Meu herói na adolescência - Antonia Marchesin Gonçalves

 

 


 Meu herói na adolescência

Antonia Marchesin Gonçalves

 

Quando tinha dez anos, morávamos no bairro de Pinheiros. Meu pai era empreiteiro de construção civil, fazia obras e reformas em moradias. Ele tinha uma parceria com o italiano Coronel Caramelli, a quem minha mãe apelidou de Colonelo, coronel em italiano. Colonelo morava sozinho, gozava de boa situação financeira, comprava os terrenos ou casas para construir ou reformar, e papai cuidava das obras. Ficaram amigos. Como vivia sozinho, ele passou a jantar quase todos os dias lá em casa. Após um ano, chegou ao Brasil, seu único filho, formado em Medicina na Itália, foi morar com o pai. Ambos jantavam lá em casa todos os dias.

Zarco Caramelli tinha uns vinte e oito anos, mais ou menos. Era um jovem muito simpático, vistoso, de traços muito bonitos e pele amorenada. Estava sempre sorrindo, mostrava-se muito alegre, e quando sorria ficavam expostos os dentes perfeitos.

O que o deixava mais charmoso era a grande mecha de cabelo branco que marcava a testa, liso e solto. Começou no Hospital das Clínicas em São Paulo, fazendo um ano de residência, tornando-se depois um conceituado cardiologista.

Montou seu consultório particular logo após o tempo de residência. Alugou um sobrado perto de casa e ali mesmo residia e tinha seu consultório. Dedicado, além do consultório, ainda trabalhava no Hospital das Clínicas e no Hospital Samaritano em dias alternados.

E continuou jantando com minha família.

Eu me lembro de me encantar com sua permanente alegria, bom apetite, sempre elogiando a comida da minha mãe.

À medida que eu crescia, o corpo ia ganhando contornos, os seios em crescimento, me lembro de que tinha vergonha das saliências brotando através da roupa, então andava curvada para escondê-los.

E ele me fazia encostar ereta na parede, colocava dois livros em minha cabeça e eu tinha que andar reta, equilibrando os livros.

Alguns anos depois, chegou sua mãe. Uma senhora muito exótica, usava saias longas e várias pulseiras de ouro. Ao desembarcar do navio, tinha um lenço preso com alfinetes na frente da blusa. Minha mãe, curiosa, perguntou o que era? E ela respondeu que o broche que trazia no peito era um diamante muito grande e não queria chamar atenção. Trouxe no navio também todos os móveis, obras de artes, quadros renascentistas que ocupariam as paredes inteiras das duas salas. Trouxe também as cinzas de seus pais e muitas joias. Segundo minha mãe, na guerra, o coronel, ao adentrar nas cidades e fazendas, conhecedor das obras e de seus valores, as comprava por bagatelas ou trocava por mantimentos, inclusive as joias.                          

Zarco já era famoso médico quando conheceu a futura esposa, Clarita. Ela era advogada, nascida em Pelotas, no Rio Grande do Sul. Minha admiração continuava por ele, mas nunca pensei em nenhum momento ser amor. Eu era inocente naquela época no que se referia a rapazes, não tinha nenhum interesse. Na verdade, ele era como um herói. 

O seu primeiro filho também se chamou Zarco. Aos dois aninhos, era loiro, já tinha, ele também, a mesma mecha branca na frente da cabeça. 

O famoso Dr. Zarco trabalhava nos melhores hospitais, e tinha entre sua clientela personalidades famosas, e a elite italiana, que atendia no próprio consultório.  Agora no bairro de Higienópolis.

Conheci num almoço na casa dele o escritor Jorge Amado e sua esposa Zelia, também escritora.

Zarco e Clarita tiveram três filhos homens. Eu os vi nascer e ajudei a cuidar do Zarquinho por um tempo.

O dia mais triste na minha vida foi quando, eu já casada e com um filho, e veio a notícia da morte de Zarco e de um dos filhos. Estavam numa viagem de férias, a família toda ia para Pelotas. No trajeto, sofreram um acidente gravíssimo. Os dois que estavam na frente morreram. A mãe e os dois filhos, que estavam no banco traseiro, sobreviveram. Os meninos se tornaram médicos também.

Durante muitos anos, eu sonhei com eles sempre vivos e bonitos que eram, meu subconsciente negava a verdade.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário