CIDADE INVENTADA
M.Luiza
de Camargo Malina
“A
água de Babiléfia estava fazendo mal a população”... Esta notícia, era tudo o
que um médico idealista recém-formado em 1942, precisava para honrar o
juramento.
Babiléfia,
em seu nome fictício, mostra através das
atitudes de um médico, as dificuldades que encontra junto a prefeitura local,
para dar continuidade ao seu trabalho, fato este que, até a data desta escrita
2013, ainda se arrasta o problema.
A
cidade, havia uns 5 anos que havia sido fundada. Faltava tudo e de tudo um
pouco mais. Sombra! Imagine! igual ao cerrado com o sol à pino. O hábito do uso de chapéu é justificado. A
poeira levanta até com um espirro. O empório de secos e molhados funciona até
mesmo como uma farmácia e açougue, aliás, é uma coisa boa, uma vez que o
“mascate” o abastece uma vez por mês. A carne de gado, frango ou porco são
vendidos a bom preço, por causa das fazendas vizinhas ou porque cada um tem seu
curral e horta no fundo da casa. Comunicação! Apenas através de um rádio com
antena, considerado objeto de luxo, ou através das antenas de rádio-amador. Os
postes instalados apenas nas oito ruas principais tem baixa iluminação, sem
falar dos telefones com as telefonistas atrapalhadas nos botões do PABX. Mas
funcionam, é muito “chique” trabalhar como telefonista, ela sabe de tudo na
cidade. Ah sim! Já ia me esquecendo do
cinema. Não tem. Só na cidade mais próxima há 48 km. Que também, para poder se
locomover, o ônibus é a coisa mais certa. Obedece aos horários, igual ao relógio da
igreja. Impecável.
E
a água! Caminhões de pipa abastecem diariamente Babiléfia, próximo à
prefeitura, uma vez que a água encanada estava contaminada.
É
neste quadro que o médico Dr. Lupércio, nome fictício, ao invés de Dr. Benedito
de Camargo Rocha, resolve encarar a grande jornada, junto com a esposa,
enfermeira.
Apenas
com um olhar, já percebe a causa do grande problema da cidade... As crianças
barrigudinhas, não apresentam saúde, são vermes, bebiam água sem ser filtrada e
a escassez é outro problema. Como a demanda está grande e repetitiva, mostra ao
prefeito Vadico, a situação em que se encontra a cidade, pede urgência no plano
de saneamento básico, ao que o prefeito Vadico não atende, dando preferência a
obras que possam lhe garantir novos votos. Afinal, o que é o saneamento, se vai
ficar debaixo da terra e ninguém vai se lembrar!
Cansado,
resolve por si. Receita em consultas e entrega de casa em casa, um determinado
vermífugo, com data certa a ser ingerido. Avisa aos pais que, todas as fezes
recolhidas nos “pinicos” ou urinol, devem ser depois despejadas dentro dos
tambores, estrategicamente colocados junto aos poucos postes da cidade.
O
dono do posto de gasolina empresta os tais tambores, uma vez que a gasolina é
entregue dentro dos mesmos. A ideia é boa. Aguardam. O alvoroço na cidade
começa junto com a fedentina, a qual a céu aberto torna-se insuportável com o
rodear dos mosquitos. Não é preciso enfatizar que as relações com o prefeito
estavam estremecidas. Chega o dia.
O
médico Dr. Lupércio, e o senhor Torquato, dono do posto de gasolina, se dirigem
à casa do prefeito Vadico. Relatam o plano com austeridade e o obrigam a acompanha-los. Vadico já sai, de sua
confortável casa, com um lenço no nariz. Obrigam a Vadico olhar dentro os
tambores para certificar-se do que se tratam os vermes. Horrorizado Vadico
vomita lá mesmo. A população aplaude, clamando pelo Dr. Lupércio.
Naquele
mesmo ano Vadico dedica a verba ao tão sonhado “saneamento básico”.
Dr.Lupércio
recebe o reconhecimento oficial. A entrega da chave da cidade no coreto da
praça, com a presença, dos rostos corados de saúde, da população entoando o
Hino Nacional junto a Banda do Exército da Salvação.
Junto
com a esposa, volta para casa. Coloca a chave da cidade na estante, dentro de
um pinico de porcelana pintado à mão, que recebera de sua esposa. Os dois se
abraçam satisfeitos e, partem para uma nova jornada.
Dr.
Benedito, o então fictício Dr. Lupércio, tornou-se um médico polêmico, pelas
cidades em que trabalhava, tanto em relação à política local quanto ao meio à
classe médica que, ao constatar a pobreza familiar, não cobrava consulta, tão
pouco a cirurgia.
Faleceu
no ano de 1985 com a constatação da falta de vontade política, frente ao tão
sonhado plano de saneamento básico, que é de direito mínimo ao ser humano.
Exerceu o seu sacerdócio.
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