Um fim de semana hospitaleiro - Fernando Braga



Um fim de semana hospitaleiro
Fernando Braga

Há cerca de 15 dias retornei a Tietê para o enterro de um colega e grande amigo, com o qual troquei muita amizade  por muitos anos. Sempre gostei muito desta cidade onde estive algumas vezes, mas nesta circunstância, ela não era a mesma.

Durante a viagem de volta, lembramos, eu e minha esposa de uma ocasião, há cerca de dez anos, quando viemos a esta cidade para o casamento da filha mais nova deste amigo e ficamos hospedados em sua casa, na realidade, uma chácara, dentro da periferia da cidade. Naquela ocasião, fez questão absoluta de nos hospedar por três dias, jurando que não iríamos incomodar, porque tudo já estava preparado, com a festa organizada no clube da cidade, o Tietê Esportiva Clube, frequentado pela elite. Levou-nos a conhecer os principais pontos da cidade, com 33 mil habitantes na época, a praça central bem arborizada conhecida como Dr. Elias Garcia, as mansões belíssimas ao redor da praça, o coreto frequentemente usado pelas bandas em fins de semana, a ponte sobre o rio Tietê, rio este utilizado desde a época dos Bandeirantes. Contou que a cidade, antigamente Pirapora do Curuçá, fora fundada em março de 1842 quando se tornou município e em 1867 adquirira o nome atual.

Ele era o cardiologista da cidade, muito querido e em todos os locais que parávamos, alguém vinha abraça-lo. Dizia ele que poderia até fazer política, mas não era da sua seara. Uma manhã nos levou ao campo de aviação, como era chamado o mínimo aeroporto e nos convidou para dar uma volta em seu avião, um pequeno monomotor, para sobrevoarmos a cidade e levarmos   uma boa ideia da pujança da mesma. Claro que aceitei, com pequeno receio, mas minha mulher preferiu ficar em terra firme. Foi sensacional   levantar voo no avião, antigo. Sentei-me ao lado, onde havia outra direção e ele disse:- agora pilote um pouco!

Comecei a pilotar e logo me acostumei porque era muito fácil. Subia, descia, virava para a esquerda, para a direita, cheguei a dar umas rasantes próximas ao local em que estava minha esposa. Passamos sobre sua casa, sobre a bela catedral, onde em dois dias seria oficializado o casamento. Após uns vinte minutos, disse que poderíamos descer. Pedi para tentar fazer a aterrissagem.

- Tudo bem, se você acha que consegue, siga em frente.

Acho que desci   muito rápido, porque quando percebi já estava bem próximo ao solo. Nesta hora ele gritou:

Largue tudo!

Larguei e ele fez a aterrissagem. Fiquei frustrado, mas gostei tanto, que fiz planos para aprender a pilotar.

O casamento foi muito concorrido, a noiva estava lindíssima, a cerimonia emocionante e, como padrinhos, ficamos bem ao lado de meu anfitrião. Fomos para o clube e sentamos à mesa principal. Nesta ocasião, conversando com um dos convidados, dizia ele:

-  Nesta cidade, todos têm e são conhecido por seus apelidos e há muita jogatina neste clube. Mostrando alguns dos presentes, dizia:

- Aquele é o Juka Pitanga, muito rico, o outro ao lado, o Loro. Logo depois vem o Curupira, o Pinão, o Nego Tão, o Abobrinha - e assim foi nomeando os presentes.

- E o seu apelido, qual é? - perguntei.

- É Galinhão, mas não vou explicar  por que.

- Ok, não precisa, já entendi. Não parava de olhar as minas. Continuou:

- Você vê aquele mais velho, de cabelos brancos? É o famoso Juca Tio, fazendeiro muito seguro, pão duro, que já largou tudo para os filhos e agora vive no clube. Não joga com medo de perder, mas é o mais assíduo sapo. Senta-se atrás de um dos jogadores e fica dando opiniões. Ninguém quer impedi-lo de assistir, mas foi proibido de tecer comentários. Veja o que aconteceu e que maldade:

- Há uns meses, ele estava já há 2 horas sentado atrás do Pinico, que é aquele baixinho naquela mesa. Via os companheiros   jogando Pôquer. Alguém chamou a atenção, que ele estava dormindo. Escaravelho e os demais   decidiram pregar uma peça no Juca Tio. Era noite, a sala pequena. Apagaram todas as luzes, fecharam a porta e fingiram que continuavam jogando, na escuridão completa. Alguém bateu na cadeira de Juca Tio que acordou e ouviu:

-Jogo vinte!

-Seus vinte mais cem!

Paguei. O que você tem?

Quadra de Ás. Eu tenho Flesh, você ganhou!

Faziam barulho com as fichas.

Nesta hora Juca Tio deu um berro:

-Meu Deus, estou cego, cego, cego! Não consigo ver nada! Me ajudem. Me levem ao pronto socorro!

Amparado por dois deles foi levado em direção à porta, que uma vez aberta, ele gritou:´

-Pera aí, voltei a ver. Graças a Deus e Santa Terezinha!

Pelos risos soltos, percebeu a gozação.

-Seus desgraçados, vocês me prepararam esta, e saiu muito zangado, p da vida. Foi embora, mas uma semana após, lá estava ele, novamente sapeando.
Nesta cidade, todos ficaram sabendo e comentavam a boca pequena.

-Juca Tio é rico, mas é um baita ingênuo!


Difícil esquecer um episódio como este, hilariante. Só acontece em Tiete.

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