Todo ano, no Verão - Suzana da Cunha Lima



Todo ano, no Verão
Suzana da Cunha Lima

Fui a Porto Seguro com amigas para um campeonato de vôlei.  Dias cheios de sol, noites de lua cheia que, refletida no mar, é escandalosamente linda.

Eu amava este campeonato anual.  Livre e solta, viajando com amigas para fazer o que tanto amávamos, e saindo de noite para curtir a boemia de Porto Seguro. O final da tarde era para desfilar na Passarela do álcool. Lá assistíamos às cantorias de Diego, ou íamos verificar como ia nossa sorte e destino com Lady Dulce, mestra no tarô e runas.

Um dia ela nos avisou que algo ia sair do mar e nos machucar, que evitássemos ir para o fundo ou entrar sozinha. 

Ninguém prestou muita atenção.  Por aqueles dias, o mar estava manso como uma lagoa e a água morna do nordeste é tentadora demais para ficar só na beirinha ou levando caixote na arrebentação.  Todas sabíamos nadar, porém eu era mais afoita, criada em praia do Rio de Janeiro a vida toda, achava-me doutora em furar onda.
Naquele dia não havia jogo para nós, então aproveitamos para  ir mais cedo para a praia, fugindo um pouco do sol do meio dia, que era capaz de torrar o cérebro de qualquer uma.

Só faltava um jogo para nos sagrarmos campeãs, estávamos eufóricas e bêbadas de alegria pela taça que levaríamos para nosso Clube em São Paulo.

Eu então, era a mais alegre da turma, Elas haviam me adotado, pois eu não era sócia daquele clube, porém como boa levantadora, tinha concorrido muito  para a vitória que se aproximava.   Minhas amigas foram saindo aos poucos do mar e se abrigando nas barracas e pedindo tira-gostos para acompanhar a cerveja geladinha que vinha num balde de gelo, trazida por Pereirinha, o garçom do bar da praia.

Eu ia ficando, nadando e mergulhando, nem senti o tempo passar. Somente quando tive a horrível sensação de queimadura na perna. Foi tão forte que quase perdi os sentidos, reparei que tinha parado de nadar e estava indo para o fundo. Ninguém na praia notou que eu estava me afogando, não comandava mais minhas pernas ou braços.  Numa dessas que desci quase ao fundo, reparei numa espécie de mancha gelatinosa agarrada à minha perna. Que seria aquilo, pensei quase desfalecendo e engolindo muita água.  Foi quando senti alguém me pegar e levar para a superfície, nadando vigorosamente para a praia.

Acho que desmaiei, foi aos poucos que voltei a mim, vendo a expressão preocupada de Pereirinha a me observar.

- Está melhor, garota? Olhe, foi por pouco... Uma água viva gigante, parecia uma arraia.  O veneno dela é mortal.

Vi que sua fisionomia se desanuviava e ele me ofereceu água na garrafinha.

-  Deve tomar muita água e lá no Pronto-Socorro vão lhe dar a vacina.  Mas não se mexa, para o veneno não se espalhar.

Eu ainda estava fraca e respirando com dificuldade. Nem vi direito me levarem para a ambulância e o que fizeram lá no hospital.  Acho que acordei de vez uma hora depois.  Estavam três amigas a me espiar completamente apavoradas. .  Senti pelo ar de alívio delas que o pior já tinha passado.  Mas de onde surgira aquela água viva gigante, se é que era mesmo água viva. Nunca tinha aparecido nem água viva pequena em Porto Seguro, quanto mais aquele bicho horroroso.

Os enfermeiros tiveram que sedar o bicho para ele relaxar e largar minha perna. Depois o levaram para exame.  Minha perna estava roxa e inchadíssima. Eu mal a sentia.

Foi quando me lembrei da advertência de Lady Dulce, à qual ninguém prestara a atenção devida, muito menos eu, louca para nadar no mar.

Afinal, nosso Clube ganhou a taça e viemos de volta para São Paulo, depois da devida comemoração na barraca TÔ-ATÔA.  Eu ainda fiquei um mês de cadeira de rodas, com a perna completamente imobilizada.  E aprendi a atender mais a advertências vindas do pessoal sensitivo.  Lady Dulce foi muito elogiada pela sua clarividência.
Quando voltei a Porto Seguro no outro ano, tive oportunidade de agradecer pessoalmente a Pereirinha  pela presteza em me salvar. Só um olhar treinado como o dele para  perceber que algo ia mal com aquela carioquinha prosa.

Foi quando reparei melhor nele, um homem alto e sorridente, bronzeado,  que, naquele verão já tinha comprado três bares na orla.  Estava fazendo um bom dinheiro.  E tinha colocado salva-vidas perto de suas barracas.  Sempre podia acontecer algo perigoso com turistas desavisados.

Até hoje, ninguém soube me esclarecer que bicho era aquele e como tinha aparecido em Porto Seguro.  Só sei dizer que naquele ano, tive o melhor verão de tantos que já havia passado lá.  Eu e Pereirinha, sabe como é... Percebemos que havia uma enorme afinidade entre nós e além dos programas nas Barracas, onde dançávamos axé  e forró toda noite, eu só entrava no mar com ele. Era um cuidado comigo que só vendo...


Pena que aquilo não ia levar a nada de mais sério.  Eu tinha minha vida em São Paulo e ele lá em Porto Seguro, com mulher e filhos. Mas isso em nada quebrou o encanto, pelo contrário; deu um ar de segredo muito excitante. Foi uma linda história de amor, resgatada a cada verão que eu passava lá. E olhe que foram muitos...

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