A caixa de rapé
Ises
A. Abrahamsohn
Lembro-me de ter
visto aqueles dois objetos pela primeira vez quando eu tinha uns oito anos.
Minha mãe me chamou para mostrá-los e ensinar como polir prata. Um era uma
caixinha retangular de uns sete centímetros com tampa articulada decorada com
arabescos. Na base havia em letras góticas o nome Doktor Georg Telemann, die
Stadt Hannover, e a data 1807. O segundo objeto era um “lorgnon” de haste e
armação em prata, com as lentes intactas. A caixinha destinava-se a guardar
rapé e fora presenteada pela cidade a um longínquo tio tetravô, professor de
alguma ciência médica na universidade. O lorgnon pertencera ao mesmo doutor. Os
objetos sobreviveram às duas grandes guerras, guardados por minha avó cujo pai
era médico numa pequena cidade alemã.
Desde
aquele primeiro encontro me afeiçoei àqueles objetos. Sempre considerei a
caixinha como um talismã. Já adolescente, ao polir a tabaqueira, conjurava a
imagem do tal Dr. Georg. Alto, imponente, de fraque preto e colarinho duro, com
o lorgnon cravado no nariz, dispensava sabedoria aos alunos em um vetusto
anfiteatro de medicina. De quando em quando, servia-se de uma pitada de rapé
para depois espirrar em um alvo lenço de linho bordado. Ao fazer o exame vestibular para o curso de
medicina, olhei pela porta entreaberta de um dos anfiteatros da faculdade e,
súbito, eu o vi. Dirigiu-me uma piscadela amistosa e acho que me deu sorte
naquela difícil prova prática de física. Nunca mais vislumbrei o professor no prédio da faculdade mas ainda conservo bem
cuidada a sua tabaqueira.
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