Amigo da Onça - José Vicente J. Camargo



Amigo da Onça    
José Vicente J. Camargo


Chego no escritório e vejo na minha mesa, na caixa de entrada correspondências, um envelope marrom utilizado para a comunicação entre a empresa e a casa matriz na Alemanha – espero que não seja nenhuma reclamação por estar com os negócios abaixo da meta – estranhando que não indica o remetente. Abro-o e levo um susto com uma série de fotografias de mulher pelada. Espantado, meu primeiro impulso é esconder o material explosivo que tenho nas mãos. Olho em volta para ver se há alguém observando. Minha secretária não está na mesa – deve ter ido buscar meu cafezinho e água – jogo rapidamente as fotos na primeira gaveta e leio o bilhete em alemão que veio junto: “Favor entregar para Sara na boate” Grato Wolf”. Um segundo bilhete em português, grampeado em uma das fotos, dizia: “Com amor Lobo”.

A ficha cai! É do alemão que veio da casa matriz por uns dias para divulgar com clientes nossos produtos. Ele ficou sob meus cuidados. Na primeira noite, após o jantar, me pede para levá-lo à uma boate. Me explica que mora numa cidadezinha numa zona rural onde todos se conhecem, ficando difícil dar qualquer passo em falso. Como na Alemanha todos os horários são respeitados, mulher e filhos sabem de antemão a hora da chegada. Qualquer desvio é motivo para alarme e início de uma busca em todos os telefones conhecidos. Então usa suas viagens ao exterior para adicionar um pouco de tempero na sua vida sexual. Na boate se engraçou com uma frequentadora e pediu, dado a confusão de idiomas, minha intermediação sobre o preço da noitada que achou muito alto – pudera! Com a pinta de gringo, ela abusou nas verdinhas... Me entendi com ela na base da “oferta e procura” e obtive um bom abatimento.

Alemão amigo da onça! Depois de toda a atenção que lhe dei, me coloca nessa situação de risco com essas fotos pelo correio interno, sabendo que as correspondências podem ser inspecionadas (por isso não indicou remetente!). Eu bem que reparei que ele estava meio sonolento no dia seguinte, mas pensei que era devido ao fuso horário. E depois assinar como “Lobo”, que é a tradução em português do seu nome “Wolf”, aprender a escrever em português “com amor”, arrumar os melhores ângulos e diferentes poses para as fotos – ele mesmo, espertinho, não saiu em nenhuma para não se incriminar – tudo leva a crer que a noitada foi longa e não deve ter ficado em uma só, depois que aprendeu o caminho da toca...

E agora? Guardar essas fotos aqui, nem pensar, minha secretária revisa a mesa todo dia a procura das correspondências para despachar. Levar pra casa pior ainda. Entregar à Sara na boate, como ele me pede, seria o melhor, mas muito arriscado, pois ele me confidenciou que o gigolô dela também trabalha lá. Se me ver, vai pedir satisfações sobre o desconto que pedi e recebi daquela noitada, assunto que com certeza não lhe agradou. E depois, com esse tipo de gente não adianta falar sobre altos e baixos do mercado, vai ser encrenca na certa! Picar e jogar numa cesta de lixo por aqui, também me parece perigoso, pois, além de alguém me poder ver, tem muito curioso que quebra a cabeça juntando os pedacinhos para saber se é algo importante para alguma fofoca. O melhor é, no caminho de casa, jogar numa dessas caçambas estacionadas na rua. Mas tenho de tomar cuidado para que ninguém me veja, que não haja câmeras de rua e usar luvas para não deixar impressões digitais. Caso contrário, se for flagrado, serei preso por distribuir pornografia e, se um menor encontrar, acrescido de pedofilia.

Revoltado pelo tratamento recebido – ainda por cima, dado ao cansaço dele, a apresentação aos clientes ficou aquém da expectativa – penso em dar o troco! Após expediente, passo pela boate e, sem entrar, chamo o porteiro “leão de chácara” daqueles que só de olhar perde-se a vontade de entrar. O chamo de lado, lhe dou as fotos e, em troca dessas e de mais uns bons trocados, lhe peço uma dele mirando as fotos, desnudo e “naquele estado”. Diante do seu olhar enviesado, prometo que não tem internet no meio, aumento o cache e digo que amanhã venho buscar.

De posse da foto, cem por cento original, que geraria arrepios frenéticos dos adeptos, coloco no envelope das correspondências internas com um bilhete:

“Wolf, sua Sara foi despedida da boate pelo gigolô. Deixei as fotos com o porteiro que me pediu sem falta para avisá-lo, quando da sua próxima visita a São Paulo. Gostaria de convidá-lo para uma feijoada regada a caipirinha e quem sabe, depois, tirar algumas fotos. Ele se chama “Leão”...

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