AMOR VOLANTE - Oswaldo U. Lopes




AMOR VOLANTE
Oswaldo U. Lopes


        - Porra! Espero que esse negócio funcione.

        Foi o que Ricardo murmurou antes de saltar da porta do avião. Não conheço raça mais supersticiosa do que paraquedista!

        A fala era uma espécie de mantra, ele a repetia, murmurando toda vez que saltava. E, olha, já fizera mais de 500 saltos. Ah! E não valia pensar, tinha que murmurar, falando mesmo, de modo que pudesse ouvir.

        Não lembrava muito como esse negócio de paraquedismo tinha começado, sabia que adorava. Não passava sábado ou domingo, ou ainda ambos, sem que fosse a Boituva para o salto. Já experimentara asa delta, embora tivesse achado interessante, para ele não tinha a emoção do paraquedas.

        Fazia muito que a modalidade superara o famoso paraquedas branco e enorme que fizera furor na Segunda Guerra Mundial e nos filmes sobre o assunto. O atual era relativamente pequeno, colorido e dirigível. É dirigível! Já participara de inúmeras provas cujo objetivo era aterrissar em um pequeno alvo riscado no chão.

        Se não lembrava como começara no esporte, lembrava muito bem de como conhecera Valéria a sua namorada recente, ela também uma paraquedista de renome. O inicio foi na base da brincadeira. Qual é a seu mantra na hora de saltar. Tempos modernos, recitou a dele:

- Porra! Espero que esse negócio funcione.

        A dela era mais suave, como convém a uma moça, mesmo em tempos de igualdade de gêneros:

- Tomara que não dê besteira.

        Ele explicou que tinha cogitado outra, mas os colegas haviam advertido que não era legal colocar Deus na fala. E qual era essa alternativa? Perguntou ela.

- Foda-se! Seja o que Deus quiser.

        Riram muito e saltaram, por coincidência de aviões separados. Normalmente iam oito em cada  aeronave, e embora decolassem juntos, saltavam com vinte minutos de espera. Os que iam no segundo avião podiam ver os da primeira turma, como que voando, com os paraquedas abertos. Havia recomendações rígidas de modo que eventuais colisões e embaralhamento não aconteciam.

        Formavam um casal simpático e divertido. O paraquedas dele era laranja, o dela azul intenso, tucanos de fina plumagem, brincavam. Ele engenheiro elétrico, especialista em computação, manuseio e construção de computadores, ela médica cardiologista, especializara-se em cardiopatias infantis, sobretudo as congênitas. Perguntavam o que viria dessa linda união: um computador capaz de fazer diagnósticos rápidos e certeiros, como um salto de paraquedas?

        Era um lindo sábado de maio, sol maravilhoso, céu de brigadeiro. Subiram nos aviões e partiram para o salto, ela deveria saltar primeiro, ele no avião de trás, um pouco depois.

        Tudo certo, altura certa, momento certo, os do primeiro avião jogaram-se no espaço e as cores de seus paraquedas foram brotando pelo céu. Verde, amarelo, vermelho e branco, vermelho, cadê o azul,  pensou Ricardo. E nada do azul. Começou então a recitar os mantras, agora em voz alta:

- Porra! Espero que esse negócio funcione. Nem que seja pelo amor de Deus.

- Tomara que não dê besteira.  Besteira é eu ficar sem você, não me apronta essa.

- Foda-se! Seja o que Deus quiser. Repetiu até o mantra proibido. Uma ova, se Ele quer isso então que se foda. A aflição era tanta que até blasfêmia valia.

        De repente, lá no fundo, já perto do solo, pelo menos assim parecia, um  azul intenso se apresentou. Ricardo sentiu as pernas meio bambas, mas seguiu em frente e saltou, pintando o céu de laranja.

        Moral da história. Se Ele existe não liga para blasfêmias de apaixonados; até certo ponto gosta de uns apertos no coração, vale para reforço da fé. O mar não ta pra peixe, pois então não vale a pena perder um casal tão lindo e tão apaixonado.

       

2 comentários:

  1. Uffa! Fiquei com o coração na mão...

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  2. O final feliz é minha homenagem as queridas amigas do escreviver. Um beijo a todas

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