Vizinha bipolar
Encontros e Desencontros
José
Vicente J. Camargo
Têm
vezes que me arrependo e xingo o momento que tomei determinada decisão. Foi
assim que me senti ao aceitar o convite e ir – poderia ter dado uma desculpa
− à
festa de apresentação da nova família que se mudou para o quarteirão de casa. Eu,
que aprecio música clássica, quase estouro os tímpanos quando chego e ouço
aquela aberração de música metálica muito além dos decibéis suportáveis para
qualquer mortal civilizado. Fora isso, me deparo com uma galera totalmente estranha
ao meu convívio social. Num passar de olhos atino que a família deve ter filhos
adolescentes, já que o cenário é mais para uma discoteca funk do que para uma
festa familiar.
“Isso não é para mim!”, penso e já me
preparo para sair de fininho, quando sinto um aperto no ombro, viro e dou de
cara com a dona da casa que dias antes me entregou o convite, me fazendo
prometer não faltar. Sua imagem, bem diferente da daquele dia: séria, bem vestida, pouca maquiagem, me deixa
surpreso e com um ponto de interrogação: “será
a mesma ou alguma alma gêmea ninfomaníaca?”, pois sua imagem me faz
instantaneamente recordar a da Marilyn Monroe de vestido longo brilhante colado
ao corpo expondo suas formas imbatíveis de Vênus sussurrando o “parabéns a você”
ao presidente Kennedy com uma taça de
champagne borbulhante na mão, e muitas outras mais na cabeça, contorcendo-se sensualmente com os lábios
comprimidos na forma de beijinho. Me
encara e diz enrolando a língua:
— Não
creio que você seja fã de funk! Como gosto de estar rodeada de gente jovem, que
me eleva o espírito, convidei a turma da academia de ginástica que adora se alongar
e brincar de bambolê para dar uma atmosfera mais sadia ao ambiente. Vamos à
outra sala nos juntar ao pessoal mais maduro, experiente, que sabe degustar uma
boa bebida e apreciar os canapés que preparei. E seguiu trocando, com um garçom perfilado, seu copo
de Whisky por outro cheio e me servindo um duplo.
Entro no segundo
salão e ouço aliviado um jazz pausado combinando com os convivas presentes, que
conversam e riem em tom ameno que me aguça a vontade de compartilhar. Não vendo
nem sendo apresentado a nenhuma alma gêmea e ouvindo dela que não é casada, nem
tem filhos, concluo em seguida:
“Minha vizinha é bipolar! Primeiro, seu modo
de vestir, e agora, na sua festa, dois mundos completamente diferentes sob um
mesmo teto. Só falta agora, ela sugerir para o polo jovem, que inicie o baile
do cabide e, para o polo maduro, um jogo de bingo! E nessa, onde fico? Vou dizer
a ela que estou curioso para conhecer a casa. Quem sabe ela não tem um polo
neutro e me leva para algum cômodo onde possamos estar sozinhos? De qualquer
maneira, retiro minha opinião sobre a festa não ser para mim, pois, após cada novidade,
gosto mais...
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