A VIAGEM DO SOL. - Mario Augusto Machado Pinto - CONTO DE FÉRIAS Nº 5


A VIAGEM DO SOL.
Mario Augusto Machado Pinto

O telefonema e a proposta que fez a Vivi  foi estranho e me provocou total surpresa: uma excursão ao Caribe, de navio, com tudo pago inclusive avião pra Miami. Ela e eu. Só nós duas. Na verdade, apesar de velhas amigas nunca havíamos viajado juntas, quero dizer, só nós duas. Participamos de algumas excursões promovidas por agências de viagem, mas foi só. Aliás, nos conhecemos numa delas. Sempre nos demos bem desde então.

- Olha, Vivi, depende de quanto e quando. Pago minhas despesas se der, vou, do contrário não vou. Você me conhece.

- Deixa de ser orgulhosa e boba. Tio Fran deu as passagens pagas com tudo incluso pra mim e pro Troy. Como acabei o caso com o Troy falei pra ele cancelar, mas já estava dado e pronto! – retorquiu. Que arranjasse outra companhia e fizesse boa viagem.

Não é pra perder essa boca. O que você acha?

- Bem, não sei e não posso resolver agora...

- Tá “avec”?

- Claro, sua tonta. Depois falamos.

Esse telefonema atrapalhou meu romancinho. Só pensava no balanço do navio...Demorei. Ciro foi embora chateado, mas coitado, a viagem era pra já e ele sempre estaria disponível. Não dava pra ele competir.

Telefonemas pra cá e pra lá. Acertamos tudo. Eu aceitei ir de graça mesmo.

A data estava próxima. Foi uma trabalheira pra escolher e comprar roupa e “otras cositas mas” para quinze dias. Meu dinheiro não era tanto...Bem fui me arranjando. Vivi comprava uma coisa ou outra.

- Só isso? - Eu comentava e lá vinha a resposta:

- É viagem de navio, biquínis, shorts bem curtinho pra mostrar a curva do bumbum, saídas da piscina, mostrar o material,  ser comida com os olhos. Eu gosto. Você não?

Não era bem isso. É que ela tinha de tudo. Guarda roupa lotado e, junto, dinheiro. Eu, tudo de menos. Tinha que selecionar e combinar. Teve o vestido pro jantar com o Comandante que custou uma nota. Nesse, caprichei. Ela até comentou:

- Vai arrasar. 

O motorista dela nos levou ao aeroporto. Aí começou.

Minha bagagem era uma mala com rodinhas e frasqueira, além de uma bolsa a tiracolo.

A bagagem da Vivi? Espetacular! Começava com ela à frente, a própria generala seguida do ajudante de ordens puxando três malas, frasqueira e bolsa. Chamava atenção. Era o que queria.

Check in feito pela internet, fomos direto para a recepção da aérea. O motorista fez o despacho. Tudo em ordem, lá fomos nós.



Chegamos à noite em Miami. Revista minuciosa. Ficamos no hotel do aeroporto.

Pela manhã, agência, documentos, passagens, ônibus, cais, subida pro navio, recepção pelo nome, pulseiras, colares, cabine: saleta, bar, terraço, quarto enorme e... Cama de casal! Por essa não esperava.

Vivi, na hora, percebeu meu espanto e desconforto. Telefonou para a secretaria e pediu troca da cama por duas de solteiro. Não era possível, informaram: a cama é fixada no piso da cabine e não dava pra trocar. Ficou um clima de índio aguardando pajé e ela, gozadora como sempre, riu-se e falou:

-Bem, vamos fazer um charutinho e colocar no meio da cama. Proibido pular a cerca. OK?

- OK. Não tem outro jeito...

- Tem sim: não põe o charutinho. - e riu às gargalhadas dizendo:

  Só queria ver... E continuava rindo.

- Bem, chega né Vi? Que coisa mais sem graça!

A vida a bordo era toda programada: o dia todo e a noite também. Mal dava tempo de tomar banho e trocar de roupa.

Vivi era centro de muitos rapapés e bajulação.
Comentei.
Falou:

- Também, com o preço pago! Sabia que estamos na cabine do armador? O comandante falou que o armador viaja de vez em quando. A cabine fica vaga a maior parte do tempo, é raro ser ocupada.

Qual lagartixa, Vi ficava ao sol. Passava óleo com beterraba, queria ficar morenérrima!

Entrei num torneio daquele tênis com peteca, “badminton”, formando dupla com um mexicano que jogava muito bem, eu mais assistia do que jogava. Estávamos disputando a semifinal quando pulei para dar um smash. Ao pisar na quadra torci o tornozelo e, claro, fiquei de fora e fomos desclassificados. Pedi desculpas mil, mas não adiantou, ficou muito chato e o parceiro magoado.

Fui levada à nossa cabine pela enfermeira do navio já com remédios para aplicar. Vivi dispensou os dois: ela e eles.  Tenho mais e melhores, comentou. 

Tirou meus tênis, me ajudou a tirar o uniforme, colocou gelo do barzinho no tornozelo.

- Posso aproveitar e fazer uma massagem relaxante. Que tal?

- Olha Vi, aceito qualquer coisa, estou tão chateada. Que bruta falta de sorte!

- Esqueça isso. Toma uma rápida chuveirada quente, e deita na cama. Vou pegar meus cremes.

Depois me colocou de bruços na cama e, pelos pés, iniciou massagem relaxante com cremes, óleos e técnica tailandesa explicada. Vai até o pescoço, avisou.  Que não fosse por outra coisa, o perfume já compensava.

- Delícia das delícias! - exclamei satisfeita. É muito bom!

- Você ainda não viu nada. Espera só, foi a resposta.

Na verdade era uma sensação muito boa. Via o ambiente mais iluminado, assim, de cor amarelada brilhante. Fechei os olhos.  Vivi massageava minhas costas ordenadamente controlando a pressão dos dedos e das mãos. Pelo corpo subia uma dormência... Gostosura! Falei pra Vi. Continuou mais um pouco e me mandou desvirar, ficar deitada de costas.

- Mas Vi, assim também não! Põe uma toalha!

- Escuta: o que você tem eu tenho. Não é novidade nenhuma pra nós duas. Então relaxa e deixa de frescurite! Já vi coisa melhor! Vai, vira, sua magrela!

Foram nove dias em que percorri e acompanhei no meu corpo o caminho do sol: nascendo, chegando ao zênite tendo explosões e o ocaso tranquilo. Experiências deslumbrantes, de todo inesquecíveis. E são.

Até hoje lembramos e comentamos essa viagem; guardamos tudo na memória. Gostamos tanto que passamos a chama-la A VIAGEM DO SOL.

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