CONTO DE FÉRIAS Nº 2
O ESTRANHO
Mario Augusto Machado Pinto
Era um homem estranho, bem estranho. Não
gostava de se avizinhar, não conversava nem cumprimentava; era completamente escuso, e a meu ver, escondia alguma coisa. Tinha que ser!
Depois de muito tempo de observação,
resolvi falar com meus vizinhos sobre ele e minha vontade de ”descobrir” quem
de fato era esse homem tão arredio a qualquer contato. Eles também queriam. Disse-lhes,
então, que seria o único responsável pela procura e pedi seu apoio e reserva no
trato do assunto. Concordaram sem qualquer objeção. Até sorriram e, na gozação,
designaram a ação como “O mistério do
detetive Bolota”. É que eu sou meio “gordinho”.
Morando só, traduzindo artigos e livros,
trabalho em casa, o que me dará liberdade no uso do tempo a dedicar a esse novo
“trabalho.” Gosto de “farejar” a vida alheia. Sou como um detetive amador.
O objeto da minha nova investigação, por seu
aspecto, dava a impressão de um personagem dos filmes de farwest norte-americanos: chapelão, casaco até os tornozelos, roupa
preta, sapatões. Era um uniforme; usava o ano inteiro, no frio ou no calor.
Constatei que era preciso nos horários das
coisas que fazia e as repetia diariamente; às vezes saia muito cedo, mas apesar
disso tinha hora certa para sair e voltar à casa, para fazer as compras no
supermercado, etc. Às vezes ia a uma casa geminada a uma escola infantil;
entrava e saia pela mesma porta geralmente após quatro ou cinco horas: teria
ali uma garçonnière? Alguma coisa
extra, como farmácia, por exemplo, era feita quando da volta. Às quintas feiras
chegava de táxi carregando duas enormes sacolonas que levava de volta na segunda feira seguinte, também de táxi. Comprava bastante comida tipo delivery, mas nada de pizza. Escutava
música aos domingos pela manhã; dava para ouvir na calçada.
Sabendo do seu horário e comportamento
repetitivo, considerei ter chegada a hora de descobrir mais coisas, qual seu
trabalho, se tinha alguma distração, enfim, saber o que fazia e gostava.
Sai a campo observando, anotando e
imaginando como abordar o tipo. Era necessário, mas meio difícil: não usava
qualquer espaço público propicio. Não dava chance.
Aí,
sem me aperceber, aconteceu. Distraí-me,
e o perdi de vista. Andei atarantado ao redor. Estava parado aguardando
o sinal para atravessar a rua quando senti uma pancada no ombro, mão firme no braço
me empurrando e escutei uma voz impositiva a dizer “Fique quieto. Vamos conversar do outro lado.” Assim, simples. Era
ele.
Atravessamos a rua. Colocou-me encostado à
parede de um prédio sempre segurando meu braço às costas para não ver seu rosto
e disse-me: Não quero mais ser seguido. Isso
poderá ser perigoso. Não estou para brincadeiras. Agora, vá. Quase caí com o
empurrão. Voltei-me e o vi afastar-se a passos apressados.
Não me conformei com a situação. Queria
desvendar esse homem enigma, mas aquela ameaça me fazia temer represálias; afinal,
sou sozinho. Valeria a pena? Depois de muito matutar conclui que sim, valia a
pena, contudo, todo cuidado seria pouco; para conseguir informações e
esclarecimentos seguiria seu programa e trajeto diários. Era melhor desse jeito.
Começaria pela Igreja. Perguntava-me: seria
ele tão católico a ponto de frequentá-la todos os dias? Depois, seria a casa geminada: o que havia e
o que fazia lá? Em seguida, a escola. Depois, do que vivia. Por último, a “visita” à sua casa dependeria
das respostas que eu obtivesse dessas questões.
Passou por minha casa; saí em direção à
Igreja. Lá chegando fui à Sacristia e ao jovem padre que ali estava apresentei-me
e perguntei se poderia falar com ele a respeito de um dos seus fiéis. Antes de
responder apresentou-se: “Frei Luiz”. Perguntou-me o porquê do meu interesse.
Não era só meu interesse. Expliquei o que
se passava na nossa vizinhança: a presença de um homem de aspecto meio soturno;
comportamento diferente, que despertava curiosidade e temor aos vizinhos. Do
meu lado questionei a casa, a escola, do que vivia... Essas coisas.
— Posso
esclarecer algumas das perguntas, mas não tratarei de outras por serem de
sigilo, entende?
— Sim, claro. Não
queremos entrar na intimidade...
— Não
se trata de intimidade. Trata-se de respeitar um ser humano como é. De acordo?
— Sim. Escutarei com todo respeito.
— Pois
bem. Todos os dias esse senhor assiste com devoção à missa. Faz sempre a mesma
contribuição e procura saber se há paroquianos com necessidades prementes. Se
houver, quer saber onde e vai, de livre e espontânea vontade, auxiliar. Sempre
encontra solução para os mais variados problemas. Como diz a juventude: não
fica ensebando. Não poupa esforços nem recursos.
— Mas, Frei. Onde encontra os recursos para
suprir as necessidades?
—Vou
lhe dizer. Há alguns anos esse senhor ganhou diferentes loterias. Formaram um
grande valor.
Em
agradecimento à sorte recebida, passou a dedicar sua vida e recursos àqueles que necessitavam. Ficou viúvo. Mudou-se
e fixou-se nesta cidade por achar que aqui poderia ajudar mais pessoas.
Tem
sob sua responsabilidade escolas para crianças com câncer, financia pesquisa
sobre essa e outras doenças que atingem os pequenos, está construindo um
hospital infantil. A casa que lhe preocupa é o seu escritório. Eu ajudo em tudo
que posso.
— Ahn, loterias! É raro e espantoso: em vez
de gozar das coisas e das pessoas... E como é o seu relacionamento? Ele nos parece
muito rigoroso nas próprias coisas e consigo mesmo. É supermetódico. É assim
com o senhor?
— Sim.
Se quiser resultados, precisa ser
assim com o dinheiro e com as pessoas. É uma longa estória que vou resumir. Participei
e fui presente em tudo que fez e faz, da maior pobreza à riqueza, tive sempre sua
constante orientação ética e moral. Tornei-me sacerdote com sua benção. Dou à
gente a esperança da conquista pela FÉ. Ele, pelo lado material, busca
complementar. Somos unidos na dor e na alegria. Posso dizer sem medo de errar
que somos aqueles que fazem, vivem e dão de si. Somos um só, um só.
— Frei, incrível como isso tudo pode agir junto
às pessoas, como distribuem o bem, tudo, tudo. Francamente, isso não se vê nos
tempos atuais. Vocês são...
— Já
lhe digo. Agora que sabe, ajude no que puder.
— Ajudarei sim, sim Frei, e...
— Somos
pai e filho, meu caro. Pai e filho.
Contei aos vizinhos com satisfação e
alegria.
Foi emocionante!
Minha vida mudou.
A dos outros... Está mudando.
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