É muito tarde para nós
Ises
A. Abrahamsohn
Liena
pegou o tablete verde partiu-o e empurrou metade na direção de Celan. Depois
mediu cuidadosamente exatos 500 mililitros antes de despejar a água
ligeiramente violácea nos dois copos. Três tabletes diários continham as
calorias necessárias para um adulto assim como os dois litros de água tratada eram
suficientes para a hidratação enquanto ficassem no ambiente interno. O controle
da ingestão tinha começado há quarenta anos ainda antes do fim do século 23. Celan
brincou:
─
Lembra daqueles relatos da alimentação do século XXI? As pessoas realmente
comiam produtos que nasciam em árvores, chamavam de frutas e, mais incrível, comiam
carne de animais, hoje extintos, que eles criavam para comer. Não posso
imaginar! Carne não, mas frutas eu comeria com prazer. Vou fazer de conta que
estou comendo maçã. Havia maçãs verdes E, quando comer um tablete amarelo,
poderia ser uma laranja. Agora temos a proteína vinda de tenebrios. Os químicos
dizem que colocam os sabores das épocas antigas, mas nem eles sabem.
Liena
e Celan ainda viveram anos de relativa fartura no final do século 23 quando
jovens. Os tabletes e a água não eram tão racionados e havia para as crianças verduras
hidropônicas, cogumelos e biscoitos
especiais de algas. Porém, no século 22, as duas ou três gerações antes deles
viveram épocas terríveis quando a população mundial, cada vez maior, chegou a 13
bilhões. As previsões eram que a população da terra chegaria a cerca de 10
bilhões em 2.070, porém isso não ocorreu. Hordas de desesperados invadiram e destruíram
as florestas e matas na tentativa de cultivar alguma raiz comestível ou de
extrair algum minério rentável. O efeito estufa e a destruição de florestas tinham
elevado drasticamente as temperaturas do ar e dos oceanos.
As
bombas atômicas nas guerras do final do século 22 e durante o 23 travadas entre
as potências coligadas da Ásia, a América/Europa e do leste europeu haviam dizimado
a população para os atuais 2 bilhões de pessoas e tornado a terra estéril.
Agora,
em 2422, as únicas regiões habitáveis para esses 2 bilhões de seres situavam-se
abaixo e acima dos trópicos. No que se conhecia como Patagônia na América do
Sul e os países do Norte da Europa e Sibéria. Liena e Celan haviam nascido após
as grandes guerras atômicas quando se formaram as duas grandes federações, a do
Sul e a do Norte, governadas por representantes civis e militares. O controle
estrito da natalidade foi estabelecido, e apenas um a cada cinco casais poderia
ter um descendente, entretanto o efeito só seria visto em duas gerações. Liena
e Celan não haviam sido selecionados para procriar, apesar de terem
inteligência classificada no nível mais alto e ambos serem bioengenheiros.
Tinham se acostumado a viver junto desde jovens e tinham os mesmos interesses.
Agora estavam com sessenta anos.
Diariamente
partiam as naves espaciais levando as pessoas para as novas colônias já
estabelecidas em Marte. O processo de seleção era rígido com cotas específicas
para cada nível de inteligência, especialidade, biotipo, saúde e idade. A vida
em Marte seria incialmente mais difícil, porém as previsões indicavam que lá, com
menos habitantes, as condições de vida poderiam ser melhores.
Liena
olhou para o companheiro. ─
Nós podemos nos inscrever para Marte. Meu chefe, ofereceu para nós dois, apesar
da idade, um passaporte de cientistas. Temos que decidir até amanhã. Você quer
ir? Eu só iria com você. Não tenho coragem para enfrentar sozinha mais essa.
Celan,
olhou para Liena. ─
Eu também tive essa oferta, para nós dois, há uma semana. Nós temos apenas mais
dez anos de vida. Você sabe. No último decreto baixaram o limite de
sobrevivência dos 75 para 70 anos. Lá permitem 5 anos extra, poderíamos viver
até 75, mas eu não tenho mais força física para aguentar a vida lá. Prefiro
viver os meus dez anos restantes aqui mesmo até a exterminação chegar, num
ambiente que conheço. Nós temos nossas telas de leitura, a música e se a
situação ficar muito difícil podemos ir antes juntos ao Setor de exterminação.
─
É muito tarde para nós.... Ambos
disseram ao mesmo tempo e se abraçaram.
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