CONTO DE FÉRIAS Nº 3
DIFÍCIL DECISÃO
Oswaldo
Romano
Descobri,
através das fotografias e cartas que estão no sótão, que Francisco não é amigo
da família, como meu pai sempre disse que era. Descobri que ele é o meu
verdadeiro pai.
Quando Theodoro o pai que conheço, chegou
da sua costumeira volta pela fazenda, notou-me diferente. Questionou:
— Que cara é essa filha? Esta com os
olhos inchados, você chorou?
— Tô bem pai. Um pouco preocupada com os
exames. Estou com dificuldades na matemática.
E você pai. Hoje, quem está lhe vendo
diferente, sou eu. Não parece aquele pai que conheço.
Nesse
momento Deise percebeu que não era a hora. Não devia mostrar qualquer
diferença, e disfarçou:
— O senhor andou muito pelas terras, pai?
Está com o chapéu molhado, caído e manchado de barro! Suas polainas estão
sujas!
— É verdade filha, hoje foi mais
difícil. Aquele touro que você gosta, o Posudo, pai da bezerra Tina que há
tempos lhe dei, furou a cerca e escapou. Foi difícil encontra-lo. Estava no
Valo Grande. Sempre que fica assanhado apronta alguma. Deve ter outras filhas,
por lá.
Deise
ouviu veladamente a conversa, mas quando citou outras filhas por lá, seu pensamento pulou nas nuvens.
Foram momentos de extremos cuidados. Um questionamento
como havia pensado, mudaria sua vida. Estava abalada. Descontrolada, queria
saber a verdade, mas ela viria distorcida, acobertada, certamente preparada.
Recolheu-se no quarto, sentou-se à mesa
de estudos. Às tontas, pensativa, vê entre as fotos expostas uma de sua mãe
cuja moldura do porta retratos é de metal artístico estampado com a figura de
Nossa Senhora. Está com os braços abertos envolvendo todo quadro.
Olha atentamente para a foto, e pensa:
poderia ser minha essa foto. Preciso muito dessa proteção. Nossa Senhora que me
dê forças para entender esta situação.
Percebendo mudanças no trato com a
filha, dias depois, a mãe entra em seu quarto, senta-se na sua cama e diz:
— Impossível não perceber que você
esconde algo.
— É verdade mãe. Só estava imaginando
como iniciar uma conversa com a senhora. É sobre o papai. Senti que como mãe a
senhora já tenha percebido minha angústia desde quando descobri coisas lá no
sótão. Mãe, como à senhora vai me explicar isso...
— Não precisa falar mais nada... Escute
como se estivesse ouvindo um conto. Não interrompa. Depois conversaremos a
vontade. Interrupções agora vão me levar ao choro e me desorientar. Está bem?
— Sim, está bem...
— Faz muito tempo...
Uma noite, num baile de formatura
dançava com o Francisco e também com o Théo. Eram muito amigos. Não sei com
quem dancei mais. Eram ótimos. Enquanto rodava com meu par, olhava também para
o Théo que estava na mesa. Ele não tirava os olhos de mim, aguardando sua vez.
Éramos jovens, cheios de esperanças,
fazíamos mil projetos de vida. Os dois me mereciam. Mas eu tinha que escolher
um. Francisco se antecipando, convidou-me para um cinema. Éramos inseparáveis.
Às vezes o Théo se fazia acompanhar de uma eventual namorada, mas nunca firmou.
Em resumo fiquei noiva do seu pai, o
Francisco. Nosso amor era profundo. Seu pai, cadete da Aeronáutica, tinha Brevê
Internacional. Veio a guerra. Ele foi chamado. Sentimos a separação, mas também
era orgulho de todos sua convocação. Iria defender a pátria. Pilotar aviões de
caça P.47D Thunderbolt que tanto queria. No início trocamos muitas cartas, até
que elas foram arrefecendo-se.
Quando partiu, eu estava no início da
gravidez. Tinha o consolo do Théo, sempre com muito respeito. Respeito que
veladamente mostrava amor.
Acabou
a guerra, os Pracinhas voltaram ficando na Itália mais de mil mortos. Ninguém
dava informações seguras sobre meu noivo. Queriam coloca-lo na lista dos
Soldados Desaparecidos. Eu resisti até o ultimo momento.
Ele
pilotava um caça e suas missões eram distantes e perigosas.
Aconteceu... Assim contou: Seu avião foi
abatido, ele ejetou, mas caiu numa floresta, ficou sem documentos e sem sentido,
vagando pela mata. Ele não se descobriu quem era. Suas roupas e pertences foram
roubadas pelos nativos. Foi recolhido em um hospital aonde só tinham
mortos-vivos, e lá ficou inconsciente por dois anos.
Eu
tinha você e quando comprovado o desaparecimento do Francisco, eu e o Théo que
lhe acompanhou desde o primeiro dia, nos unimos e ele assumiu em definitivo a
paternidade.
Claro, quando Francisco reapareceu vivo,
depois de tanto tempo, compreendeu perfeitamente o acontecido. Desejou-nos boa
sorte. Reatamos aquela velha amizade e sob juramento devíamos guardar esse segredo a sete chaves.
Agora devemos desatar esse nó. Judicialmente,
nos debruçamos sobre o assunto e para seu bem, o melhor é deixar como está.
Você minha querida filha, é quem vai dar
a última palavra. Mas, por favor, pense, pense bem, não tome decisões
precipitadas. O Théo como pai, você conhece bem. O Francisco te aceita como
pai, ou como padrinho. Você decide.
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