A VELHA GUERREIRA - SUZANA DA CUNHA LIMA

 


A VELHA GUERREIRA

 SUZANA DA CUNHA LIMA

 

Era de um humor sarcástico que, por vezes, feria sem provocar dor.  Vivaz, alegre e sempre capaz de descobrir milhares de significados nas entrelinhas de uma simples conversa ou atitude.

Assim era vovó, do alto de seus 90 anos, quando chegara, finalmente, ao seu ápice! E que ápice… Para tudo havia um jeito, e ela descobria ou inventava maneiras variadas e originais para consertar um coração partido, fazer uma criança comer, voltar o amor perdido, amansar um chefe irascível ou conseguir um abraço ou um perdão de um desafeto.

Até que um dia ela observou que, para muitas situações, quase não havia remédio que resolvesse. E não se conformava.  Casais jovens se desentendendo por ninharias e provocando desenlaces e sofrimentos quase irremediáveis. Ah, não!  Havia muito pouco amor no mundo e o que restava era para conservar a qualquer custo, mesmo com manobras, digamos, ligeiramente ilegais.

Foi daí que surgiram as cartas.

 O tempo de enviar cartas perfumadas em papel fino decorado já havia acabado. Infelizmente, pois era um recurso simples e barato, mas que produzia grande efeito… E flores e chocolates estavam perdendo força, tal a banalidade com que eram usados.

Mas vovó não se intimidava com os “nuncas” ou os “impossíveis”.

— Nunca mais quero ver tua cara, seu safado sem-vergonha! Quero mais que você se exploda! Não dá mais, este homem é impossível de se lidar. Não dá, não dá, não dáaaaaaaaaa!!!

E lá vinham o choro, a raiva, palavrões nunca proferidos, histerias.

— Então vamos usar a modernidade e um pouco da antiga sedução, pensou ela. — Desistir, jamais!

E, sempre atenta ao que se passava em sua volta, principalmente em sua família, bem numerosa, por sinal, começou a usar o WhatsApp como sua ferramenta de trabalho.

Todo dia enviava uma mensagem para alguém, que, a seu ver, precisava de seus serviços, e sempre no mais absoluto anonimato…

 Intitulava-se Poliana e depressa aprendeu as manhas e recursos de seu celular. E agora, que já dominava a IA, produzia ela própria as imagens que achava mais apropriada a cada situação. E eram mesmo criativas, e mandavam o recado direitinho. Descobriu-se artista!

Depressa correram as notícias de que alguém estava se valendo do anonimato para despir os pudores dos mais tímidos e ajudá-los na difícil tarefa de arranjar um companheiro.

— Eu, sendo você, ficava de olho em sua “melhor” amiga. Vive se esfregando em seu marido na hora das fotos.

— Já percebeu a gentileza de Fulana, na hora de servir o cafezinho? Ele é sempre o primeiro…

— Não interessa se a moça é ou não “sem noção”. Eu te digo, ela é um perigo.

— Que história é essa que a moça é bobinha, veio agora do interior, você está ajudando-a a se “socializar”;

— Não tem bobinhas nesta selva, não. Homem macho, mesmo, está ficando uma raridade. E você está dando mole para elaaaaaa?

Êxito absoluto! Como havia gente carente neste mundo! A correspondência ia se avolumando em sua carta postal e vovó não tinha mãos a medir.

Mas não queria ajuda, pois sabia que alguém ia acabar descobrindo sua identidade e o segredo de Poliana e de seu sucesso iriam por água abaixo…

Até que, no finalzinho da tarde, já fechando seu laptop, seu olhar congelou ao ler as palavras da última mensagem:

— Pois é, você fica fuxicando a vida dos outros e não cuida da sua, não é?

E o cafajeste continuou:

— Sabe onde seu marido estava ontem à noite, às 21 horas?

Na reunião com ex-alunos, é? KKKKKKKKKK

Vá atrás da Poliana, ela conserta tudo, menos traição de marido…

 

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