CARAMBA!
Oswaldo
U. Lopes
Caramba!
Não pensava que ela ainda estivesse viva. Quantos anos faz? Eu estava
terminando o colegial. Que me formei na medicina já faz 50 anos. É, as mulheres
vivem mais tempo, mas fenecem mais cedo. Como é a música? “Quem jamais esquece
não pode reconhecer”.
Silvia Maria Marques dos Santos, o que
estará ela fazendo aqui? Esta noite de confraternização era para ser entre
ex-alunas do Des Oiseaux e ex-alunos do Colégio São Luís, ela era Sion, disso
eu tenho certeza.
A memória me confunde um pouco, para
não dizer que me confunde muito, mas minhas lembranças dizem que a conheci no
tempo dos bailecos de fim de ano, nas formaturas de colegial. Nada de muito
complicado, você arrumava um smoking e um convite e lá ia bailar. Sion, Des
Oiseaux, Sacré-Couer, Assunção, Notre Dame, tudo colégio de menina fina.
Os bailaricos ficaram por ali, ao
entrar na Faculdade de Medicina (1956) tudo mudou e as amizades também, fiquei
um tempo sem vê-la até aquela noite no PS do HC. Eu sabia que o pai dela era
Major do Exército (Intendência), não me lembro dele prepotente, nem ostensivo
como milico.
Como me localizaram ainda hoje é um
mistério para mim. O que eu soube é que ela tinha ingerido um monte de
comprimidos (tentativa malsucedida de suicídio) e que falava o meu nome. O pai
a trouxera ao Pronto Socorro. Começaram a me procurar e eu queria era me
esconder, me mandar. Contei um resumo-sumário ao Gayotto que na ocasião já era
Residente de Segundo Ano (R 2) e cujo plantão eu frequentava.
Ele me convenceu a ir lá vê-la, falar
com ela e com o pai. Ele estava visivelmente acabrunhado, mas preocupado com a
filha e disposto até a passar vexame, me explicou o estado dela. Conversamos um
pouco e ela ficou tomando soro e depois foi para casa. É tudo que a memória me
permite. "Devia haver um
produto que se você passasse, ela deixava de ser fosca e ficava que nem vidro
limpo"
Ela nunca fora bonita, daquela beleza
de chamar a atenção, tinha até espinhas no rosto. Agora não tinha mais as tais
espinhas da adolescência, estava mais gorda, bem, todos estávamos, tinha um
lábio meio caído e o cabelo ralo.
Não deu para escapar, veio na minha
direção sorriso no rosto, falando baixo.
—
Lembra de mim? Sou difícil de esquecer não é o que você esta pensando, donde
saiu esse traste?
—
Lembro. Só acho estranho, a Festa e Des Oiseaux x São Luís e você era Sion de
carteirinha.
—
Tenho amigas que me contam coisas e convidam para espairecer. Imaginei que você
era capaz de aparecer, aí deu vontade de te ver.
— Como
daquela vez no Pronto Socorro?
— De
certo modo sim, mas não tomei nenhum comprimido desta vez. Está pensando o que
será que ela quer? Nada em especial. Sei que você enveredou por um caminho
longo e complexo, o meu foi mais reto e simples.
Ela parece ser capaz de ler pensamentos,
não estranharia se ela montasse numa vassoura e saísse voando. A vida nos
apronta cada uma. Como escapo desta?
— Quer
escapar? Faz pelo método antigo, diz que vai procurar um drinque e some.
Foi o que fiz. Sumi pelos fundos, a
memória latejando e fosca como sempre.
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