A VIDA QUERENDO PREGAR UMA PEÇA - Ledice Pereira

 




A VIDA QUERENDO PREGAR UMA PEÇA

Ledice Pereira

 

Depois que ficara viúva, há cinco meses, era a primeira vez que Irene saía sozinha com vontade de pegar um cinema.

Foram anos de dedicação a Alberto. O AVC o deixara numa cadeira de rodas por longos cinco anos.

A princípio, ela tentou cuidar dele sem ajuda de ninguém, apesar da discordância dos filhos. Ao final de um ano, estava totalmente debilitada e teve que aceitar dividir os cuidados com um cuidador.

Durante esse tempo, não tinha coragem de deixá-lo para passear. Saia apenas para o estritamente necessário.

Aquela manhã acordou com vontade de encerrar o luto. Deixou a roupa preta de lado, vestiu um conjunto rosa que estava um pouco largo, passou uma base e um blush no rosto abatido e saiu, deixando o apartamento desarrumado e a louça do café na pia. Estava na hora de pensar em si.

Dirigiu-se ao shopping onde poderia almoçar, olhar umas lojas, pois nem sabia quais eram as tendências atuais e depois escolheria um entre os tantos filmes em cartaz. Há quantos anos não entrava num cinema!

Sentou-se no restaurante, escolhia o que comeria, quando ouviu aquela voz: “Não acredito ser mesmo você!”

Reconheceria em qualquer lugar do mundo aquele timbre, aquela entonação.

Levantou os olhos e deu com ele à sua frente. Mário estava ali. Em carne e osso. Ela mal podia acreditar. A idade não havia judiado dele.

Não conseguiu emitir nenhum som.  Sentia, apenas, seu coração bater fortemente. Tentou dominar a emoção, falar naturalmente.

Ele, percebendo sua dificuldade, tentou deixá-la `vontade, pedindo licença para sentar-se ali.

— Está aguardando alguém – perguntou.

Ela poderia ter dito que sim, mas resolveu enfrentar aquela situação com coragem. Afinal, enfrentara situações bem mais difíceis ultimamente.

Mário havia sido seu grande amor de juventude. Mas era tão assediado por todas as garotas da região o que o fazia sentir-se o gostosão do pedaço. Um namorador inveterado.

Ela lhe dera várias oportunidades, quando ele vinha humildemente pedir-lhe perdão, jurando que andaria na linha. Mas não houve jeito. Foram inúmeras as traições.

Certo dia, ela colocou um fim à história dos dois e terminou definitivamente aquele namoro conturbado, embora ele tivesse insistido algumas vezes para que reatassem.

Irene permaneceu irredutível. Tocou a vida para frente. Começou a trabalhar e conheceu Alberto que logo a conquistou com sua gentileza, atenção, cavalheirismo, fidelidade.

Irene sentiu-se amada e com ele construiu uma vida plena de amor e de respeito.

Às vezes, seu subconsciente pregava-lhe uma peça. A imagem de Mário vinha-lhe à mente para a desequilibrar.

Aquele encontro foi demais para ela. Desistiu de entrar no cinema, voltando mais cedo para casa. Precisou abrir uma garrafa de vinho para tentar digerir aquele encontro. Conseguiu dormir já era madrugada.

Ela sabia que não poderia cair na tentação de retornar àquela relação. A vida lhe ensinara que o pau que nasce torto, morre torto.

Resolveu continuar tomando as rédeas de sua vida. O passado ficara para trás há muito tempo.

 

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