Um bilhete para Desbrocado - Oswaldo Romano


UM BILHETE PARA DESBROCADO
 OSWALDO ROMANO                                                           


Na estação Roosevelt, em São Paulo, um viajante de nome Francisco comprou sua passagem para Desbrocado onde se encontraria com o político Vadico. Vadico fora recentemente reeleito e havia prometido a Francisco homenageá-lo às nove horas na secção especial da Câmara, na linda cidade de Desbrocado. Seria eleito Cidadão Desbrocadênse.

Francisco estava tomado de orgulho, era sua cidade natal, distante da capital onde vivia. Faria a viagem à noite, reservou o carro dormitório, assim chegaria cedo, livre de qualquer atraso.

Tomou seu lugar na cabine 17, acionou o alarme do seu relógio de pulso. Tinha certeza, ele toca tão baixo, não iria ouvi-lo. Então pega o pendente e aciona o guarda - dormitório e lhe pede encarecidamente acordá-lo para descer na esperada cidade de Desbrocado.

— Senhor, devo desembarcar nem que seja à força, custe o que custar. Nessas estações o trem não para mais do que três minutos, e eu tenho o sono muito pesado. Deve me acordar as 7 preciso desembarcar nessa parada. Serei homenageado, serei mais um Cidadão Desbrocadênse! Use da força e se necessário for, jogue agua na minha cara, me derrube no chão. Autorizo até ponta pés. Costumo ficar muito bravo quando sou acordado. O senhor não ligue, faça-me descer em Desbrocado não me importa como. Dou-lhe uma boa propina para não se esquecer. Obrigado, boa noite, e estamos combinados?

O trem corria e com aquele balançar Francisco caiu num profundo sono, pensando na gentileza do político Vadico.

Na manhã seguinte, Francisco desperta com o atrito das rodas freando e vê Novitória, cidade uns trezentos quilômetros depois de Desbrocado. Indignado, repete palavrões, fica enfurecido e todo descabelado, de roupão, sai no corredor e grita, chamando o guarda-dormitório. Passageiros acordam assustados e pensando no pior saem pelo corredor. Incêndio? Crime? Assalto? O guarda-dormitório passa correndo, não atende ninguém, chegando ao desconhecido descabelado.

Espantado, nem precisou perguntar nada.

— Seu estúpido! Seu idiota! Seu burro! Incompetente, Imbecil, não lhe disse para me despertar. Tinha que descer em Desbrocado. Cadê sua responsabilidade? Com certeza dormiu também!

Escandalizados, os demais viajantes  assistem, condoem-se.

Não me conformo! Sua besta, idiota, idiota, três vezes idiota! Sua mãe não é séria.

Tomando partido do guarda um dos presentes pergunta?

— Como você aguenta tudo isso? Ele te ofende, agride, te xinga e você fica quieto? Você tem sangue de barata?

O guarda  abobado disse:

— Isso não me espanta nada não, senhor. Ele tem razão! Os senhores deviam ouvir os desaforos que me disse o outro!

— O outro? Que outro? Berra o viajante.

— Aquele que, em Desbrocado, eu fiz desembarcar a pontapés. Foi uma luta, ele queria voltar a todo custo! Segurei no corrimão meti-lhe a botina. Consegui. Ele se esparramou na plataforma, ainda de pijama, soltando fumaça.

O trem partia, só deu tempo de jogar também sua mala.

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