Personagem X - Fernando Braga


Personagem X
Fernando Braga

Eu sou um personagem X, que embora com RG sou completamente desconhecido em relação à minha vida pregressa.

Nasci em uma cidade do interior e desde pequeno sentia que era diferente de outras crianças. Era mais agressivo, destemido, corajoso, brigava facilmente, e roubar me dava muito prazer, quando não descoberto. Pulava o muro, entrava no quintal dos vizinhos para furtar frutas, furtar garrafas, que vendia facilmente, roubar galinhas e patos e outros objetos que encontrava. Nunca fui pego. Certa vez sabendo que o vizinho havia viajado e a casa estava vazia, consegui penetrar em seu interior através do vão do pequeno vitrô do banheiro e uma vez lá dentro, comer a metade de um manjar da geladeira, pegar uns discos, e outras coisas pequenas, o que me deu um prazer imenso.

No grupo escolar brigava, respondia para a professora e no quarto ano primário após muitas reprimendas fui expulso, o que deixou meu pai ¨uma vara¨. Na realidade, descobriram que eu havia aberto a bolsa da professora e roubado o seu dinheiro. Fui para outra escola, onde terminei o primário e depois, com muito sacrifício, o ginásio, onde também aprontei muito. Não gostava de estudar e muitas vezes passei de ano através da cola. Procurava sempre as más companhias, todos gostavam de mim, mas diziam que eu era um pouco louco. Meu pai sabia de meus problemas e para me corrigir sempre me ameaçava, castigava e me batia muito.

Com 15 anos, eu e dois amigos resolvemos entrar pelas partes do fundo, a noite, em uma bomboniére, donde retiramos dinheiro do caixa e levamos duas malas de bombons e chocolates. Nunca comemos tanto chocolate e por tanto tempo. Tinha os meus esconderijos.

Aos 16 anos, com dois amigões, entramos em uma casa, que percebemos estar sem os donos e fizemos a festa, retirando joias, e vários objetos de valor. A polícia nos identificou e fomos levados para uma casa de correção para menores. Para minha mãe, aquilo foi como a morte e para papai, um castigo justo, bom, para eu aprender a ser gente. No nosocômio fui examinado por psiquiatras que disseram à minha mãe, ser eu um bipolar. Saí quando completei 18 anos, tomando uma medicação especial. Lá aprendi muita coisa boa, mas também a ser malandro refinado. Voltando para casa comecei a procurar emprego, o que foi difícil pelos meus antecedentes, que ficaram conhecidos na cidade pequena. Após um ano meu pai faleceu, deixando pouca coisa para nós além da casa e sua aposentadoria. Eu vivia desnorteado e sem dinheiro, mas tinha muitos amigos, na mesma situação.

Naquela época, felizmente, não havia drogas, pois se houvesse, eu certamente teria feito uso e seria um vendedor delas, o que seria bem pior. Minha mãe e irmã sofriam muito por minha causa.

Após um ano neste marasmo, aceitei o convite de dois amigos mais velhos, para assaltarmos um banco. Fomos de ônibus até Ilhéus, no litoral da Bahia, conseguimos dois revolveres Taurus 38 e planejamos entrar em um banco conhecido, bem movimentado. Próximo ao fechamento, conseguimos entrar encapuzados, pedindo a todos que se deitassem no chão e não reagissem. Naquela época os assaltos eram raros e ainda não mantinham guardas ou entradas eletrônicas detectoras de metal. Fizemos a festa! Tiramos o dinheiro dos caixas, as carteiras, relógios de todos os clientes e saímos, sem dar um único tiro, pedindo a todos que não se levantassem ou seriam baleados. Um companheiro nos aguardava no carro que havíamos roubado. A polícia chegou apenas muito tempo depois. Não deixamos vestígios, abandonamos o carro e tomamos o ônibus para São Paulo, separadamente. Ficamos entusiasmados com o dinheiro fácil, que não era pouco. Em São Paulo alugamos um pequeno apartamento na zona do meretrício, fizemos amizade com prostitutas, gigolôs e comerciantes ao redor. Tínhamos medo da polícia civil e militar desta cidade e assim os nossos planos para assaltar novos bancos teria que ser em outras cidades próximas.  Assaltamos outros bancos em municípios vizinhos,  e outros mais,  sempre com o mesmo sucesso e sem qualquer disparo. Nossa sorte era muito grande. O bom era chegarmos a nosso apê e dividir igualmente os nossos justos ¨salários¨, e depois, aquela farra com as madames. Entre nós, nunca tínhamos conversas sobre os ocorridos, mas ouvíamos as notícias policiais, diariamente.

Bem vestido e com bom aspecto, fui visitar minha mãe no interior, que ficou extremamente feliz em me ver, saber que estava trabalhando em uma firma. Disse- me ela:

— Seu tio Quinzinho, que mora em Corumbá, aqui esteve para me visitar e perguntou por você! Disse ter um bom negócio e precisar de alguém para ajudá-lo. Falou de barco de pesca no Pantanal. Deu-me seu telefone e endereço. Voltando para São Paulo, após 10 dias despedi-me de meus honestos companheiros, dizendo que iria mudar de vida! Não acreditaram, e disseram que eu logo estaria de volta. Não deixei qualquer vestígio pra onde iria e não sabiam onde vivia minha mãe.

Chegando em Corumbá, fui recebido muito bem, fiquei na casa de meu tio por pouco tempo, com comida e roupa lavada. Ele e sua mulher já estavam acima dos sessenta e não tinham filhos. Logo mudei para uma pequena pensão. O meu serviço era agradável, trabalhando em um grande barco de meu tio, com oito cabines, com ar refrigerado, que todos os finais de semana saia com 15 turistas, navegando pelo pantanal pescando pacus, matrinchãns, dourados e outros mais. Logo tornei-me exímio pescador, perfeito para sair nos barcos pequenos com dois ou três turistas e auxiliá-los na pesca. Ajudava também no barco grande, preparando os aperitivos, iscas de peixes fritos como aperitivos, fazendo o meio de campo com nossos hóspedes. Meu tio ficou muito satisfeito com meu trabalho e após um ano, propôs-me sociedade. Eu que havia guardado Cr$ 300 mil de meus trabalhos anteriores. Dei a ele o dinheiro, e como se tratava de mim, um sobrinho querido, aceitou e tornamo-nos sócios ¨fifiti percente¨.  Ele estava cansado e queria deixar os negócios em minhas mãos.

Reformamos o barco, com o tempo compramos outro e não faltavam clientes todas as semanas. Sempre aproveitava, durante a semana, para ir a Puerto Quijaro, bem próximo, na divisa com a Bolívia, para adquirir Uísque, Vodka, para nossos clientes, assim como cigarros, relógios, raquetes de tênis, perfumes, roupas, que sem qualquer esforço eram vendidos no barco. Mais algum tempo comprei um bom apartamento e uma perua Chevrolet para levar alguns senhores para conhecer a cidade, restaurantes e alguns locais de meninas formosas.

 Apesar da vida boa, do jeito que todos querem, iniciei um namoro, logo após casei-me com Luiza, uma mato-grossense arretada, bonita e vistosa. Casamos com comunhão de bens, tivemos 2 filhos e vida bastante confortável. Tornei-me bem conhecido na cidade, como uma pessoa de bem, honesta, muito querido por todos, com chances de fazer política.

Finalmente conseguira vencer a minha bipolaridade! Minha mãe, paguei-lhe a viajem para vir nos visitar em meu casamento e depois no nascimento de meus filhos. Ela sempre me abraçava, beijava e ficava muito contente em me ver bem, com uma família. Dizia:

— Eu sempre confiei em você, mas seu pai  dizia ter certeza de que você se tornaria um bandido! Eu sempre o refutei nesta opinião.

Hoje eu penso: “foi por pouco!”

Nunca mais soube de meus amigos, grandes amigos, que se formam presos, tiveram a hombridade em não me  dedar!

Hoje, aquele medo atroz que eu tinha em ser pego por meus antecedentes, não os tenho mais. Penso: “políticos que hoje, que aí estão na crista da onda, muitos também foram bandidos, mataram, assaltaram bancos, raptaram embaixadores etc. Eu pelo menos não matei ninguém!”


Viva a vida! Viva o Brasil, que é tão grande!

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