A suindara - Ises de Almeida Abrahamsohn



A suindara
Ises de Almeida Abrahamsohn

Era um povoado  à beira do Juruena, afluente do Tapajós, na Amazônia paraense.

A vinte horas na canoa de motor de popa até o vilarejo mais próximo, os habitantes viam chegar o regatão a cada três semanas, isso quando  não era época de cheia. Eram quase todos caboclos, alguns cafuzos e um grupo de índios que morava em algumas malocas que tinham se agregado há dois anos ao povoado. Eram cristãos, mas não desprezavam as entidades indígenas e os seres misteriosos das matas. Nas casas de pau a pique as redes se aglomeravam num aposento único de dormir e a varandinha  abrigava o fogão.  A única casa  caiada e com porta era a capela. Na mesa tosca escondida  por um pano alvo debruado de crochê, um crucifixo de madeira e uma estatueta de Maria eram ladeados de duas  lamparinas  e um missal.


Antonino, um caboclo de uns 30 anos,  aos domingos lia uma passagem do  livro  para os devotos.  Tinha aprendido a ler e escrever em Santarém,  numa missão de padres alemães, dos quais tinha ganho o crucifixo e o missal.  Também ensinava às crianças a ler, escrever e contar. Aquele mês de março foi infausto. Morreram  de febre duas crianças índias e também uma cunhã, ao dar a luz. A curandeira da tribo viu a coruja branca, a suindara  ou rasga-mortalha, voando do telhado da capela e soltando o seu pio agudo e característico.  No dia seguinte espalhou-se o rumor. Antonino seria a Matintaperera, criatura que se transforma em ente voador de mau agouro, anunciador de mortes e que só pode ser apaziguado com fumo. Pedaços de fumo apareceram na soleira do casebre de Antonino. A índia velha fez pajelança à frente da casa. O pessoal do vilarejo passou a evitá-lo e a não mais comparecer à capelinha onde habitava a coruja branca. O pio noturno da ave acompanhava o deslocar das nuvens escuras moldadas pelo vento nas quais o povo reconhecia  a criatura maléfica sobrevoando os telhados. Em abril, mais cinco crianças adoeceram entre os índios e entre os novinhos do povoado. Que doença misteriosa era aquela que avermelhava o corpo, dava falta de ar e matava os mais débeis? Antonino, acusado de estar fugindo, enfrentou a longa jornada de barco e conseguiu trazer a agente de saúde já preparada com antibióticos e  vacinas. A doença era sarampo! Antonino se reabilitou. Na capela, de novo cheia aos domingos, explicou a doença e falou a favor da suindara que deveria continuar a morar na capela e a manteria livre de insetos e outras pragas. 

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