ROMANCE AZUL - Sérgio Dalla Vecchia



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ROMANCE AZUL
Sérgio Dalla Vecchia



Dentro de um oco, no alto de um Manduvi, sobre uma cama confortável de cascas de árvores moles, preparada por um casal de araras azuis, repousavam dois pequenos ovos. A alta temperatura no Pantanal Mato-grossense auxiliava à dedicada fêmea chocar os  únicos ovos.

Assim, após vinte e oito dias, conseguindo milagrosamente escapar dos bicos famintos e pontiagudos das gralhas e dos tucanos, finalmente eclodiram. Foram recebidos por uma barulhenta algazarra dos pais, participando efusivamente o feito, para os quatro cantos do pantanal.

Foram mais quarenta e cinco dias de cuidados, alimentados e defendidos  pelo dedicado pai contra predadores oportunistas. O cardápio era variado, suco regurgitado de castanhas de acuri, hora de bocaiuva.

Bem tratados, após noventa dias, com a plumagem completa estavam aptos para alçar voo.

Para tristeza, ocorreu num piscar de olhos, que a gulosa natureza devorou a tenra carne do seu irmão, logo no seu primeiro voo, através do bico cortante de um carcará.  

Céu foi o sobrevivente, nome escolhido por uma coruja. Com fraca visão, não conseguia distinguir o azul do céu e o azul das plumas viçosas da jovem arara. Apenas sentia pelo ar, com orelhas de rapina, vibrações azuis, enquanto Céu gozava o seu primeiro voo.

Daí em diante, absorvia com atenção as aulas diárias repetindo todos os movimentos dos pais, na luta pela sobrevivência. Sons, decolagens, aterrissagens, lutas, manobras radicais para pouso de emergência e tantas outras façanhas.

Aprendeu a segurar com um pé o coco da Bocaiuva e lá no alto do coqueiro, lascava o alimento e o ingeria ali mesmo, tendo a natureza como convidada.

O mesmo não acontecia com os coquinhos do Acuri, era só esperar os animais ruminarem a polpa e depois soltarem os coquinhos descascados. Tinha apenas que catá-los do chão, abri-los com o possante bico e saborear a rica amêndoa.
Aos sete anos, Céu já era um adulto e o instinto de procriar insinuou-se pelo seu jovem corpo. Independente já se tornara, então partiu destemidamente na busca de sua alma gêmea emitindo vez  em quando seu grito de guerra: Arara, Arara !

Batendo asas passou por inúmeros alagados, observou jacarés, onças, capivaras, antas e tantos outros animais da fauna Brasileira.

Desviava de bandos dos enormes tuiuiús, fugia do homem, conhecia  a maldade dos caçadores. Observava lá de cima a toada de uma grande comitiva de bois, tangenciada por vários peões na cadência puxada pelo som gutural do berrante.
Quando passava sobre a sede de uma fazenda, sentiu algo inusitado. O coração acelerou, diminuiu o bater de asas e plainou quando ouviu um som familiar, vindo de uma mangueira no pomar da fazenda. Arara,  arara! Intrigado, com receio, mas muito interessado, deu meia volta e fez um rasante rápido próximo à mangueira, foi quando ouviu mais uma vez o som da sua espécie. Aconteceu que esse som era mais suave que o dele, porem sem deixar se ser estridente. Entendeu que era um grito de socorro.

Subiu mais um pouco e com os olhos aguçados, conseguiu identificar a mangueira. Num impulso, mais um rasante e dessa vez viu claramente ela! Só, correndo num galho desesperada de um lado para outro! Pegou mais altitude  para entender melhor porque ela não saia voando, já que estava em desespero.

Mais outro rasante, agora convicto para observar melhor. Foi quando constatou que ela estava presa em uma perna por uma corrente.

Indignado, lembrou dos ensinamento dos pais para ter cuidado com os homens, não eram confiáveis.

—E agora, como poderei ajudá-la? - Pensou Céu.

Do alto de uma palmeira próxima, traçou um plano de abordagem  durante a noite, sem ser notado pelo guarda da sede.

Assim fez. Logo que o sol se recolheu, aproveitou a barulheira das galinhas empoleirando na mangueira e voou suavemente até que pousou ao lado dela.
Arara ! Arara ! Destrambelhou a gritar a prisioneira com todos os pulmões. O suficiente para Céu abortar na hora, fugindo como um raio.

Passou a noite no mesmo coqueiro observando todos os movimentos da gritona. No dia seguinte percebeu que lá da mangueira ela o havia notado, e com um olhar meigo, não gritou. Esperou chegar a noite e repetiu o plano. Pousou delicadamente ao lado dela. Desta vez foi bem recebido, olhares se cruzaram e ela sem graça mostrou o pesinho com o arame que a prendia. Com olhar de súplica, aguardou a ação do seu salvador.

Céu no mesmo instante bicou o arame e foi distorcendo como  um alicate. Ela tremia de medo e virava o pescoço para não ver a operação.

Estava quase terminando, quando do nada surgiu um galo que estava empoleirado num galho próximo e atirou-se sobre Céu com bicadas e esporadas. O galo tentava defender seu território com bravura. Os dois foram ao chão engalfinhados até que Céu aplicou uma violenta bicada na asa do seu agressor que o deixou sem condições de lutar. Voou desesperado de volta ao galho e rapidamente conseguiu desatar a prisioneira.

Com o movimento, o vigia surgiu e disparou tiros no que entendia ser uma ameaça na arvore. Poderia ser uma onça, uma raposa ou outro bicho qualquer.
Mas como uma flecha, o herói Céu levou consigo para o alto do coqueiro, a sua primeira e única namorada.

Assim, lá do alto a paz reinava entre o casal. Juntinhos com as penas estufadas, um acariciava a cabeça do outro entre as penas azuis. A Lua cheia os iluminou.
Naquele momento uma coruja numa árvore próxima sentiu a energia positiva e feliz batizou a noiva com o nome de Lua.

O casal Céu e Lua nunca se separou e tiveram inúmeros filhotes espalhados pelo pantanal afora.


Um comentário:

  1. Que bonito, Sergio. Sua imaginação voou longe, como Céu. Abraços

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