A descoberta - Ledice Pereira



Bitcoin e altcoins: a nave que sempre volta para buscar novos ...


A descoberta
Ledice Pereira




Aquelas férias prometiam ser inesquecíveis. Alugamos a casa dos sonhos, indicada por amigos, no meio do mato, onde teríamos sossego, ouviríamos o piar dos pássaros, apanharíamos frutas daquela quantidade de árvores que cercavam a casa e ainda poderíamos nos banhar no rio que a circundava. A casa perfeita no cenário mais do que perfeito.

Elvira, a caseira estava encarregada de fazer a comida e os quitutes prometiam ser dos deuses.

No primeiro dia, depois de fazer o reconhecimento do terreno, caímos na piscina, não sem antes experimentar os deliciosos drinques feitos pelo caseiro, Valmir.

Após nos deliciarmos com um almoço incrível, servido às 15 horas, nos espalhamos pelos diversos cômodos, uns dormindo, outros lendo, as crianças montando os quebra-cabeças que trouxemos especialmente para elas, os jovens, com seus microfones, ouvindo suas músicas prediletas ou vendo séries de filmes em seus celulares.

A casa era grande e permitia que cada um fizesse o que preferisse.

Elvira veio nos servir o cafezinho feito na hora com pequeninos biscoitos amanteigados.

Eu mal podia acreditar que finalmente iria descansar da labuta diária. Ultimamente, o trabalho vinha sendo intenso e eu estava muito estressada.

Éramos dezesseis pessoas ao todo. Meus irmãos com as respectivas famílias e nós quatro. A irmã de Flávio viria no outro final de semana para passar o natal. Aí seríamos vinte pessoas.

A semana passou rapidamente. Estávamos adorando tudo. O silêncio, o sol, as brincadeiras, os banquetes servidos por Elvira, os lanches que improvisamos, as pizzas feitas pelos meus irmãos. Enfim, tudo estava perfeito.

Quando Clovis e Jane chegaram completaram nossa alegria. Trouxeram lembranças para as crianças que ficaram eufóricas.

Naquela noite, fizemos esfihas de vários sabores e bebemos vinho trazido por Clovis. Ficamos até tarde, conversando na varanda. Um a um, fomos nos dirigindo aos nossos cômodos, combinando de acordar cedo para fazermos uma caminhada. Na madrugada, fomos despertados por um ronco de motor estranho o que nos levou a ir verificar do que se tratava.  

Eu me beliscava para ver se não estava tendo um pesadelo. Aquilo não poderia estar acontecendo comigo. Eu, que sempre havia duvidado da existência de discos voadores, naves espaciais, ataques marcianos ou que tais, tinha diante de mim um enorme disco, cujas luzes piscavam sem parar, estacionado no meio do mato que rodeava a casa.

A princípio, ficamos estáticos, fazendo conjecturas, com medo do que aquela suposta nave poderia esconder.

Lentamente, fomos deixando a casa, nos aproximando daquele OVNI, que soltava ruídos desconexos e desconhecidos.

Os jovens fotografavam excitados. Nós, mais prudentes, tentávamos protegê-los e às crianças, que se aninhavam em nossos colos. Andávamos pé ante pé e, apesar de todos os cuidados, de repente, fomos arrebatados para dentro da nave, sem que pudéssemos resistir.

Uma nuvem de fumaça encobria os seres estranhos que observavam nosso grupo, num misto de curiosidade, medo e fúria. Eram todos iguais. Podíamos ver que tinham uma espécie de olho na altura do estômago. Não tinham nem pé nem cabeça. Eram revestidos por uma pele grossa e enrugada e soltavam uns sons ora agudos, ora graves, absolutamente ensurdecedores. Tinham uma espécie de armadura verde num tom um  pouco mais escuro do que seu tom de pele. Estávamos em pânico.

Pareciam comunicar-se entre si através dos tais sons, cuja potência deveria atingir uns 120 decibéis.

Um deles parecia querer estabelecer contato. Parecia ser menos agressivo do que os demais. O olhar, eu me arriscaria a dizer, era mais terno. Tentou aproximar-se. Tocou na minha mão com sua mão áspera o que me causou certo arrepio. Talvez quisesse transmitir tranquilidade.

Aos poucos, percebemos que a nave estava se movimentando. No início, bem devagarinho, até que rodopiou várias vezes, dando finalmente uma arrancada que nos fez cair uns sobre os outros, provocando o que devia ser uma espécie de risada frenética naqueles seres, um verdadeiro horror! Apavorados, nos perguntávamos aonde aquilo nos levaria. Se voltaríamos. Por nossas cabeças passavam inúmeras perguntas sem resposta. Estávamos totalmente à mercê daquelas criaturas.

Aos nossos questionamentos, pareciam divertir-se, soltando ruídos cada vez mais desconexos.

O Etezinho, apelido que demos àquele estranho ser mais cordato, tentava comunicar-se. Ofereceu até algumas espécies de luzes, dispostas no que seria uma bandeja redonda, grossa, com cores cintilantes e piscantes.

Agradecíamos,  com gestos e  reverências, pois tínhamos medo de nos queimar.

Ele pareceu decepcionado. Aquele único olho soltou o que imaginei ser uma lágrima que, ao cair, logo congelou.

Os três longos dedos tentavam alcançar-me. Eu disfarçava, querendo me afastar. Ainda podia sentir aquela sensação nada agradável do toque inicial arrepiante. Entretanto, resolvemos aceitar. Aquilo dava a impressão de nos manter alimentados.

Nossos relógios marcavam nove horas e quarenta minutos. Tínhamos sido arrebatados às três e meia da madrugada. Entretanto, a sensação era de que havia passado apenas alguns minutos. Muito estranho.

Não conseguíamos pregar o olho. As crianças continuavam adormecidas em nossos colos. Os jovens demonstravam certa excitação ao mesmo tempo que exibiam desconforto, o que os levava a aproximar-se de nós, sentindo-se mais protegidos. Meus irmãos trocavam ideia entre si sobre como estabelecer algum contato com nossos sequestradores. Clovis e Flavio queriam proteger-nos. Eu procurava não demonstrar pavor, para transmitir alguma segurança aos filhos e sobrinhos. Intimamente, rezava para todos os santos, pedindo ajuda e proteção.

A partir de um momento, os  seres foram apagando suas luzes, caindo uns sobre os outros, ficando inertes.

Apenas o provável piloto (se é que se podia chamar assim), com cara de poucos amigos (cara?), permanecia atento ao trajeto. Etezinho fazia-lhe companhia, emitindo sons agudos demais, seguidos de grunhidos graves. Dava-nos a impressão de que estavam batendo um papo animado.

Fomos obrigados a nos acomodar como podíamos pois não havia nenhuma perspectiva de retorno. A nave, o disco, ou o que quer que fosse aquele veículo, continuava a subir em círculos e por uma pequena fresta podíamos ver as estrelas brilhando lá embaixo. Acho que até enxerguei um grande círculo azul que imaginei ser a terra, mas foi tão rápido que não deu para eu me certificar.

Para onde estaríamos indo, nos perguntávamos baixinho, temendo irritar nosso amável condutor.

O medo, a incerteza, o desconforto e a dificuldade para respirar acabaram por nos levar a um sono profundo , ou seria um desmaio...
Ao acordar, pensei que despertaria de um pesadelo, mas não. Estávamos rodeados por aqueles estranhos seres que nos observavam atentamente como se os ETS fôssemos nós.

Estranhamente, não sentíamos fome. Parecíamos alimentados da luz, que Etezinho continuava a nos oferecer constantemente.

Cheguei a comparar com a nossa água, sem o quê, não viveríamos. Talvez a luz deles fosse tão essencial quanto o nosso líquido precioso.

Em certo momento, nosso passeio parecia ter chegado a um fim. Veículo estacionado, notamos que toda a lateral se movimentava como se fosse içada e franzida. Eu arregalei os olhos. Minutos antes, aquelas paredes pareciam intransponíveis. E agora, assemelhavam-se a folhas de papel. Incrível!

Pelos gestos, concluímos que estávamos sendo convidados a sair. Ao alcançarmos a parte externa, não conseguíamos dominar nossos passos. Sentíamo-nos leves, flutuávamos, não tocávamos aquele  solo árido. Onde estaríamos, perguntávamo-nos entre nós, num outro planeta, na lua, na via láctea? Havia um trânsito de pisca-pisca que ofuscava nossos olhos, despreparados para tanta luminosidade.

Uma mistura de medo e curiosidade tomou conta de nós. Eu tentava um contato com Etezinho, que parece ter sido proibido de relacionar-se conosco. De repente, ficara arisco, olhava-nos com o rabo dos olhos, parecia querer dizer-nos algo, mas sempre havia um deles a espioná-lo e repreendê-lo. Tivemos que nos entregar à nossa própria sorte.

Estávamos impacientes. A brincadeira havia ido longe demais. Eu tinha medo de que nos deixassem naquele solo árido de tom terroso, cheio de depressões. Os indivíduos pareciam estar tranquilos no seu habitat. Não flutuavam. Andavam lentamente, de um lado para o outro, formando grupinhos aqui e ali.
O ar era rarefeito. Começávamos a sentir dificuldade para respirar. Sentíamo-nos absolutamente desconfortáveis.

Nossos homens resolveram confrontá-los. Através de gestos, pediram explicações. Demonstraram não estar gostando da situação. Precisavam saber onde estávamos, quando voltaríamos e o que queriam de nós.

Estavam tão sérios e demonstravam total aborrecimento, curiosidade e perplexidade que um deles tentou comunicar-se, emitindo alguns sons exóticos, que mais pareciam uma música chinesa ou árabe. Fizeram até uma demonstração em conjunto que mais parecia um ballet coreografado.

Aquilo funcionou como num passe de mágica. Por alguma razão inexplicável, nos tranquilizamos como por encanto. Não sei se a delicadeza da tal melodia, não sei se a tentativa de uma explicação, ou a presença constante de Etezinho, que procurava nos transmitir segurança, calma, serenidade, apesar da proibição imposta. Só sei que tivemos a certeza de que voltaríamos sãos e salvos daquela viagem interplanetária.

Nunca saberemos dizer quantas horas durou aquela aventura, ou desventura. Nossos relógios acabaram por parar no tempo. Nunca saberemos com quem estivemos, por que fomos escolhidos e nem para onde fomos transportados.

Só sabemos que nos trouxeram de volta. Da mesma forma que nos arrebataram, nos retornaram. Sem nenhuma explicação, sem despedidas, sem comunicação, sem desculpas. Apenas Etezinho, com aquele seu único olho arregalado e lacrimejante, demonstrava uma espécie de emoção.

Elvira e Valmir tinham uma expressão enigmática. Não nos fizeram nenhuma pergunta. Aquilo nos fez pensar que não era a primeira vez que aquela nave atracava por ali.

Deixei para mais tarde apertar o casal para que nos dessem alguma explicação. Naquele momento, só desejava um bom banho, uma comida quente e uma cama macia cheia de cobertas cheirosas.

Na manhã seguinte, logo cedo, fui atrás da caseira. Ela e o marido deviam ter alguma explicação para o ocorrido.

Eles discutiam. Ele tentava convencê-la de que deviam guardar segredo.   Ela chorava, e eu pude ouvi-la dizer que tinha o dever de revelar.

Não me contive. Empurrei a porta e fui logo perguntando:

─ O que você tem o dever de revelar, Elvira. Vá falando logo. Estou aqui para ouvir.

Ela debulhou-se em prantos e começou a falar sem parar. Valmir ainda tentou, em vão, impedi-la. Aquele segredo devia estar sufocando-a.

Contou que, desde que conseguiram aquele emprego, mantiveram contato apenas com um intermediário dos proprietários, que jamais apareceram por ali.  Imediatamente, foram contatados e ameaçados de morte por extraterrestres, que se faziam representar pelo tal intermediário, um homem estranho no olhar, no falar e no vestir.

Se quisessem garantir o emprego, teriam que manter segredo.

Os estranhos seres sentiam-se proprietários daquelas terras e desejavam fazer dali seu ponto de partida e de chegada na terra. Para isso, costumavam assustar as famílias que ali se hospedavam que, após serem abduzidas, cancelavam a estadia, invariavelmente.

Essa revelação deixou-me extremamente irritada e desconfiada. Contei aos outros e resolvemos que não iríamos embora dali antes do combinado.

Flavio e meus irmãos acharam a história muito fantástica e resolveram investigar. A princípio, por conta própria, mas depois acharam que o caso requeria gente especializada. Contataram um delegado amigo que se interessou pelo assunto.

Rastreando a conta bancária do intermediário, o delegado chegou a  uma bela soma. Pesquisando aqui e ali, descobriu que  os velhos proprietários, ambos com idade avançada e com problemas mentais há anos encontravam-se numa casa de repouso.

 Coincidentemente, a casa de repouso pertencia ao tal homem que, em troca pelos cuidados prestados na casa de repouso, além das aposentadorias de cada um, alugava o imóvel a eles pertencente. A tal nave dita espacial, nada mais era do que uma construção fajuta maquiavelicamente projetada por ele, que a escondia no meio do mato ao redor da casa para no meio da noite trazer para perto, ligar as luzes, e aquele motor infernal que davam a nítida ideia de um disco voador.

Os homens verdes nada mais eram do que contratados para fingirem ser verdadeiros ETS.O tal lugar onde achamos que descemos era um cenário bem feito que bem representava um outro planeta.

Com isso, as pessoas abandonavam a casa antes de vencer o prazo combinado e o dinheiro pago, conforme item do contrato, não era devolvido.

O intermediário foi desmascarado. Seu nome revelado em todas as páginas dos jornais locais.

Os velhos, foram encaminhados para um local idôneo, escolhido pelas assistentes sociais da prefeitura.

Resolvemos empregar Elvira e Valmir nas nossas casas.

Ainda bem que não havíamos revelado nossa experiência a ninguém. De certa forma, valeu pelo que aprendemos sobre OVNIS e ETS. Acho que nunca mais seremos enganados por seres estranhos. Serviu para ficarmos espertos. 

Sabe, ficou uma frustração. Cá entre nós, bem que eu gostaria de ter andado numa nave espacial de verdade.



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