O GUARDIÃO DA PAZ - Suzana da Cunha Lima

 


O GUARDIÃO DA PAZ

Suzana da Cunha Lima

 

Ano de 2040.

A Terra à beira de um desastre apocalíptico.  O aquecimento global derretia geleiras, aumentava enormemente o volume de água dos mares, já havia alagado quase toda a orla marítima. A camada de ozônio tinha desaparecido e os raios do sol chegavam sem filtro, com toda sua luz mortífera. Assim, não havia mais chuva nem água potável.   Os desertos cresciam assustadoramente. Em pouco tempo haveria fome, lutas por terra e água e certamente guerra.

Os humanos eram governados por um colegiado composto pelos seus principais dirigentes.  Mas ninguém queria abrir mão da energia poluidora nem de seus artefatos nucleares, pois se sentiam ameaçados agora, por países que anteriormente eram seus satélites.

Ariel de nada sabia disso.  Acabara de ganhar seu feixe de luz como o mais novo Guardião do Universo. Era uma honra e tanto para um jovem que saíra há pouco de sua adolescência cósmica. Mal sabia que ganharia uma missão espinhosa. Havia um minúsculo planeta na periferia de uma pequena galáxia que estava construindo elementos radioativos, sem possuir conhecimento adequado de como manej­á-los.  E agora, um tsunami explodira uma usina nuclear importante.  O vento radioativo estava levando uma nuvem de radiação perigosa para todo o planeta e até o eixo da Terra fora afetado, interferindo  no tempo de sua rotação e em tudo mais no perfeito e delicado equilíbrio de seu sistema e de todo o Universo.

Ariel era um Guardião jovem, e como todos os Guardiões, tinha habilidades muito especiais. Seu cérebro tinha uma capacidade quase ilimitada de guardar e processar dados e ainda de oferecer soluções e alternativas em segundos.  Só se diferenciava de uma máquina porque não era imortal.  Podia viver muito, muito tempo, porém a radiação podia desintegrá-lo para sempre. Era um investimento precioso demais para permitirem isso, daí a razão da preocupação dos Conselheiros quanto à energia atômica.

Ariel foi instruído e capacitado para esta missão. Ele ajustou o tempo para chegar ao Japão no exato momento do tsunami e da explosão. E depois avançou no futuro para o ano de 2040, quando parecia que não haveria mais condição de vida num planeta seco, estéril, esfacelado por muitas guerras sem sentido e pelas irresponsabilidades de seus dirigentes.

Ficou olhando aquela desolação, terra calcinada onde nada mais brotava e imaginou onde estariam seus habitantes.  Seu olhar de Raio X atravessou o chão e notou alguns humanos vivendo em buracos e cavernas, como animais, lutando uns contra os outros na busca desesperada por água , tentando ficar fora da tremenda radiação solar.  Não  durariam muito. As doenças, a falta de água e alimentos, a crueldade e egoísmo haveria de aniquilar todos, com muito sangue, crueldade, miséria e dor.  

Seu cérebro digeriu aqueles dados todos e chegou a conclusão de que não havia mais o que fazer. Aquele planeta não merecia misericórdia e estava pondo em risco sua galáxia.  Sabia que tinha que destruí-lo de modo a não prejudicar os outros planetas da galáxia. Não titubeou. Em muito pouco tempo a Terra foi engolida por um buraco negro e desapareceu para sempre. A lua foi junto, mas os outros planetas se reagruparam de modo harmonioso e a paz voltou a reinar na galáxia.  Paz que também custou a vida do jovem e heroico Guardião.

JOE O MARUJO - Antonia Marchesin Gonçalves

 

 


JOE O MARUJO

Antonia Marchesin Gonçalves


 

                No século XIX o meio de transporte e trabalho era o navio à vela, que se movia com o vento a favor ou com fornalha de carvão. Eram navios de carga e também de passageiros, sendo que o Capitão e sua equipe eram lideres vindos da elite das grandes cidades da Europa. Todos tinham a equipe de trabalho braçal, os marujos. Joe era um marujo inglês apaixonado pelo seu trabalho e aventureiro, adorava conhecer outras paragens e tinha uma namorada em cada porto. Ele um rapaz de 22 anos, de família pobre e teve que trabalhar ainda criança para ajudar a família unida com quatro irmãos, ele o mais velho, mas havia estudado sabia ler e escrever. Por causa do trabalho braçal ele se tornou encorpado e bonito, moreno queimado do sol, olhos vivos cor de mel, dentes perfeitos e com sorriso encantador.

                Foi trabalhar para um navio inglês chamado Jóia da Coroa, tendo um capitão enérgico, autoritário de estatura média, gordinho e beberrão, descendente de família de Lordes. A desculpa para beber era que a esposa, o amor da sua vida tinha morrido deixando-lhe uma filha para criar, passando a viver com ele no navio. Rose era uma linda jovem de cabelos longos ruivos e olhos azuis intensos, pele de seda, tendo tido os melhores professores para sua formação. Ela pela sua formação era refinada, vestia-se com bom gosto, sempre no grito da moda, chapéus e vestidos para todas as ocasiões. Tinha-os de todas as cores, revestidos de rendas finas com babados, xales e quando saía do navio usava luvas e sombrinha, tudo comprado em Londres, Paris, Roma, etc.

                Joe era a alegria do navio, durante a viagem após o jantar, tomando sua cerveja pegava o violão, que ganhara de um professor que dizia que ele tinha o dom para música, alegrava os marujos com musicas típicas inglesas alegres e todos o acompanhavam, até o Capitão e filha do alto do convés assistiam. A primeira vez que ele viu Rose ficou hipnotizado, nunca tinha visto tamanha beleza e a partir daí as suas musicas eram dedicadas a ela, que não passou despercebido por Rose. Ela estava vestida toda de azul e branco, que fazia brilhar ainda mais seus olhos e abanava-se com o leque florido no mesmo tom do vestido, irresistível. Passou a vê-lo primeiro como simpático, depois bonito e aí percebeu que estava apaixonada, desaprovada pelo pai.

                Ele fazia de tudo para aproximar-se dela, mas com medo do pai tentava não demonstrar os sentimentos, começaram a trocar cartas de amor com ajuda do amigo confiável de Joe. Certo dia em pleno alto mar, os marujos perceberam que estava armando uma tempestade violenta, todos experientes avisaram o Capitão e seu jovem primeiro imediato que era apaixonado por Rose e tentava desmerecer Joe, dizendo que era exagero dos marujos, confiando em sua pouca experiência. Como Joe havia passado tormentas em navios anteriores, tinha muita experiência nessa situação. Desceu ao porão começou a tomar as providencias de proteção e com corda bem grossa amarrou os barris de madeira com mantimentos, ligando às colunas do porão com os nós de marinheiros bem seguros, fazendo isso não tinha riscos de rolarem de um lado para outro com perigo de desequilibrar o navio, em seguida fechou todos os compartimentos por onde pudesse entrar água e ficou no convés aguardando à hora fatídica. E ela veio. Primeiro com um grande vendaval, em seguida chuva violenta acompanhada de ondas imensas que invadiam o convés arrastando tudo, provocando um barulho assustador, inclusive quebrando o primeiro mastro.

                O Capitão bêbado não conseguia ficar em pé e seu primeiro imediato amedrontado como uma barata tonta sem tomar nenhuma atitude. Rose apavorada rezando em seu camarote. No convés marujos se revezavam para proteger os dois mastros restantes, e Joe se destacava liderando todos, sendo que o Capitão e equipe estavam totalmente perdidos sem ação. O navio às vezes adernava quase tombando, pois, o primeiro imediato que pilotava o leme não conseguia controlar como deveria. Joe percebeu e assumiu o controle do leme, ao mesmo tempo dava ordens aos marujos. Foi a hora mais longa, e todos achando que iam morrer.

Da mesma forma que veio a tempestade foi embora como mágica e até trouxe um sol salvador. Todos pulando de alegria que graças a Joe não tinham perdido nenhum homem. O marujo foi ovacionado. No dia seguinte o Capitão reuniu todos no convés e o pastor que sempre fazia parte fez a oração de agradecimento abençoando a todos e a ele mesmo que ficou o tempo todo rezando na pequena capela do navio, morrendo de medo.

                Joe foi condecorado tornando-se o primeiro imediato. O Capitão autorizou o namoro, só que pediu que esperassem chegar à Londres para realizar o casamento junto a seus parentes, que Joe se batizasse e com uma festa digna para sua Rose. Correu tudo como planejado e a partir daí nunca mais as famosas paradas nos portos.




               

                 


ENLACE SINESTÉSICO - Sergio Dalla Vecchia

 







ENLACE SINESTÉSICO

Sergio Dalla Vecchia

 

Era um baile de formatura, daqueles em grande salão de festas. Atmosfera branca, orquestra ao vivo com pista de dança, onde familiares conversavam alegres nas mesas lindeiras, incentivados pelo bom whisky e ritmados pelo som harmônico da música ao vivo.

O baile fluía em arco-íris, composto pelo colorido dos lindos vestidos e o do brilho laranja de alegria emanado pelos olhos dos jovens formandos.

Ao mesmo tempo, em um determinado lugar do salão, um rapaz com pensamentos amarelos em atenção procurava uma parceira para dançar, até que sintonizou no campo se visão um grupo de quatro moças descontraídas.

Atentou-se primeiro para a moça do vestido verde, quando sentiu uma certa tranquilidade de sucesso. Deslocou os olhos para o lado e deparou-se com a de azul, dos olhos da mesma cor, que lhe passaram muita confiança. Moveu a cabeça mais uma vez e apontou para a de rosa, que lhe transmitiu feminilidade e doçura.

Os predicados das jovens eram diversos e punham à prova seus pensamentos cautelosos, que poderiam facilmente se tornarem vermelhos de raiva caso não tivesse sucesso na abordagem.

Entretanto na última do grupinho, a sensação foi de atração absoluta. Seu olhar foi captado imediatamente por ela, que o devolveu na mesma intensidade, fulminante! O vestido laranja parecia sorrir, enquanto os olhares se mantinham em plena sintonia.

O rapaz flutuando no encantamento aproximou-se e lhe disse convicto:

─ Vim para dançar, aceita?

Ela sorriu vitoriosa para as amigas, enquanto uma mão forte abraçou de leve seu antebraço e a conduziu até a pista de dança.

A orquestra tocava Ray Conniff.

Logo o rigor preto do smoking encostou no receptivo laranja e se largaram pela pista afora.

Assim, o animado par dançou sem parar, evoluindo por muitas seleções, nos tons cinzas das novidades do amanhã.

A canção do flamboyant - Ises De Almeida Abrahamsohn

 



A canção do flamboyant

Ises De Almeida Abrahamsohn

 

Eram cinco e meia da tarde. O sol poente ainda iluminava o topo das árvores. A brisa fresca movia as folhas murmurando que ainda era primavera.

Nenhuma pessoa ou som. Até os pássaros tinham emudecido. Subiu as escadas devagar apreciando o silêncio. Estava no terceiro degrau quando ouviu um psiu junto ao ouvido. Parou e olhou em torno. Ninguém à vista. Deve ser o vento. Subiu mais alguns degraus e de novo, aquele chamado quase irreal, mais um roçar de seda do que voz. Não era o vento. Ficou ali, naquele minuto suspenso e esperou...

Olhe para cima, escutou. Percorreu com os olhos os ramos da enorme árvore que sombreava a escada. Por entre o verde da exuberante ramagem as primeiras flores vermelhas brilhavam iluminadas pelo sol. Eram as primeiras a desabrochar com seu colorido vermelho vivo que em algumas semanas tingiria a imensa copa.

E de novo ouviu a voz. Eu o conheço há muito tempo. Há exatos 42 anos. Vi você menino de 4 anos, depois ao aprender a nadar e o vi crescer. Algum outubro, quando tinha quinze anos, você se fantasiou de morcego.

O homem subiu os degraus e olhou a portentosa árvore. Lembrou-lhe o nome. Não era dado a lembrar nomes de árvores, mas essa era fácil, flamboyant. A mãe e a avó a cada primavera lhe apontavam a árvore florida. Flamboyant, sorriu. Extravagante, de fato merece o nome quando o vermelho incendeia a copa.

Continuou a recordar, a avó que amava plantas não estava mais com eles, mas estavam todos juntos, os pais e as duas avós na foto tirada ao pé da magnífica árvore. Depois lembrou como a noiva ficou maravilhada ao ver o esplendor da enorme copa vermelha, árvore inexistente em seu país.


Subiu ao terraço para esperar os pais. Olhou no celular. Flamboyant- Delonix regia. Poinciana é o nome nos Estados Unidos. Havia uma canção dedicada à árvore no disco que a mãe amava. Nat King Cole era o cantor. Procurou a letra: “Poinciana, your branches speak to me of love…”
https://www.youtube.com/watch?v=eXF7Fctprmg.



18 OUTUBRO – DIA DOS MÉDICOS – DIA DE SÃO LUCAS - Oswaldo U. Lopes

 


18 OUTUBRO – DIA DOS MÉDICOS – DIA DE SÃO LUCAS

Oswaldo U. Lopes

 

        Domingo 18 de outubro lá estava Jorge Antônio no Pronto Socorro do HC. Não se podia dizer que estivesse de plantão. Na sua idade, 72 anos, não dava mais plantão, estava ali porque queria, era seu vício, sua cachaça e como qualquer outro vício, era difícil de largar.

        Em tempos de COVID – 19 era até bem-vindo, sua experiência ajudava muito. Já tinham tentado tirá-lo dali sua idade o colocava no grupo de risco.

         Tinham tentado delicadamente, ele só levantou o olhar e o interlocutor mandou-se antes de ser atingido por algum objeto que estivesse ao alcance da sua mão. Tinham tentado mais incisivamente, até muito, com pouco resultado, ou seja, muito pouco haviam conseguido.

        Ficou pensando em São Lucas, era médico, São Paulo assim o tratava, desde tempos imemoriais sua figura era associada a um boi (ele até sabia que para os outros três a associação era com leão, águia e anjo). Pensava-se que como o boi ou o touro fosse o animal por excelência dos sacrifícios mais elevados e ele era o evangelista que melhor narrara a crucificação de Cristo, assim ficara associado. Outros viam na figura do touro, a menção ao Templo. O evangelho de Lucas começa e acaba no Recinto Sagrado de Jerusalém.

        Era de longe o mais literário e bem escrito dos evangelhos, Lucas fez uso do grego de uma forma poética e prazerosa de ler. Como é que diziam “de médico e louco todo mundo tem um pouco”, Lucas tinha de poeta, para ele, de médico e poeta tinha muito.

        Até que agora o PS andava mais calmo, parecia que o número de casos da pandemia ia aos poucos arrefecendo. Será? Perguntava-se.  Para ele, no entanto, enquanto houvesse casos eles importavam mais do que o número.

        Isso levou seu pensamento para André, jovem engenheiro eletricista que como ele não se entregou e dava um duro danado para manter o serviço elétrico do Hospital funcionando. Os primeiros sintomas apareceram no sábado, e no domingo fora trazido ao PS.

        Febre alta, falta de ar, consciência fraca, 10 na escala de Glasgow. Fizeram o que de melhor podiam: oxigênio, cortisona, anticoagulantes, antibióticos e antivirais. Apesar do cuidado, acabaram tendo que entubá-lo depois de três horas, e ligaram um respirador. Fora parar numa UTI com apenas quatro leitos, para um atendimento super especial e era lá que Jorge Antônio ia frequentemente vê-lo.

        Levantou-se e foi. Entrando na pequena enfermaria, no silêncio escuro que podia sentir, viu um vulto negro perto da cama de André. O vulto carregava algo na mão que podia ser uma vassoura. Uma auxiliar, alguém da limpeza?

        Atento aproximou-se do leito do jovem. Imediatamente percebeu que o respirador estava desligado. Pela cor de André viu que fazia pouco tempo, rapidamente ligou de novo o aparelho e viu as cores se recuperarem.

        Ficou ali parado, olhando os registros de batimentos cardíacos, respiração e temperatura. As coisas andavam melhor do que era de se esperar. Pensativo tentava entender que era o vulto que desligara o aparelho. Ocorreu-lhe que de fato a vassoura bem podia ser um alfanje.

        Nunca vira assim de perto sua mais tenaz inimiga, seria a morte que por ali andara? Séptico guardou para si aqueles pensamentos e na memória aquela figura negra com a gadanha, lembrando o arcano 13 do Tarô.

        Era até curioso sua intimidade e seu conhecimento sobre a morte, a grande rival do médico. Dentre suas conhecidas qualidades estava a sua incrível capacidade de recuperar pacientes em condições ditas desesperadoras, tinha até gente que dizia ter ele um acordo com a parca. Se ele se empenhava muito ela postergava o carregamento.

        Ele ignorava essas brincadeiras, mas a superara inúmeras vezes. Mistério ou não, calava-se. Mas, aquela fora a primeira vez em que julgara tê-la visto de verdade.

        Quando voltou mais tarde, André estava bem melhor e já não tinha o respirador. Ficou pensando que sua adversária era dura, mas honesta.

        Quando derrotada, retirava-se e evitava a goleada. Afinal não ia levar um moço valente daqueles no dia dele, São Lucas.


EL PRESO NUMERO NUEVE – UMA CANÇÃO MACHISTA? - Oswaldo U. Lopes

 



EL PRESO NUMERO NUEVE – UMA CANÇÃO MACHISTA?

Oswaldo U. Lopes

 

        A resposta simples a esta pergunta é: sem dúvida.

        Como sabemos, porém, na vida as respostas mais simples, são as que pouco adiante levam.

        Essa canção mexicana ficou famosa interpretada pela cantora folclórica americana Joan Baez. Filha de um físico e matemático mexicano que imigrou para os USA muito jovem, ela além de uma linda voz, tem uma clara pronuncia espanhola o que é muito raro entre músicos americanos.

        Definir Joan Baez como cantora folclórica é quase um insulto à sua longa e maravilhosa carreira. Fez parte do movimento de contracultura dos anos 60, pacifista, escreveu e cantou diversas e notáveis canções de protesto. Teve um longo caso amoroso com Bob Dylan que terminou em separação ruidosa. Em função desse romance compôs uma esplêndida canção: Diamonds & Rust.

        Bem, por que uma ardorosa cantora feminista e pacifista gravaria uma canção tão machista? Vai ver que ela não é tão machista assim, ou pelo menos tem um alto valor no cancioneiro mexicano.

        A história do preso número nove é simples e direta. Mineiro (pueble na letra) ia do trabalho para sua humilde casa quando viu sua mulher nos braços do seu mais caro amigo. Matou os dois.

        Condenado à morte por fuzilamento conversa com o padre do presidio e não mostra nenhum arrependimento: Y se vuelvo a nacer, Yo los vuelvo a matar.

        A letra é contundente: Padre no me arrepiendo Ni me da miedo la eternidad.

         A história do México não é simples como bem sabem os jovens alunos das escolas locais. Teve de tudo: domínio Asteca, invasão espanhola, vice-reinado, império, reis franceses, república etc.

        Quem imagina que a presença francesa teve pouca influência, não foi comprar pão numa padaria mexicana, e elas existem por todo lado. Apanhe uma grande cesta e coloque ali o legitimo pão francês, brioches, croissants e os mais diferentes e saborosos bolos.

        Quem já ouviu um conjunto Mariachi sabe o quanto eles são representantes da cultura local, o que muitos não sabem é que a palavra vem do francês mariage. Alguns dizem que no inicio eles tocavam nos casamentos e assim ficaram conhecidos.

        Bem, e o preso número nove? È um típico caso de crime de honra como são conhecidos os assassinatos de mulher traidora.  Quem acha que só tem no México nunca ouviu Cabocla Tereza de João Pacifico.

        É bom enfatizar que o preso número nove, vai ser fuzilado pelo crime cometido. Nem sempre isso acontece, há pouco houve um ruidoso caso que chegou ao Supremo Tribunal de uma absolvição de crime de honra.

        Misturado tudo, o preso número nove é uma canção típica mexicana que contem todos os elementos esperados num caso de honra, mas tem justiça feita, embora não exaltada na letra. Acredito que Joan Baez emprestou sua linda voz a esta musica para honrar suas origens latinas e o fez de modo brilhante, pois a converteu num estrondoso sucesso.

        É não há história simples, sempre corre muita água rio abaixo e fogo morro acima, o mundo gira e nóis roda. Roda de não o entender ou de querê-lo muito simples, e isso ele não é.



El Preso Numero Nueve

Joan Baez

 

El preso numero nueve ya lo van a confesar

Esta encerrado en la celda con el cura del penal

Y antes del amanecer la vida le han de quitar

Porque mató a su mujer y a un amigo desleal

Dice así al confesar

Los maté si señor

Y si vuelvo a nacer

Yo los vuelvo a matar

Padre no me arrepiento

Ni me da miedo la eternidad

Yo se que allá en el cielo

El ser supremo nos juzgará

Voy a seguir sus pasos

Voy a buscarla hasta el más alla

Ay

El preso numero nueve era un hombre muy cabal

Iba en la noche del pueble muy contento en su jacal

Pero al mirar a su amor en brazos de su rival

Ardió en el pecho el rencor y no se pudo aguantar

Al sonar el clarín se formo el pelotón

Iban al paredón solo alcanzo a decir

Padre no me arrepiento ni me da miedo la eternidad

Yo se que allá en el cielo el ser supremo nos juzgará

Voy a seguir sus pasos voy a buscarla hasta el más alla

Ay

 

 


No começo, só havia o TEMPO - Suzana da Cunha Lima

 





No começo, só havia o TEMPO

Suzana da Cunha Lima

 

No começo só havia o Tempo, Cronos.  Ele preenchia todos os espaços, era único e onipotente.  Mas Cronos se sentia miseravelmente só, pois não tinha ninguém com quem partilhar tanto Poder e Grandeza. Então chorou, e as lágrimas do tempo são caudalosas, de tal maneira que alcançou Geia, uma bola de fogo que por ali passava meio perdida, e apagou seu fogo. O fogo transformou-se em nuvens e as nuvens produziram água, e Geia se transformou num pequeno e viçoso planeta. Cronos se encantou com esta habilidade de Geia e tomou-a como esposa.

Tiveram muitos filhos, mas Cronos, enciumado, os devorou todos. Até que Geia, revoltada, guardou seu último filho a quem chamou de Zeus e ordenou que ele acabasse com Cronos, para que suas crias vingassem.

Zeus não teve coragem de matar seu pai, apenas transferiu seu poder de matar para os humanos, que muitas vezes matam o tempo, mas não têm o poder de ressuscitá-lo ou guardá-lo para si mesmos. Como se matam entre si, mesmo sabendo que a morte não os devolve, como o tempo perdido também não volta mais.

Mas, apesar de tudo, as pequenas formas de vida que criavam não iam para frente, morriam todos.  Pensaram que era uma maldição de Cronos, mas Zeus reparou que faltava outro elemento essencial à vida: O AR. Sozinho ele não tinha o poder de criá-lo, então casou-se com Juno, uma bela estrela, que lhe deu o primeiro filho Eólio, o ar que anda.  Sua missão era colocar ar no planeta e, fazê-lo se movimentar para que houvessem sempre nuvens e elas pudessem criar a água, nem sempre em harmonia, como sabemos.

Assim aquele pequeno planeta azul foi criado com os quatro elementos essenciais à vida: terra, água, ar e fogo. Mas até hoje guarda o carma da violência, ciúme e traição com que foi criado.

BIA PARTIU - Oswaldo U. Lopes

 




BIA PARTIU

Oswaldo U. Lopes

 

 

        Bia partiu, deixou saudades, levou esperanças. Saiu andando pelo caminho que margeia o riacho. Este, para alegrar a despedida resplandeceu de azul cristalino.

        Era tarde, mas não tinha escurecido por completo. O verde das árvores, ainda era verde, o amarelo pálido das casinhas, continuava pálido.

        Quem é mesmo que explicara a diferença entre pigmento e luz usando os prismas de Newton? A lembrança na memória também era pálida. A cor depende da luz e depende, sobretudo, da retina e do cérebro que processa tudo isso.

        Tudo muito claro no colorido esmaecido da tarde que vai caindo.

        Mas o fato é que Bia estava partindo e, portanto, sua alegria, seu sorriso que emprestavam cores aos objetos, as plantas, iam fazer falta.

        Os pigmentos iriam ficar mais fracos, mais confusos, mais misturados. O prisma de seu olhar não estaria mais aí, para realçar o brilho individual das cores. Bia rindo enchia o cenário de matizes alegres, agora vai fazer falta, muita falta.

        Será que volta? Será que vai espalhar suas cores noutras paragens? Vamos sentir bastante a ausência dela, gostaria que ficasse, mas não ficou.

        Será que saudade tem cor?

LUTA PELA SOBREVIVÊNCIA - Antonia Marchesin Gonçalves

 




LUTA PELA SOBREVIVÊNCIA

Antonia Marchesin Gonçalves



Conheci Giovana com os meus dez anos ela tinha a mesma idade que eu, só que com a aparência de adolescente e mais madura, já eu miúda mais criança. Foi quando a família dela se mudou numa rua vizinha a nossa. As mães se conheceram fazendo compras na vendinha e quitanda perto de nossas casas, Carmela chamava-se a mãe e Lia a irmã mais nova, já o pai apagou na minha memória o seu nome, nunca gostei dele.

             A empatia entre as duas famílias foi imediata, sendo que éramos de origem italiana, nada normal no bairro na época. Logo de inicio percebemos as diferenças entre nós, enquanto nós crianças brincávamos, as mães se confidenciavam nos seus desabafos. Nossos pais ao contrario não tiveram a mesma empatia, meu pai não teve nenhuma afinidade com o pai delas, fui descobrindo aos poucos depois, a razão.

             Meu pai era do bem, trabalhava bastante, bebia no fim do dia, principalmente aos domingos, e aí não tinha papas na língua, motivo esse de algumas divergências com o vizinho, ele recebia o salário entregava inteiro para minha mãe que administrava com competência. Já o pai da Giovana empoado olhava toda a vizinhança com desdém se achando superior a todos. Trabalhava e dava o dinheiro contado com ordem expressa de comprar só o que ele gostava de comer, não se importando com a mulher e filhas, inclusive o que mais chocou meus pais é que ninguém podia comer o que era dele, era separada e as três às vezes comiam arroz puro, muitas vezes elas lanchavam em casa.

             Às vezes Carmela aparecia com olho roxo, marcas nos braços e pernas, minha mãe questionava, ela respondia que havia batido na mesa, armário ou caído, sabíamos que ele batia nela, sendo sempre perdoado dizia que ele era traumatizado de guerra, mesmo os irmãos dela queriam que o largasse propondo ajuda, não o largava.  Logo que as meninas cresceram mandou que procurassem trabalho e não deixou que estudassem. Giovana fez curso de simples de cabeleireira e a irmã de manicure as três com a ajuda dos familiares da Carmela alugaram um salão de beleza perto de casa.

             Nossa amizade se mantinha boa, mas nos víamos pouco, pois eu também já trabalhava na secretaria do Banco Frances e Italiano na Boa Vista. Até que o meu marido, na época colega do meu irmão, estudantes de engenharia na Poli, se encantou comigo. Ele sabia o horário que eu chegava de ônibus no fim da tarde ficava a minha espera sempre com um bombom ou chocolate no ponto que eu descia que por coincidência era em frente ao salão delas. Depois de um tempo, eu chegava e encontrava sempre os dois à minha espera, mal sabia eu que minha amiga já antevendo futuro promissor dele, começou a se insinuar, acabou me confessando quando já éramos namorados.

             A partir daí o rompimento da amizade foi automática, nada falamos uma para outra, rompeu-se o elo que nos unia, culminando com a mudança delas para outro bairro. Acredite, o pai delas teve um derrame anos mais tarde, viveu na cama por anos, sendo cuidado por Carmela e filhas até morrer. Cheguei a vê-las antes disso, não era mais aquela amizade, não havia mais a cumplicidade que um dia havíamos compartilhado. E, ainda comentaram com minha mãe que eu tinha tido sorte com o meu casamento, ainda bem que eu tinha o corpo fechado contra inveja.

            


NA CAPELA DO HC - Oswaldo U. Lopes

 


NA CAPELA DO HC

Oswaldo U. Lopes

 

        Quando era residente do HC (Hospital das Clínicas da FMUSP) muitas e muitas vezes subi ao 11º andar para rezar ou pelo menos ficar quieto em silêncio pensando na vida. Naquele tempo a capela era a única construção do 11º andar.

        Acho que não é exagero compará-la ou pensar nela como quem está no Vaticano. Você não entra na Igreja de São Pedro e acha que vai rezar como em qualquer Igreja. No mínimo vai dar de cara com a Pietá de Miguel Ângelo e mesmo tendo-a visto em centenas e milhares de reproduções, vai se emocionar e entender porque ele gravou na tira que atravessa o colo de Maria, o próprio nome:

MICHAEL ANGELUS BONAROTUS FLORENT FACIEBAT

        Ele tinha na época 23 anos e parece que ninguém acreditava que um jovem escultor pudesse fazer aquela extraordinária maravilha, dai que ele resolveu assiná-la.

        Bem voltemos à capela do HC e porque quando você entra nela, lembra-se do Vaticano. Em que outra Igreja de São Paulo se encontram reunidas no mesmo conjunto, obras de Victor Brecheret, Fúlvio Pennacchi e Emiliano Di Cavalcanti?

        Naquele tempo era conhecida como Capela da Esperança ou do Espirito Santo por causa de um vitral colocado em posição superior. Hoje chamam-na Capela de São Camilo, mas isto se deve a presença recente dos Padres Camilianos como guardiães da Capela.

        Nas laterais do altar-mor dois afrescos de Pennacchi impressionam pela qualidade e sutileza da pintura. Pennacchi era conhecido pela perfeição e domínio da técnica do afresco, que aprendera na Itália, seu país de origem. Ele aqui deixou sua marca registrada. Do lado esquerdo a Anunciação à Maria, no lado direito a Ceia de Hemmaus. Difícil descrevê-los, melhor será vê-los. Visite-a quando puder. A mim a figura do anjo na Anunciação e dos discípulos reconhecendo Cristo pela partição do pão são inolvidáveis.

        Brecheret, não sei a razão, colocou seu melhor talento a serviço da Capela. Lá estão um magnifico Cristo Crucificado, um São Paulo heráldico e as deslumbrantes 14 Estações da Via Crúcis. Originalmente em terracota, como eu as vi, hoje, por motivo de conservação, substituídas por cópias de bronze, é nelas que ele expôs todo seu talento e capacidade. Os originais estão desde 1982 guardados no Museu de Arte Sacra.

        A cruz que aparece e domina o conjunto da Via Sacra é representada em 12 das 14 estações. Brecheret usou um simples T para representá-la, o mesmo T que usou na cruz do Cristo que é o centro do altar mor, mas o uso que fez dessa cruz é notável. As figuras que compõe as estações, todas simplificadas, mas perfeitamente reconhecíveis formam um conjunto único digno de Michelangelo que mencionamos lá atrás.

        Alguns, mais afoitos, pensarão que falta a 15ª Estação, a da Ressureição. A criação desta, no entanto, foi sugerida pelo Papa João Paulo II, durante seu pontificado (1978-2005). No entanto, na época em que Brecheret fez o conjunto tinha por volta de 20 anos e provavelmente não tinha ideia de que seria Papa e de sua importância na vida da Igreja Católica.

        De Di Cavalcanti são os desenhos que deram origem a vários vitrais, alguns repetidos, que ajudam a iluminar a Capela. Lá estão os lírios e palmas cercando um anjo, Quatro desenhos representando os Evangelistas:  um touro para Lucas, uma águia para João, um anjo para Mateus e um leão para Marcos. Há também uma figura central, a pomba branca que representa o Espirito Santo.

        Confesso que às vezes contemplava a pomba branca pensando na piada que um frade franciscano me contara:

        Havia muito tempo, viviam dois papagaios nos jardins do cura local (Espanha, por certo). Um muito religioso e o outro muito desbocado. Por coincidência morreram com pouca diferença de tempo. O boquirroto foi direto para o inferno, mas ficou muito surpreso de lá encontrar o beato e perguntou-lhe:

- Hombre que passo?

- Bueno Yo estava volando para el cielo quando vi una mui linda palomita e la salude – Guapa

- Que mal habia?

- Resulta que era el Espirito Santo.

        Pois é amigo, nem todas as vezes que vamos a capela, rezamos fervorosamente, ocasiões há em que divagamos, como humanos que somos, perdidos em bobagens e histórias que nos acodem a memória enquanto tentamos entender os desígnios do dono da Capela.

        Por fim, e meio repetidamente, volto a minha sugestão, se puder visite a capela, mesmo se não for crente, nem for para rezar, terá a oportunidade de contemplar alguns exemplares da melhor arte religiosa que o Brasil já produziu.

 

A fuga de Jorge Fonseca - IGUAÇU - PERTO DE MANAUS - Oswaldo U, Lopes

 




A fuga de Jorge Fonseca 

Oswaldo U, Lopes

IGUAÇU -  PERTO DE MANAUS


        A história é simples, o lugar também, Iguaçu, norte de Manaus. Jorge Fonseca estava lá, fugindo. Fugindo da chuva, do mau tempo e, sobretudo, de Hilário Prugis. O milionário criador de gado, mas também, o queimador de florestas, responsável pela metade das queimadas na região amazônica.

        Jorge descrevera, sem meios termos nem meias palavras, a vida e os “feitos” do novo herói da mata destruída no jornal de Manaus. A perseguição se tornara inevitável. Hilário tinha dinheiro à vontade e também vontade de matar desafetos.

        O jeito fora escapar e isso era o que Jorge fazia em Iguaçu. Ou melhor, tentava fazer naquele minúsculo e vagabundo hotel de Iguaçu.

        Tentava porque com uma rajada a janela se abriu e a ultima coisa que ele viu foi o brilho da carabina.