Aliás percebi que você sumiu várias vezes durante a festa ontem. Não está precisando de dinheiro? Ou aconteceu algo? Eu também não estava a fim de aguentar o cara. Como te falei, a grana básica desta vez já me resolve a vida e depois desapareço.

Laura disfarçou e inventou que estava mal da barriga e tinha vomitado. Perguntou sobre como seria a manhã já que estava chovendo. A outra moça não sabia porque o Artur em geral só aparecia mais tarde. Laura a custo engoliu uma torrada e um café com leite. Não tinha vontade de ficar conversando e inventando histórias para a garota e subiu logo ao quarto. Lá pelas nove tocou o telefone. Laura, sentindo um aperto no estômago, atendeu. Um empregado comunicava que não haveria mais atividade, o patrão tinha que voltar mais cedo  e todas as moças deveriam se arrumar para sair em uma hora. Que alívio!  Deitou-se na cama e relaxou pela primeira vez nos últimos dois dias. Tinha material suficiente filmado do dia anterior para acabar com a vida do cara.

Onze e meia da manhã Laura, após receber um envelope fechado, foi deixada na frente do shopping Paulista como combinado. Felizmente durante o trajeto as outras moças ficaram caladas, algumas cochilaram e ela não precisou conversar.

Ao chegar no apartamento tio Joaquim a esperava ansioso e desconfiado.

Você está com um aspecto horrível, com olheiras e esse cabelo tingido de loiro e essa pintura. Por onde andou?

Laura resolveu se abrir com o tio e disse-lhe que mais tarde contaria o plano e o que tinha conseguido para expor o primo criminoso. Tinha pensado bastante durante a viagem. Originalmente queria fazer tudo sozinha sem envolver o tio. Porém o tio e aquele amigo dele, Michel, tinham como chegar ao rabino da Congregação e mostrar o filme. Ela teria muita dificuldade de explicar tudo e que acreditassem nela. Mas estava tudo ali, filmado e documentado.

Laura passou as imagens para o computador. Tio Joaquim ficou rodeando a moça com olhares desconfiados enquanto ela preparava  o lanche da noite.

Calma tio, vou contar tudo após o jantar e você tem um papel importante no meu plano.

E de novo, como há mais de dois meses estavam os dois sentados à mesa escura de mogno da sala. Porém, desta vez era Laura que tinha o que contar.

O tio boquiaberto ouviu todo o relato, e murmurou que era uma loucura ter ido até o sítio do farbrekher (criminoso em ídiche) Benjamin. Ao final perguntou qual seria sua participação, que ela tinha aludido. A moça explicou que contava com a ajuda dele e do amigo Michel para divulgar as atividades do tarado. O tio relutou um pouco em chamar o amigo, mas ao assistir às cenas filmadas mudou de ideia.

Já no dia seguinte, Michel apareceu à noite no apartamento. Escutou toda a história e ficou ainda mais estarrecido ao ver as cenas. Era da opinião de que não bastava levar o filme ao conhecimento do rabino e eventualmente da congregação. Era preciso que se divulgasse na mídia. Ele próprio se encarregaria disso, tinha sido jornalista e ainda conhecia gente nas redações dos jornais.

Daí para frente, tudo se desenrolou rapidamente. Uma semana depois começaram a aparecer as notícias nos noticiários das TVs e nos jornais.

Laura, o tio Joaquim e Michel viam e liam as manchetes: “Empresário do ramo de lojas de eletrodomésticos aliciava jovens para festas em sítio”; “Funcionárias eram contratadas para proporcionar prazer ao rico empresário em festas íntimas”; “A polícia investiga aliciamento de moças menores de idade”. Fotos do prédio onde o criminoso morava e do sítio em Embu onde aconteciam as festas de fim de semana eram mostradas com as notícias.

O sujeito estava acabado. Na semana seguinte, Michel informou que ele tinha desaparecido do bairro e provavelmente de São Paulo.

O sucesso foi comemorado com um jantar. Tio Joaquim até comprou champanhe, era uma ocasião muito especial, e junto com Michel brindaram à coragem de Laura, agora de volta à sua identidade original. Jovem advogada, cabelos e olhos castanhos, amável e discreta no vestir e nas maneiras.

Laura abraçou os dois velhos: Valeu! Acabou! Foi uma vingança e tanto!

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