CONTO
DE FÉRIAS Nº 4
DESVENDANDO VENÂNCIO
Carlos
A. Cedano
Com
seis messes de casada Marlene ainda estava botando ordem no apartamento. Era a
vez dos livros, e as prateleiras disponíveis, com certeza, não seriam
suficientes. Nesse momento chegou o marido, Gregório Benites:
— Gregório! Estamos com um problema!
— Qual é Marlene?
— Nossos livros! Não há espaço para
todos. Que sugere você?
— Faz uma coisa, seleciona os seus livros mais importantes, e doa os outros.
Deixa para mim o espaço que sobrar. Tá bem assim? Disse o marido em tom
autoritário!
— Certo! Farei assim.
Separando
os livros encontrou um que estava embrulhado e lembrou! Era o presente que
Venâncio tinha lhe dado por seu aniversario um ano antes. Nem sequer o tinha
aberto!
O
achado lhe trouxe tristes lembranças. Ele foi encontrado morto na frente da
faculdade e até agora o caso não tinha sido desvendado. Tinham se conhecido
numa festa da Universidade, ficaram muito amigos e eram vistos juntos com
frequência.
Marlene
folheou o livro, era um catalogo com letras de música brasileira. Ficou ainda
mais surpresa quando descobriu que havia páginas com muitas pistas de que ele
estava sendo perseguido e seria morto! O
livro estava cheio de palavras, frases assinaladas, post it coloridos aqui e
ali!
Um
forte sentimento de culpa a invadiu! Pensou nisso por muito tempo até que
decidiu decifrar a mensagem do amigo.
Através
da leitura soube coisas de Venâncio que desconhecia. Ele fazia tratamento psiquiátrico e nunca tinha me contado! Embora não estivesse explícito,
pela descrição de algumas situações, achou que Venâncio estava apaixonado por
ela!
Marlene
conseguiu cópia do inquérito policial de Venâncio. O resultado de sua autopsia
não era conclusivo. Podia ter sido, segundo o legista, assassinato por envenenamento
ou mesmo suicídio. E mais nada. Não havia relatórios de exames toxicológicos
nem laudos complementares. Marlene estranhou isso!
No
caso de ser assassinato- pensou ela - o motivo com certeza não seria roubo, sua
carteira tinha um bom dinheiro, estava usando com um relógio de marca e um
celular novo. O motivo seria outro! Qual?
Para
decifrar as mensagens e os post it do catalogo pediu ajuda de Mauro, advogado e
perito em investigações criminais e colega de trabalho. Ele a escutou
atentamente e ao longo da narrativa foi ficando mais interessado no caso. Ele
disse:
— Marlene! Preciso ler detidamente o
material que trouxe, me parece muito rico em pistas e possibilidades. Posso
ficar uma semana com ele?
— Com certeza Mauro, estarei ansiosa por
seu telefonema!
No
prazo, Mauro ligou e marcaram conversa num lugar discreto.
— Você estava certa Marlene. Venâncio
suspeitava de que seria assassinado e procurou um meio de contar pra você suas
suspeitas sem colocá-la em perigo. Alguém poderia ler o catálogo e por isso
usou um recurso engenhoso como você poderá verificar.
Primeiro
identifiquei os personagens envolvidos no inquérito. Além de numerosos colegas
e parentes interrogados, rapidamente descartados como suspeitos, também
apareciam referências a um psiquiatra, mas o nome do profissional não aparecia
no livro. Outro personagem é seu rival
político e ideológico! Dele Venâncio
disse: Após a vitória de Rafael fiz as
pazes com ele! Descartei-o como suspeito.
Venâncio faz muitas referencias à impertinência
de seu psiquiatra com perguntas como: Como
vai a relação com sua namorada? Vai casar com ela? Parece que sua admirada
ficou noiva, né! Esta tomando os remédios que lhe dou para a depressão? Em
todas as sessões as mesmas indagações Doutor!
— Marlene ficou surpresa! Era outra
coisa que ela ignorava de Venâncio. Então ele estava apaixonado por outra! E como conseguiu estabelecer a relação entre
essas frases? Perguntou Marlene para Mauro.
— As
frases do psiquiatra estão sublinhadas em vermelho e na pagina de cada uma
delas há um post it cor de rosa que as relaciona a través de um número e a
data. Precisamos identificar esse psiquiatra com urgência! Concluiu Mauro.
— Podemos
procurar na relação dos colegas interrogados. Provavelmente conheço alguns deles.
Disse Marlene.
— Essa relação está nos depoimentos que é
arquivada com os documentos do inquérito. Da pra arrumar disse Mauro.
Dois
dias depois Mauro estava com a lista dos depoentes. Marlene reconheceu alguns
nomes e foi conversar com eles, e conseguiu o nome do psiquiatra era João de
Deus Mansur vinculado a uma instituição de Saúde Pública do Estado, e também
prestava serviços como legista. O restante, endereço, telefone e outros dados
foram facilmente obtidos por Mauro.
— Já
liguei para o Psiquiatra Mansur, no começo relutou para atender-me. Após
insistir muito marcamos para daqui a três dias. Você não ira Marlene, quero ter
uma conversa num ambiente de confidencialidade. Em minha opinião, esta conversa
será decisiva! Concorda minha amiga?
—Tá
certo, disse Marlene, te desejo sorte!
No
consultório do Doutor Mansur:
— Em
que posso ajuda-lo Doutor Mauro?
—Venâncio
Rodrigues era seu paciente?
— Sim,
respondeu o psiquiatra secamente.
— Doutor
Mansur, o senhor foi o legista na morte do Venâncio e no seu relatório afirma
que o resultado da autopsia de Venâncio não foi conclusivo. Pode ter sido assassinado por envenenamento ou suicídio.
— Pela
minha experiência Doutor Mauro, isso era evidente e não eram necessárias
maiores indagações! Respondeu o médico.
— Pela
sua experiência Doutor? O senhor tinha a obrigação legal de realizar os
respectivos exames toxicológicos para saber a verdadeira causa, o senhor se
omitiu de seu dever!
Enquanto
Mauro falava não deixou de perceber o forte tremor nas mãos de psiquiatra ao
mesmo tempo em que seu rosto se empalidecia!
— Algo mais doutor, disse Mauro,
identificamos doze casos nos últimos dez anos, onze dos quais foram assinados
pelo senhor ou o outro legista. Nenhum deles apresenta laudos toxicológicos. Vocês
infringiram tantas vezes a lei!
O
psiquiatra desabou na cadeira, chorando histericamente. Após acalmar-se foi
levado à delegacia onde foi sometido a forte e intenso interrogatório. Acabou
confessando tudo.
Quase
no fim, o Doutor Mauro ainda perguntou ao psiquiatra:
— Evidentemente
o senhor conhece seu colega legista Doutor Gregório Matos que assina a metade
dos laudos, né?
— Sim,
tínhamos cumplicidade e “cobrávamos caro” pelos laudos! Respondeu Mansur. Ele arrumava os interessados nos nossos “serviços”.
— Mas
no caso do Venâncio o motivo foi outro, né Doutor?
— Sim,
foi passional! O Gregório tinha ciúmes violentos de Venâncio e sabia que
Marlene tinha uma forte queda por ele. Faria qualquer coisa para não perdê-la.
Até matar se necessário!
— E
qual foi o meio usado? Perguntou firmemente Mauro.
— Foi
um preparado feito a partir de uma receita do Gregório. Eu o transcrevia no meu
receituário e enviava para a farmácia de manipulação. Foi só dar uma pílula
para Venâncio. Veneno de efeito lento, porem fatal e indolor, não deixa rasto.
Guardei o bilhete que Gregório me deu!
Mauro
saiu da delegacia e foi para a vara de justiça criminal onde se encontraria com
Marlene. O que lhe diria? Como abordar a questão? Quando Marlene o viu entrar
na sua sala correu até ele e perguntou ansiosa:
— E aí, Mauro?
— Mansur
confessou e já está detido. Amanhã prenderemos o maior culpado: o mandante. Foi
crime passional! Venâncio já suspeitava dele quando o viu conversando com
Mansur.
— Pelo
amor de Deus Mauro! Quem é ele? Será que é quem eu imagino? Pergunto
Marlene desesperada!
— Sim! Foi o Doutor Gregório Benites, seu
marido! As pistas estão no livro em post it e as frases sublinhadas em preto: ele parece odiar-me. Outra diz: sorte que o namorado de minha amada não me
viu! A terceira diz: há... Ele também
é legista! Sim, ela tinha me falado!
Ouviu-se
um grito desgarrado vindo do mais fundo de sua alma seguido por um choro
convulsivo que parecia querer acompanhar a própria eternidade!
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