NA
FORQUILHA, O TEMPO.
Mario Augusto
Machado Pinto
— Você sabe que sou vidrado em guardar
coisas, lembretes, recortes de jornais, de revistas, etc. É disso que estou
falando...
— Claro. Você junta
e, com o tempo, tudo vira lixo, até mesmo as pastas próprias para arquivar
coisas. Cara, hoje em dia, quer dizer, há bastante tempo você pode guardar “Na
nuvem” e deixa ordem para alguém “subir e
abrir o tal do arquivo”. Moderniza!
— Não se trata disso,
espaço coisa e tal. É mais. Gosto de manusear papel, tocar objetos, ver álbuns
de fotos, sentir bijuterias nas mãos, etc. Tudo isso me leva a viajar no tempo,
me traz lembranças, alegrias e, de vez em quando, tristezas, mas eu gosto.
— Então, faz!
Do modo como estou
falando até parece que foi fácil ter um guardador de pequenos objetos, papeis e
documentos. Não foi não. É que eu queria cumprir com uma promessa que fiz a
pedido da vovó Salete: colocar num só lugar coisas que nos caracterizavam e com
os quais seria possível traçar uma linha/relação de pessoas de uma mesma
origem, conhecer antepassados e, deles, algumas de suas coisas bem como
notícias da época.
Cumpri. Arranjei a tal da caixa-forte, coloquei um
monte de coisas dentro – Imagine, vovó Salete colocou até roupa, o seu vestido
de noiva! Ficou atulhada. E tratei de arranjar lugar pra colocar a dita cuja.
Devo dizer que não queria enterrá-la, queria poder olhar pro local dela e
suspirar cansado de esperar por anos. trinta! Bem, colocaria numa forquilha do
carvalho da frente da casa do nosso sítio.
Contei pra
familiagem toda e, claro, choveram objeções e gozação de todo lado: “Loucura,
besteira, coisa de sonhador e de uma velhota, e se precisar vender o sítio?” E
se , e se, e se que não acabava mais. Resolvi correr sozinho o risco e o custo
para fazer da forquilha um local seguro pra caixa-forte. Comprei o sítio do
papai em vida pra ter segurança. Ficou com a metade do valor e deu o saldo pra
meus irmãos.
Os anos se
passaram. Chegou o dia. Minha mulher e meus filhos estão ao meu lado olhando
pra mim ansiosos pra romper a casca protetora da caixa-forte e ver, tocar,
comentar sobre seu conteúdo.
Apesar de saber do
seu conteúdo confesso que também estava ansioso e porque não dizer, trêmulo, de
boca seca e, cúmulo, transpirando frio. Até Pixulé, nosso dogue sabia que se
passava algo, andava em círculos e sempre parava na minha frente e latia. Foi
quando o Fafo, meu caçula falou:
— Tenho uma
proposta, mas não quero discussão: deixar fechada por mais dez anos, assim
Papi, seus netos poderão saber como era a vida no tempo da Bisa. Que acham?
E eu perguntei:
— E eu como faço?
— Uai, faz força
pra viver até lá. Não vai ser difícil. A Bisa se “mudou“ com 98 anos!.
Afinal a proposta
foi aprovada por unanimidade, fomos comer o churrasco que o Seo Tico estava preparando
no caramanchão, mas ainda ouvi:
— Pô, o Papi bem
que podia comentar sobre alguma coisa da caixa, né?
— Orra meu! Você é
um pé no saco, cara! Deixa o véio sossegado, seo!
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