O
SOCORRO PRECISA SER SOCORRIDO
Maria Verônica Azevedo
Um dia ao atravessar a Avenida Nove de
Julho, tremendamente movimentada naquele horário, vi, no sentido contrário, uma
mulher toda bem vestida que vinha se equilibrando nos saltos dos sapatos
altíssimos. Ela não se incomodou em nenhum instante com o risco de atravessar,
naquele ponto da via, sem a devida sinalização para motoristas e pedestres. Com
feições de alegria plena, ela flutuava pelo trajeto atraindo olhares de todos
os lados.
De repente a anunciada chuva forte
despencou, provocando susto e alvoroço. Eu corri e tratei de me abrigar,
embaixo do toldo da loja de óculos. E, de lá olhei para a tal mulher que, para
minha surpresa, ainda não tinha completado a travessia. Nem a chuva a apressou.
Foi quando uma ambulância apontou numa
das extremidades da via. Vinha em desvairada corrida, fazendo zigue-zague, com
sirene ligada e tudo mais.
Como a mulher não saía da via e
continuava seus passos lentos, o motorista não teve alternativa a não ser
desviar abruptamente numa tentativa louca de evitar um acidente fatal. Acabou
subindo na calçada e batendo a ambulância no portão de uma bela mansão.
A curiosidade tomou conta de mim.
Deixei meu posto de observação e me aproximei da casa atingida.
A sequência dos fatos eu descobri numa
conversa com a copeira da casa. Foi mais ou menos assim:
A
chuva continuava forte. O estrondo assustou a família que estava à mesa do
almoço.
—
Maria! Vá lá fora ver o que foi este barulho!
Alarmada, ordenou Consuelo, para a copeira.
A
família, pai Honório, mãe Consuelo e dois adolescentes, Henrique e Patrícia,
continuaram placidamente na mesa do almoço.
Num
instante, Maria voltou aos gritos:
- Patroa! Derrubaram o portão e parte do
muro da frente. Foi a ambulância. Está o maior furdunço. Já juntou muita gente.
—
Ambulância? Como pode ser isso? Honório, eu acho melhor você chamar logo a
companhia de seguro. Isso vai dar dor de cabeça com certeza.
—
Calma, Consuelo. Primeiro vou sair para ver o que houve.
Os
filhos com seus fones de ouvido, de olho no celular, nem estavam percebendo o
que estava por vir. Continuaram comendo calmamente.
Quando
o pai se levantou e saiu apressado da sala, deixando seu prato de comida sem
terminar, Patrícia tirou o fone de ouvido e perguntou:
—
O que houve? Porque o papai não acabou
de almoçar e já saiu?
Henrique
nem se abalava. Estava noutra dimensão.
—
Seu pai foi ver o que aconteceu lá fora.
Vamos continuar nosso almoço com calma. Tudo vai se resolver.
Lá
fora, na calçada, Honório analisava o estrago. O portão estava todo retorcido.
Uma das folhas totalmente no chão, ao lado do muro destroçado.
A
ambulância, parcialmente em cima da calçada, tinha a frente destruída. Em pé na
calçada, estava o motorista com a testa machucada, o rosto ensanguentado, o
uniforme todo sujo, sem saber o que fazer. Um enfermeiro, com uma caixa de
socorro aberta na calçada, tentava estancar o sangue da cabeça do rapaz. O médico, que vinha na ambulância para
atender um chamado de urgência, estava sentado, no que restou do muro, tentando
um contato pelo celular.
—
Alô! Aqui é o Dr. Ovídio. A ambulância se envolveu num acidente com vítimas. Não
tínhamos atendido ao chamado ainda. Mandem com urgência socorro. Estamos na Avenida
Nove de Julho próximo ao cruzamento com a Rua Espéria.
Com o acidente, o trânsito adquiriu
mais lentidão. Os curiosos passavam bem devagar querendo ver o que tinha
acontecido. O congestionamento inevitável não demorou. Logo o buzinaço. À
medida que os curiosos se aglomeravam em torno daquela cena, tudo piorava.
Afinal não é sempre que se vê uma
ambulância acidentada.
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