Peça Teatral
Silvia Villac
1ºAto
Ele, com
um ar pensativo, se recosta no espaldar da cadeira e percebe-se que
entra em devaneio.
─ Sr.
Bruck, chama Nair, pela 3ª vez. O senhor está me ouvindo?
─ Que bobagem é essa, Nair? Claro
que estou lhe ouvindo! E vou entrar porque esse calor, a essa hora da manhã, já
está insuportável!
Arrastando
de novo seu velho chinelo de couro, adentra
à casa e caminha para a biblioteca. Com um jeito afoito, vai
direto para a estante de livros e para em frente à sua coleção de clássicos.
Retira alguns livros para poder alcançar o que está atrás deles – 1 caixa de
madeira, já bem antiga.
Com
dificuldade, e sempre arrastando seus pés, ele a pega
e alcança uma cadeira para se sentar.
─ Como faz
tempo que não venho me deixar assombrar pelo passado, ele diz em voz
alta. Cuidadosamente, levanta a tampa e o 1ºobjeto
que avista é o retrato de uma mulher.
─ Minha
Maggie querida! Como você sempre foi tão linda e pura e se deixou bandear para
o outro lado? Por que não se abriu comigo e me pediu conselhos? Nossa vida
poderia ter sido tão diferente, falou ele novamente em voz alta.
Deixando
de lado a foto, havia outros documentos que ele foi separando
cuidadosamente, até encontrar uma carta endereçada a ele, escrita por
sua amada.
O Sr.
Bruck ficou um tempo segurando aquele envelope, de modo pensativo,
como se não tivesse muita certeza se ia querer reler o conteúdo.
Berlim
Ocidental, 02 de agosto de 1973
“Meu Bruck
querido,
Você deve
estar estranhando receber essa carta minha, mas foi a maneira que consegui me
expor e lhe contar sobre sua verdadeira Maggie.
Eu, de
fato, sou uma colaboradora da Alemanha Oriental. Acredito no comunismo e creio
que esse regime igualitário, onde todos têm a mesma oportunidade, é o que deve
reinar na nossa Alemanha.
Infelizmente,
por muita sorte, não fui pega por um agente do lado ocidental e o Partido achou
por bem me despachar para o outro lado do muro, uma vez que minha identidade
pode ter sido comprometida.
Sinto
muito por seu desapontamento. Eu continuo a lhe amar, mas minhas obrigações e
convicções com o Partido falam mais alto.
Sua
sempre,
Maggie”
2ºAto
Em Berlim
Oriental, passados já 3 meses, Maggie está alojada em um minúsculo apartamento,
muito pouco arejado e o aspecto decadente do lugar é visível. Sempre na ativa,
ela não se preocupa muito com o local, visto que passa a maior parte do tempo
trabalhando em prol do Partido.
─ “Você é
uma pessoa imprescindível para todos nós”, dizia seu superior algumas vezes. E
ela, sempre convicta, se sentia orgulhosa por estar sendo valorizada.
“Há dias
essa náusea não passa”, ela fala para si mesma. “Será que
tem a ver com essa falta de ar circulando?”, ela continua.
Sempre muito ocupada e com pouco tempo para se preocupar com si mesma, os dias
vão passando até que em uma noite, ela acorda ofegante, transpirando com o
sonho que teve, e senta-se na cama.
─ “Não é
possível”, ela se diz. “Não pode ser verdade!” Porém, no fundo, ela sente que
não há outra explicação plausível. Ela está grávida, longe de seu amado Bruck,
e terá que arcar com as consequências da escolha feita. E, nesse quesito em
especial, não poderia nem contar com a ajuda do Partido porque sempre há
prioridades como já ouvira diversas vezes. “─ Mesmo porque, afinal de contas,
gravidez não é doença!”
Dimitri
nasceu no outono de 1974 e era um típico alemão: tez clara, olhos azuis e 3,900
kg de pura saúde!
─ “Meu
garoto lindo! Como você é parecido com papai!”, ela sempre se dizia.
─ “Bruck ficaria encantado se soubesse e pudesse vê-lo!”. Mas ela sabia que
isso jamais ocorreria porque nunca mais teria permissão para atravessar para
Berlim Ocidental.
Os anos
foram se passando e o menino, já adolescente, não se “encaixava” muito dentro
dos preceitos comunistas e mãe e filho discutiam às vezes devido à diferença de
crenças. De fato, a própria Maggie já não acreditava mais tanto nos valores e
regras do Partido, mas não ousava discordar do regime para evitar problemas.
A grande
chance para uma mudança chega em 1989, quando finalmente o maldito muro vem
abaixo. Dimitri estava entre os que ajudaram a demolir essa cerca que dividia
as duas Alemanhas e foi com um misto de alívio e alegria que Maggie testemunhou
esse fato histórico.
─ “Já se
passou tanto tempo”, ela se diz. “O que será que ele faz
agora? Será que continua a lecionar? Qual seria a reação se eu aparecesse
agora, com seu filho adolescente?”
Há muito
ela havia se arrependido da decisão tomada há quase 17 anos, mas nunca
conseguira achar uma solução porque se sentia muito só e desamparada, sem
coragem de tentar voltar atrás, principalmente depois que soube que estava
grávida. Tinha se desencantado com o Partido, mas fora fraca e não conseguira
mudar o rumo da história.
─ “O
momento é agora”, disse em voz alta. “Nada mais nos prende desse lado da
Alemanha”. E, determinada, aguarda a volta do filho para lhe comunicar que irão
morar do outro lado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário