TEIMOSIA ANIMAL - OSWALDO ROMANO




TEIMOSIA ANIMAL
OSWALDO ROMANO                                                  
                                                                 
         Lá pelos idos de 40, o algodão brasileiro ganhava dia a dia um grande interesse comercial. O café demorava de 2 a 4 anos para a primeira colheita. O eucalipto 7 anos para o corte. A cana utilizada quase só para o açúcar, seu cultivo vinha de há muito tempo, e o que se produzia atendia com sobra para exportação o consumo nacional.

         A produção do pequeno agricultor tinha em vista a alimentação dos seus animais durante um ano, e dava sustento até a próxima safra. A cana picada por rusticas máquinas manuais, em pedaços do gomo de não mais que 5 cm, quando a bastecido o coxo de alimentação era uma  festança.

         Para o grande produtor a colheita só era autorizada quando a usina estava com estoque baixo e coincidir de a cana estar no ponto. Hoje ficou mais fácil, é usado o Refratômetro que mede os graus Brix, controlando o momento próprio da colheita com  a usina.

         A cana tinha promissor futuro, mas a bola da vez era mesmo o algodão. Assim o seu Evaristo, meu pai, levado pelo propalado lucro, arrendou 20 alqueires de terra, ainda mata, e entusiasmado lançou-se na plantação. Embora possuísse um sitio maior que isso, era aproveitado com outras plantações como frutas, pastos, gado. Do sítio provinha sua experiência e gosto pela terra.

         O seu Evaristo, filho de italianos, já era de uma classe média alta conseguida a duras penas. Sua vida estava no patamar da classe  dos emergentes. Conseguiu realizar alguma coisa sob forte economia no trato das coisas fúteis.

         Filho de colonos, era da enxada desde a infância. Até arrendar as terras mencionadas fica um rico espaço que guarda muitas passagens históricas. Citei poucas e dei rápidas pinceladas sobre sua vida e seu desempenho, montando um cenário para a compreensão deste conto.
         Assim aconteceu o arrendamento das terras para o plantio do algodão. De madrugava e com seu Ford 29, usado na cidade para o ganha pão, seguia com o propósito de juntar seus peões para carregarem borrifadores nas costas, iniciando cedo a guerra contra as pragas. Eram formigas, brocas da raiz, do ponteio e os terríveis Bicudos.

         Uma interessante e inocente defesa, era plantar junto ao pé do algodão ervas que eles gostavam. Funcionava como estanque evitando a subida das terríveis pragas que adoravam os botões do algodoeiro.

         Quem quer conseguir alguma coisa tem que madrugar, sim senhor! Correr para que o bicho não pegue.

         Mais tarde, às vezes, eu ia à cavalo na mula Zola encontra-lo. Era adolescente, queria prestigia-lo, mas também meu gosto era cavalgar e explorar a mata no contorno. Retornava só ao cair a noite. Foi num destes dias que depois de andar uns oito quilômetros, estrada de terra, muitos buracos, parecia desaterrada nas subidas, mas na verdade era cavada entre os barrancos pelo uso e as corredeiras das chuvas.

         Anoitecia,  então resolvi puxar um pouco mais, quando de repente a Zola empacou. O seu Evaristo estava muito na frente, impossível chamá-lo. A mula teria sede ou o arreio a machucava? Isso nunca tinha acontecido. Zola era uma excelente companheira, obediente.

         Não da para esquecer porque lembro apenas de uma vez que me aprontou uma dessas desastradas surpresas.

         Foi no dia que a levei, em pelo, pastar num caminho de arrabalde, cheio de capim nas margens. Amarrei-a num tronco com uma longa corda, cuja ponta servia de rédeas, deixando-a pastar a vontade. Enquanto isso, entrei no mato a procura de laranjinhas, a chamada Bacopari que dá rente ao  chão.

         Na volta, surpresa!  Cadê a Zola? Arrebentou a corda, e desapareceu. Fiquei perdido, ela nunca aprontou nada parecido. Desorientado devaneava ali pela estrada. Sorte, ouvi o trotar de animal. Voltei-me naquela direção, ví distante uns 500 metros, ela cruzar a estrada levando montada uma mulher nua! Sim, nua!

         Fiquei bobo de vez! Tudo que consegui fazer foi chamá-la, chamá-la. Um forte assobio com ajuda dos dedos, como era meu costume, repeti diversas vezes.  Descrente, esperei. Não me desapontou, ouviu e obedeceu de imediato, chegando como a tinha amarrado, - em pelo e suada. Eu depositava-lhe absoluta confiança. Espantado perguntei-lhe, quase dopado, o que tinha acontecido. A linda Zola, olhou-me e claro nada disse. Assustado, estático,  procurava na redondeza a possível Godiva nua, que a teria sequestrado. Até medo senti pelo inusitado fato.

         Bem, este causo foi tão real, que conta-lo com credibilidade exigiria um escritor com muitas horas de estrada.

          Mas não, não me esqueci. Voltando ao meu histórico, a mula estava indócil e empacada na estrada.

         Insistindo aceitou recuar e voltar alguns metros. Tinha aprendido o macete de tocar no galope para passar. De novo estancou.  Dei-lhe uns tapinhas carinhosos no pescoço e disse:

         — Afinal, o que você quer? O que aconteceu, Zola?

O que aconteceu, não, - estava acontecendo: Uma enorme cascavel lentamente cruzava o caminho, tocando seus guizos. A Zola tinha sentido o perigo e novamente tive sua proteção.
Saudades da Zola.


                            — Podia ter trazido àquela mulher,  para que a visse de perto?

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