A
VIAGEM DO SOL.
Mario Augusto Machado Pinto
O telefonema e a proposta que fez a
Vivi foi estranho e me provocou total surpresa:
uma excursão ao Caribe, de navio, com tudo pago inclusive avião pra Miami. Ela
e eu. Só nós duas. Na verdade, apesar de velhas amigas nunca havíamos viajado
juntas, quero dizer, só nós duas. Participamos de algumas excursões promovidas
por agências de viagem, mas foi só. Aliás, nos conhecemos numa delas. Sempre
nos demos bem desde então.
- Olha, Vivi, depende de quanto e quando. Pago
minhas despesas se der, vou, do contrário não vou. Você me conhece.
- Deixa
de ser orgulhosa e boba. Tio Fran deu as passagens pagas com tudo incluso pra
mim e pro Troy. Como acabei o caso com o Troy falei pra ele cancelar, mas já
estava dado e pronto! – retorquiu. Que arranjasse outra companhia e fizesse boa
viagem.
Não é
pra perder essa boca. O que você acha?
- Bem, não sei e não posso resolver
agora...
- Tá
“avec”?
- Claro, sua tonta.
Depois falamos.
Esse telefonema atrapalhou meu romancinho.
Só pensava no balanço do navio...Demorei. Ciro foi embora chateado, mas
coitado, a viagem era pra já e ele sempre estaria disponível. Não dava pra ele
competir.
Telefonemas pra cá e pra lá. Acertamos
tudo. Eu aceitei ir de graça mesmo.
A data estava próxima. Foi uma trabalheira
pra escolher e comprar roupa e “otras cositas mas” para quinze dias. Meu
dinheiro não era tanto...Bem fui me arranjando. Vivi comprava uma coisa ou
outra.
- Só isso? - Eu comentava e lá vinha a
resposta:
- É
viagem de navio, biquínis, shorts bem curtinho pra mostrar a curva do bumbum, saídas
da piscina, mostrar o material, ser comida
com os olhos. Eu gosto. Você não?
Não era bem isso. É que ela tinha de tudo.
Guarda roupa lotado e, junto, dinheiro. Eu, tudo de menos. Tinha que selecionar
e combinar. Teve o vestido pro jantar com o Comandante que custou uma nota. Nesse,
caprichei. Ela até comentou:
- Vai
arrasar.
O motorista dela nos levou ao aeroporto. Aí
começou.
Minha bagagem era uma mala com rodinhas e
frasqueira, além de uma bolsa a tiracolo.
A bagagem da Vivi? Espetacular! Começava
com ela à frente, a própria generala
seguida do ajudante de ordens puxando três malas, frasqueira e bolsa. Chamava
atenção. Era o que queria.
Check in feito pela internet, fomos direto
para a recepção da aérea. O motorista fez o despacho. Tudo em ordem, lá fomos
nós.
Chegamos à noite em Miami. Revista
minuciosa. Ficamos no hotel do aeroporto.
Pela manhã, agência, documentos, passagens,
ônibus, cais, subida pro navio, recepção pelo nome, pulseiras, colares, cabine:
saleta, bar, terraço, quarto enorme e... Cama de casal! Por essa não esperava.
Vivi, na hora, percebeu meu espanto e
desconforto. Telefonou para a secretaria e pediu troca da cama por duas de
solteiro. Não era possível, informaram: a cama é fixada no piso da cabine e não
dava pra trocar. Ficou um clima de índio aguardando pajé e ela, gozadora como
sempre, riu-se e falou:
-Bem,
vamos fazer um charutinho e colocar no meio da cama. Proibido pular a cerca.
OK?
- OK. Não tem outro
jeito...
- Tem
sim: não põe o charutinho. - e riu às gargalhadas dizendo:
Só
queria ver... E continuava rindo.
- Bem, chega né Vi? Que coisa mais sem
graça!
A vida a bordo era toda programada: o dia
todo e a noite também. Mal dava tempo de tomar banho e trocar de roupa.
Vivi era centro de muitos rapapés e
bajulação.
Comentei.
Falou:
- Também,
com o preço pago! Sabia que estamos na cabine do armador? O comandante falou
que o armador viaja de vez em quando. A cabine fica vaga a maior parte do tempo,
é raro ser ocupada.
Qual lagartixa, Vi ficava ao sol. Passava
óleo com beterraba, queria ficar morenérrima!
Entrei num torneio daquele tênis com peteca,
“badminton”, formando dupla com um mexicano que jogava muito bem, eu mais
assistia do que jogava. Estávamos disputando a semifinal quando pulei para dar
um smash. Ao pisar na quadra torci o
tornozelo e, claro, fiquei de fora e fomos desclassificados. Pedi desculpas mil,
mas não adiantou, ficou muito chato e o parceiro magoado.
Fui levada à nossa cabine pela enfermeira
do navio já com remédios para aplicar. Vivi dispensou os dois: ela e eles. Tenho
mais e melhores, comentou.
Tirou meus tênis, me ajudou a tirar o uniforme,
colocou gelo do barzinho no tornozelo.
- Posso
aproveitar e fazer uma massagem relaxante. Que tal?
- Olha Vi, aceito qualquer coisa, estou tão
chateada. Que bruta falta de sorte!
- Esqueça
isso. Toma uma rápida chuveirada quente, e deita na cama. Vou pegar meus
cremes.
Depois me colocou de bruços na cama e,
pelos pés, iniciou massagem relaxante com cremes, óleos e técnica tailandesa
explicada. Vai até o pescoço, avisou.
Que não fosse por outra coisa, o perfume já compensava.
- Delícia das delícias! - exclamei
satisfeita. É muito bom!
- Você
ainda não viu nada. Espera só, foi a resposta.
Na verdade era uma sensação muito boa. Via
o ambiente mais iluminado, assim, de cor amarelada brilhante. Fechei os olhos. Vivi massageava minhas costas ordenadamente
controlando a pressão dos dedos e das mãos. Pelo corpo subia uma dormência... Gostosura!
Falei pra Vi. Continuou mais um pouco e me mandou desvirar, ficar deitada de costas.
- Mas Vi, assim também não! Põe uma toalha!
-
Escuta: o que você tem eu tenho. Não é novidade nenhuma pra nós duas. Então
relaxa e deixa de frescurite! Já vi coisa melhor! Vai, vira, sua magrela!
Foram nove dias em que percorri e
acompanhei no meu corpo o caminho do sol: nascendo, chegando ao zênite tendo
explosões e o ocaso tranquilo. Experiências deslumbrantes, de todo
inesquecíveis. E são.
Até hoje lembramos e comentamos essa
viagem; guardamos tudo na memória. Gostamos tanto que passamos a chama-la A
VIAGEM DO SOL.
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