18 OUTUBRO – DIA DOS MÉDICOS – DIA DE
SÃO LUCAS
Oswaldo
U. Lopes
Domingo 18 de outubro lá estava Jorge
Antônio no Pronto Socorro do HC. Não se podia dizer que estivesse de plantão.
Na sua idade, 72 anos, não dava mais plantão, estava ali porque queria, era seu
vício, sua cachaça e como qualquer outro vício, era difícil de largar.
Em tempos de COVID – 19 era até
bem-vindo, sua experiência ajudava muito. Já tinham tentado tirá-lo dali sua
idade o colocava no grupo de risco.
Tinham tentado delicadamente, ele só levantou
o olhar e o interlocutor mandou-se antes de ser atingido por algum objeto que
estivesse ao alcance da sua mão. Tinham tentado mais incisivamente, até muito,
com pouco resultado, ou seja, muito pouco haviam conseguido.
Ficou pensando em São Lucas, era médico,
São Paulo assim o tratava, desde tempos imemoriais sua figura era associada a
um boi (ele até sabia que para os outros três a associação era com leão, águia
e anjo). Pensava-se que como o boi ou o touro fosse o animal por excelência dos
sacrifícios mais elevados e ele era o evangelista que melhor narrara a
crucificação de Cristo, assim ficara associado. Outros viam na figura do touro,
a menção ao Templo. O evangelho de Lucas começa e acaba no Recinto Sagrado de
Jerusalém.
Era de longe o mais literário e bem
escrito dos evangelhos, Lucas fez uso do grego de uma forma poética e prazerosa
de ler. Como é que diziam “de médico e louco todo mundo tem um pouco”, Lucas
tinha de poeta, para ele, de médico e poeta tinha muito.
Até que agora o PS andava mais calmo,
parecia que o número de casos da pandemia ia aos poucos arrefecendo. Será?
Perguntava-se. Para ele, no entanto,
enquanto houvesse casos eles importavam mais do que o número.
Isso levou seu pensamento para André,
jovem engenheiro eletricista que como ele não se entregou e dava um duro danado
para manter o serviço elétrico do Hospital funcionando. Os primeiros sintomas
apareceram no sábado, e no domingo fora trazido ao PS.
Febre alta, falta de ar, consciência
fraca, 10 na escala de Glasgow. Fizeram o que de melhor podiam: oxigênio, cortisona,
anticoagulantes, antibióticos e antivirais. Apesar do cuidado, acabaram tendo
que entubá-lo depois de três horas, e ligaram um respirador. Fora parar numa
UTI com apenas quatro leitos, para um atendimento super especial e era lá que
Jorge Antônio ia frequentemente vê-lo.
Levantou-se e foi. Entrando na pequena
enfermaria, no silêncio escuro que podia sentir, viu um vulto negro perto da
cama de André. O vulto carregava algo na mão que podia ser uma vassoura. Uma
auxiliar, alguém da limpeza?
Atento aproximou-se do leito do jovem.
Imediatamente percebeu que o respirador estava desligado. Pela cor de André viu
que fazia pouco tempo, rapidamente ligou de novo o aparelho e viu as cores se
recuperarem.
Ficou ali parado, olhando os registros
de batimentos cardíacos, respiração e temperatura. As coisas andavam melhor do
que era de se esperar. Pensativo tentava entender que era o vulto que desligara
o aparelho. Ocorreu-lhe que de fato a vassoura bem podia ser um alfanje.
Nunca vira assim de perto sua mais tenaz
inimiga, seria a morte que por ali andara? Séptico guardou para si aqueles
pensamentos e na memória aquela figura negra com a gadanha, lembrando o arcano
13 do Tarô.
Era até curioso sua intimidade e seu
conhecimento sobre a morte, a grande rival do médico. Dentre suas conhecidas
qualidades estava a sua incrível capacidade de recuperar pacientes em condições
ditas desesperadoras, tinha até gente que dizia ter ele um acordo com a parca.
Se ele se empenhava muito ela postergava o carregamento.
Ele ignorava essas brincadeiras, mas a
superara inúmeras vezes. Mistério ou não, calava-se. Mas, aquela fora a
primeira vez em que julgara tê-la visto de verdade.
Quando voltou mais tarde, André estava
bem melhor e já não tinha o respirador. Ficou pensando que sua adversária era
dura, mas honesta.
Quando derrotada, retirava-se e evitava
a goleada. Afinal não ia levar um moço valente daqueles no dia dele, São Lucas.
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