Acontece nas melhores famílias - Fernando Braga



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Acontece nas melhores famílias
Fernando Braga


Eu, médico, casado com Helena, somos 5, considerando meus três filhos adolescentes de 15, 13 e 12 anos. Ela é psicóloga, natural de uma cidade do interior do Estado. Perdeu o pai há alguns anos e a mãe continuou vivendo com a irmã, na mesma casa. O pai lhes deixou bens suficientes. O seu único irmão, José Ricardo, formado em medicina, com residência médica em pediatria, fora completar seus estudos na Universidade de São Francisco.

Durante seu estágio, Ricardo frequentemente se comunicava conosco, falando de seu entusiasmo e progresso dentro da especialidade. Morava em alojamento, com um grupo de colegas. Soube eu, de detalhes ocorridos neste período, que fortemente contribuíram para uma virada drástica em sua vida.

A principal delas foi que um dia seu preceptor, mais velho, convidou-o para um jantar em sua casa. Recebido amavelmente pelo mestre, foi conduzido à sala de visita, esperando que outros convidados chegassem em breve.

Após duas ou três doses de Whisky, recebeu um convite que nunca esperava, cheirar um pouco de cocaína. Estranhou muito, mas na hora, muito animado com a bebida, não recusou, experimentando a droga pela primeira vez.

Maliciosamente, o jantar havia sido preparado apenas para os dois. Após a sobremesa, o chefe o convidou para conhecer o apartamento, conduzindo-o no final, à seu aposento. La chegando, vendo um ambiente favorável, o chefe se declarou homossexual. Novamente cheiraram o pó branco.  Com a cabeça zonza pela bebida e pela droga, quando percebeu, estava sujeitando-se aos desejos do chefe. Acabou dormindo no apartamento.

Nos dias posteriores procurou evitá-lo e mesmo a seus colegas, preocupado que outros soubessem do que ocorrera.

Tudo passando desapercebido, o mesmo episódio repetiu-se outras vezes.

Percebeu que naquela grande cidade, era imenso o número de homossexuais e lésbicas e, ficou conhecendo a famosa Rua Castro, onde os gays se encontravam em bares, boates, onde também rolavam bebidas alcoólicas e drogas.

Frágil, acabou tudo aceitando, tornando-se um viciado.

Quando terminou o estágio, voltou para São Paulo, para aqui trabalhar e viver.
Quando chegou, ficou 20 dias morando conosco, até que alugasse um pequeno apto e arrumasse um emprego, o que foi fácil, com o curriculum que tinha. Neste período, nada notávamos errado em sua conversa, conduta, maneira de ser, mas costumava sair às noites e voltar tarde. O mesmo, quando ocasionalmente vinha nos visitar, almoçar alguns domingos. Gostava do apartamento que alugara, de seu trabalho em dois ou três hospitais e parecia feliz.

No entanto, tempos após, recebemos comunicação de que Ricardo estava preso em uma delegacia de bairro. Para lá me dirigi e qual não foi minha surpresa quando soube, que havia sido preso como um traficante de droga!

Nesta ocasião, confessou-me ele, que havia se viciado nos EEUU e que havia comprado uma quantia maior de coca para uso próprio e para dois outros amigos.

Arranjamos um advogado para defendê-lo, que com um habeas corpus retirou-o da prisão, mas tendo que responder a processo futuro.

Após seis meses, foi julgado por um juiz muito severo, que tinha perdido um filho por overdose e odiava absurdamente traficantes. Apesar de ser réu primário, médico, acabou por condená-lo a quatro anos e meio de prisão em regime semiaberto, tendo que pernoitar todos as noites na prisão. O advogado apelou.

Uma vez preso, sua vida desandou. Percebemos que ele havia se tornado outra pessoa, não só física, como mentalmente. Mais magro, havia adquirido trejeitos, como os homossexuais. 

Após cumprir 1/6 da pena ficou livre. Voltou a trabalhar como pediatra e a morar sozinho novamente. Reconhecendo a maldade da justiça, procuramos nos aproximar dele, mas tornou-se esquivo, introvertido, aparecendo apenas em datas especiais como no Natal. Pouco ia ao interior visitar a mãe e irmã. Ia mais em busca de dinheiro.

Certa ocasião, veio nos visitar, trazendo dois “amigos”, que eram descaradamente verdadeiras bichas, com trejeitos, maneira feminina de se expressar, com gritinhos e risadinhas descabidas, o que nos deixou perplexos. E o pior, com meus três filhos presentes.

Quando Ricardo dirigiu-se ao WC, o acompanhei, fechei a porta e incisivamente disse a ele que sumisse logo, com os seus amiguinhos e que nunca mais voltasse em minha casa, com aquelas “duas”. Uma vergonha total, disse a ele e principalmente, na frente de meus filhos adolescentes.

Logo se despediram, ele saiu às pressas, quase sem falar e por meses, ficou sem dar notícias.  Pesa em nossa consciência, o fato de que, desde então, procuramos evitá-lo, sem nos preocuparmos em lhe oferecer ajuda.

Tragicamente, certa manhã fomos comunicados pelo zelador de seu prédio, que a diarista, o havia encontrado morto. Levado ao IML foi confirmado que havia se suicidado, ingerindo veneno de rato. No enterro, todos os familiares presentes mostravam-se consternados.

Voltei a seu apartamento pegar suas coisas. Encontrei poucas roupas de uso pessoal, livros, CDs, televisão pequena e na gaveta de uma pequena escrivaninha, um livro grosso, um diário.

Sem fazer qualquer referência ao mesmo, escondi-o e passei a lê-lo, longe de minha mulher ou filhos.

Confesso que no término da leitura, eu estava atônito, embasbacado, sem reação!

Tomei então conhecimento de mais fatos particulares da sua vida.

Contou ele com detalhes o jantar em que foi convidado por seu mestre, o primeiro contato com a droga, a bebida em excesso, sua primeira relação homossexual.

Com detalhes, confidenciou suas reações corporais e psicológicas com as drogas, a criação de uma rápida dependência e necessidade de adquiri-la a todo custo.  Experimentou não somente a cocaína, mas chegou a ter contato com a heroína, droga que lhe proporcionou a maior satisfação corporal e mental de sua vida. Usara ainda a metanfetamina e o crack. 

Ao chegar ao Brasil, já era um viciado, dependente por completo, sem qualquer vontade para iniciar sua especialidade. Assim mesmo, trabalhou em vários hospitais até que o mandassem embora por faltas no serviço. Tinha que recorrer do dinheiro que o pai deixara. Se não fosse isto, confessa que certamente roubaria, tal a necessidade de amainar o vício.

Em sequência, confessa ter se tornado homossexual, desde que dele abusaram na prisão.  Passou a ter necessidade de ter contatos sexuais e muitas vezes chegou a ter mais de um parceiro por dia. Decorrente disto, começou a frequentar barezinhos, boates, nosocômios apropriados para homossexuais, onde fez uma série de amigos, companheiros.

Sua vida, tornou-se vazia, solitária, sentindo o desprezo por parte de seus familiares e antigos colegas de faculdade. Ou se encontrava com estes colegas de vício ou era a desolação completa. A vida, a família e o trabalho perderam a graça. Era a fuga total!

Terminando, enfatiza que começou a apresentar alterações na pele e ao fazer um teste para HIV, era soropositivo. Desgraça total!!!

Sentiu sua vida encerrada! Resolveu dar um término a ela, fato em que muitas vezes já havia pensado.

Termina o diário pedindo perdão a todos amigos e familiares. Só gostaria que sua mãezinha nada soubesse destes fatos pregressos, pois iria magoá-la profundamente, poderia sucumbir. Pouco antes de ingerir o veneno escreve:
— É muito fácil alguém viver confortavelmente no alto de uma montanha, mas para outros, para mim, o difícil foi escalá-la, com suas escarpas traiçoeiras.

 Adeus, Zé Ricardo! Queimei seu diário!

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