Gringa sabida
Ises
de Almeida Abrahamsohn
Há
sessenta anos o hoje chamado bairro de Moema era Indianópolis. No lado dos
“índios”, isto é, onde as ruas têm nomes de nossas esquecidas e remotas tribos as
ruas eram ainda de terra e córregos corriam a céu aberto. O bairro era fabril:
fogões Junkers, metalúrgica Barbará, tintas Sherwinn-Williams, tecelagem
Indiana empregavam os operários que moravam ali mesmo no bairro, nas muitas
vilas operárias de casas modestas e dignas. Andava-se de bonde, de bicicleta e
muito a pé. A meninada índia brincava na rua, nos terrenos baldios e disputava
loucas corridas de bicicleta e de rolimã.
Tinha
eu de oito para nove anos quando chegaram os colegas da turma da rua
assombrados e ansiosos com a novidade. Eis que numa casa de família devota da Rua
Tupiniquins, Nossa Senhora havia aparecido num jarro d’água. E lá fomos nós
pedalando agitados a ver o milagre. No
peitoril da janela voltada para a rua da
casinha de poucos cômodos lá estava o jarro da santa. Dois vasinhos de flores e
um terço branco adornavam o altar
improvisado iluminado pelo sol poente. Duas velhinhas piedosas com os rostos
meio encobertos por véus pretos murmuravam ave-marias, ajoelhadas na áspera
calçada de cimento.
Eu
olhei, olhei e por mais que olhasse não via nada além de uma sombra naquele
jarro de vidro grosso barato cheio d’água vagamente esverdeada. Minha amiga
Lourdes insistia:
—
Olhe, olhe bem e você a verá! Mas nada,
eu não via nada além do vidro e de água meio turva. Lourdes desapontada gritou:
— Isso é porque
você é filha dos gringos que não acreditam em nada! Desatei a chorar e pedalei
furiosamente até chegar em casa.
Minha
mãe, a tal gringa, me consolou.
—
São crendices, o povo simples vê o reflexo do sol no vidro e na água e imagina
ver a imagem de algum santo ou, às vezes, até de algum demônio.
—
Nada como ter uma mãe sabida! pensei eu, mas não tive coragem de contar para
minha amiga. Ela não aceitaria a explicação científica.
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