Brincadeira
de mau gosto
Adriana Frosoni
(Releitura do texto BRINCADEIRA de Luiz Fernando Veríssimo)
Depois de receber aquela
ligação minha vida mudou para sempre. As palavras que ouvi ressoavam na minha
cabeça o tempo todo, nas horas mais inesperadas.
— Alô!
— Eu sei de tudo!
— Tudo o quê?
— Você sabe.
— Não sei. O que é que você
sabe?
Apesar de nunca ter feito
nada de grave nessa vida, ninguém é santo, e nunca se sabe como as histórias foram
contadas e recontadas.
Resolvi ligar de volta, pedir
segredo. O sujeito sabia alguma coisa da minha vida e eu nem imaginava o que
era. Aquelas palavras passaram a atrapalhar meu sono, meu medo era perder algo importante
em função de uma calúnia, e olha que eu tinha muito a perder.
Depois daquilo, num dia eu
olhava para a minha esposa e pensava como era bom viver ao lado dela; no outro,
olhava para o meu filho e avaliava o respeito e a admiração que ele tinha por
mim. Além disso, todos os dias no trabalho eu lembrava do quanto me esforcei, e
ainda me esforçava, para me aposentar neste emprego. Talvez tenha sido em vão,
contudo, não havia o que fazer, só esperar, e rezar para que o pulha mantivesse
a boca fechada.
O
tempo foi passando até que um dia reparei nas olheiras profundas de um amigo do
futebol e achei que éramos próximos o bastante para que eu perguntasse o motivo.
Mesmo relutante ele me contou sobre a insônia que sofria desde o dia em que recebeu
um telefonema e, pasmem, era o mesmo que aconteceu comigo!
Horizontes se abriram quando
ouvi a confissão dele, me confessei também e conversamos sobre o assunto
demoradamente. Me fez muito bem ter com quem falar, com o tempo descobrimos
outros no mesmo barco e formamos um tipo de confraria de autoproteção, dividíamos
tudo sobre esse assunto. O alívio veio com as reuniões em volta da
churrasqueira todas as quartas-feiras regadas a chopp gelado, com os desabafos
e as bravatas contra o velhaco.
Estava indo tudo muito bem até
que um de nós descobriu o sumiço do cretino e todas as preocupações, o frenesi e
a insônia do começo voltaram à tona.
Eu e todos os outros
decidimos encontrá-lo e arrancar à força o que ele sabia de cada um de nós, fazê-lo
contar como descobriu e por fim, negar tudo, claro! Contratamos um detetive
particular recomendadíssimo e em algumas semanas achamos o covarde. Acreditem,
a esmo de todo nosso sofrimento, ele estava vivendo em uma bela casa, numa
praia remota, de frente para mar. Essa foi a gota d’água: alugamos carros pretos,
cobrimos as placas, fomos até lá. Já era noite avançada quando invadimos a casa
e exigimos que ele nos contasse tudo o que sabia. Foi uma gritaria, ameaças de
todos os tipos, um fuzuê danado e nem assim o canalha cedeu, a única resposta que
conseguimos foi:
— Era brincadeira! Era
brincadeira!
Não podia ser verdade. Éramos
oito contra um e o pressionamos mais, demos empurrões, pescoções, ele fugiu
escada acima e fomos atrás, ameaçamos jogá-lo pela janela. Se esquivou, desceu
novamente e correu para o jardim. Foi quando trombou de frente com o maior de
nós, desequilibrou-se e caiu de costas no chão. Com os olhos estarrecidos de
medo voltou a gritar:
— Era brincadeira!
Levantou-se devagar e, dando
passos para trás, foi se esquivando de nós. Isso tudo estava me deixando mais
furioso ainda, sendo um homem de bem nunca participei de algo parecido, esse
ataque noturno estava me deixando com os nervos à flor da pele. Foi nesse
momento que passei a ter algo a esconder, abri caminho entre os parceiros,
olhei aquele desgraçado franzino que zombou de mim por tanto tempo: perdi a
cabeça, saquei a arma e atirei nele!
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