BLOQUEIO CRIATIVO - PROMPTS PARA DESABROCHAR HISTÓRIAS - 10 EXERCÍCIOS PARA PRATICAR

 



Sabe aquele momento em que falta um mote, um tema para desenvolver uma história? Alguns chamam de “falta de inspiração”, eu prefiro chamar de “preparação”.

Há muitos estímulos para se “encontrar um tema”,  já vimos alguns por aqui: Quadrado criativoCaixinha de ideiasPainel de temasBingo de ideias, Mapa mentalE se... 





Mas hoje falaremos de outro estímulo para alimentar a criatividade do autor literário, prompts de escrita, que são uma espécie de “GATILHOS” ou “FAGULHAS”  que sugerem premissas de narrativas. Os prompts de escrita fornecem um tópico pronto para criação de histórias. Aqui sugiro alguns prompts, mas vocês podem agitar o cérebro e criar outros:

“Ela faz parte de uma sociedade secreta...”

“Ele nunca contou para ninguém...”

“Eles formavam uma família bem esquisita...”

“Lyn, a chinesa do outro mundo...”

“Nunca se encontraram, casaram por correspondência ....”

“Vi a matéria no jornal. Ele é um homem assustador...”

“Onde andam os sete anões da nossa infância?...”

“Ela cura as pessoas com o toque dos dedos...”

“Fran, a babá pra toda obra...”

“Nunca ficou esclarecido o desaparecimento de Jonas...”


Agora é sua vez, escritor. Escolha um tema para criar uma história. Mas, dê preferência a um tema que não tenha sido sugerido por você. 


EXERCÍCIO DE ESCRITA CRIATIVA - CARACTERIZAÇÃO DE PERSONAGEM - ASSIM NASCE UM CONTO

 





20 EXERCÍCIOS DE ESCRITA CRIATIVA - CONTOS INFANTIS - CADA IMAGEM UMA IDEIA

 



O que uma imagem pode nos dizer?

Temos aqui muitas imagens com sugestões de temas para uma ou diversas histórias infantis. Lembrando que a história infantil tem a estrutura do conto, o que muda é o enredo com apelo infantil, que deve mexer com o imaginário do leitor/ouvinte. Não se intimide com o vocabulário, a criança precisa conhecer novas palavras. Trabalhe, com as ferramentas que conhece, insira figuras de linguagem para que a criança se envolva com a história:

 

Sinestesia: Empregue sensações que façam a criança sentir-se dentro da história: “A bruxa exalava aquele conhecido cheiro azedo do limão, quente do travesseiro dormido, tanto, mas tanto, que punha até medo”.

Comparação: Utilize eixos comparativos que a criança conheça. “Ela era tão pequena, mas não minúscula, que podia entrar nos buraquinhos dos formigueiros”.

Onomatopeia: Insira sons que façam a criança reconhecer o lugar. “Primeiro um muuuuuuu chegou perto da janelinha do galpão, depois chegou um vapt bem estalado, e somente depois enxergamos a cara grande da vaca Mimosa que queria entrar pela janela, bem menor que ela.”

Catacrese: A catacrese ajuda a criança a identificar objetos. “ A cadeira não queria mais ser chamada de cadeira, na verdade, ela queria ser poltrona, então ela estendeu os braços para o marceneiro”.

Metáfora: A metáfora contribui com a fantasiação das ideias. “ Ele era furacão, corria desgovernado com pernas de alicate, sem nenhum cuidado com as coisas, ia derrubando o que visse pela frente, um verdadeiro ventilador gigante em plena correria. Esse era Bil, meu primo que queria ser atleta”.


























Era uma vez...

É muito tarde para nós - Ises A. Abrahamsohn

 


É muito tarde para nós

Ises A. Abrahamsohn

 

Liena pegou o tablete verde partiu-o e empurrou metade na direção de Celan. Depois mediu cuidadosamente exatos 500 mililitros antes de despejar a água ligeiramente violácea nos dois copos. Três tabletes diários continham as calorias necessárias para um adulto assim como os dois litros de água tratada eram suficientes para a hidratação enquanto ficassem no ambiente interno. O controle da ingestão tinha começado há quarenta anos ainda antes do fim do século 23. Celan brincou:

Lembra daqueles relatos da alimentação do século XXI? As pessoas realmente comiam produtos que nasciam em árvores, chamavam de frutas e, mais incrível, comiam carne de animais, hoje extintos, que eles criavam para comer. Não posso imaginar! Carne não, mas frutas eu comeria com prazer. Vou fazer de conta que estou comendo maçã. Havia maçãs verdes E, quando comer um tablete amarelo, poderia ser uma laranja. Agora temos a proteína vinda de tenebrios. Os químicos dizem que colocam os sabores das épocas antigas, mas nem eles sabem.

Liena e Celan ainda viveram anos de relativa fartura no final do século 23 quando jovens. Os tabletes e a água não eram tão racionados e havia para as crianças verduras hidropônicas,  cogumelos e biscoitos especiais de algas. Porém, no século 22, as duas ou três gerações antes deles viveram épocas terríveis quando a população mundial, cada vez maior, chegou a 13 bilhões. As previsões eram que a população da terra chegaria a cerca de 10 bilhões em 2.070, porém isso não ocorreu. Hordas de desesperados invadiram e destruíram as florestas e matas na tentativa de cultivar alguma raiz comestível ou de extrair algum minério rentável. O efeito estufa e a destruição de florestas tinham elevado drasticamente as temperaturas do ar e dos oceanos.

As bombas atômicas nas guerras do final do século 22 e durante o 23 travadas entre as potências coligadas da Ásia, a América/Europa e do leste europeu haviam dizimado a população para os atuais 2 bilhões de pessoas e tornado a terra estéril.

Agora, em 2422, as únicas regiões habitáveis para esses 2 bilhões de seres situavam-se abaixo e acima dos trópicos. No que se conhecia como Patagônia na América do Sul e os países do Norte da Europa e Sibéria. Liena e Celan haviam nascido após as grandes guerras atômicas quando se formaram as duas grandes federações, a do Sul e a do Norte, governadas por representantes civis e militares. O controle estrito da natalidade foi estabelecido, e apenas um a cada cinco casais poderia ter um descendente, entretanto o efeito só seria visto em duas gerações. Liena e Celan não haviam sido selecionados para procriar, apesar de terem inteligência classificada no nível mais alto e ambos serem bioengenheiros. Tinham se acostumado a viver junto desde jovens e tinham os mesmos interesses. Agora estavam com sessenta anos.

Diariamente partiam as naves espaciais levando as pessoas para as novas colônias já estabelecidas em Marte. O processo de seleção era rígido com cotas específicas para cada nível de inteligência, especialidade, biotipo, saúde e idade. A vida em Marte seria incialmente mais difícil, porém as previsões indicavam que lá, com menos habitantes, as condições de vida poderiam ser melhores.

Liena olhou para o companheiro. Nós podemos nos inscrever para Marte. Meu chefe, ofereceu para nós dois, apesar da idade, um passaporte de cientistas. Temos que decidir até amanhã. Você quer ir? Eu só iria com você. Não tenho coragem para enfrentar sozinha mais essa.

Celan, olhou para Liena. Eu também tive essa oferta, para nós dois, há uma semana. Nós temos apenas mais dez anos de vida. Você sabe. No último decreto baixaram o limite de sobrevivência dos 75 para 70 anos. Lá permitem 5 anos extra, poderíamos viver até 75, mas eu não tenho mais força física para aguentar a vida lá. Prefiro viver os meus dez anos restantes aqui mesmo até a exterminação chegar, num ambiente que conheço. Nós temos nossas telas de leitura, a música e se a situação ficar muito difícil podemos ir antes juntos ao Setor de exterminação.

É  muito tarde para nós.... Ambos disseram ao mesmo tempo e se abraçaram.


LIN, A CHINESA - Antonia Marchesin Gonçalves

 

 

LIN, A CHINESA

Antonia Marchesin Gonçalves

 

                Cada país tem suas tradições, a China não é diferente, pelo contrário, lá a cultura e tradição são mantidas com profunda fidelidade, passando de geração em geração, independente à época em que vivem. Apesar de que os jovens de hoje tentam exigir mais liberdade de expressão e liberdade.

                A família de Lin, com a queda da monarquia, sendo o seu pai alto funcionário do primeiro escalão do império resolveu vir para o Brasil, precisamente em São Paulo, junto também com amigos da mesma elite, com excelentes condições financeiras compraram casas de acordo com o seu padrão, continuando a manter todas as suas tradições, como por exemplo, casamento arranjado, foi o caso de Lin. Após concluir o colegial foi fazer faculdade nos EUA, ao terminar o curso os pais já haviam determinado o seu futuro, casaria com o filho de amigos do mesmo nível social.

                Alta, elegante, olhos amendoados, educada falando três línguas, acatou a decisão dos pais sem questionar e da mesma forma o noivo, por ser o primogênito da família, a sua obrigação era aceitar o casamento arranjado. Bonito, alto e porte elegante, formado engenheiro pela Poli, já rinha a sua independência financeira, apesar de ter namorado brasileira, não podia se casar tinha que respeitar a decisão de ambos os pais.

                 Lin voltou para o Brasil e preparou-se para se apresentar com o seu dote devido. O noivado, na casa do noivo, teve recepção com jantar típico e vários discursos nos dois idiomas, inglês e português por ter convidados que vieram dos Estados Unidos. A sala muito ampla decorada com vasos vindos do palácio e peças de jade encantadoras. Na semana seguinte foi o casamento religioso, a igreja lotada, ela linda num vestido creme todo de renda e seda, o véu preso por arranjo de flores, parecia uma princesa. Após a cerimônia religiosa, a festa ocorreu no primeiro restaurante chinês em S.P., o Golden Dragon, decorado no luxo máximo do mobiliário original, vindo da China.

                Ali acontece a cerimônia tradicional chinesa, ela vestida toda de vermelho e dourado longo e na cabeça um novo penteado e arranjo típico maravilhosa. Durante todo o jantar a cada prato servido e foram muitos, até finalizando com a sopa de barbatana de tubarão, ela trocava de vestido e penteado, com adornos diferentes, era a demonstração do dote que levava. Também manda a tradição o primogênito morar com os pais e ela cuidar e acatar à mando da sogra, assim foi. Após dez meses, nascem às primeiras filhas gêmeas, foi decepção familiar, a tradição novamente, era desejado o varão para manter a continuidade do nome.

                A segunda gravidez outra menina, a partir daí Lin passou a ser tratada com certo desprezo pela sogra que fazia questão de demonstrar o descontentamento, mas ela ali continuava e servilmente cuidando dos sogros.

 

                Na terceira gravidez a derradeira esperança, veio outra menina. A partir daí, a sogra a tratava como uma serviçal, não tendo nem carinho para com as meninas e muito menos com ela. Toda a semana tinha jogatinha na casa com amigos à noite toda e as crianças não podiam entrar na sala e Lin tinha que servir mantendo a alimentação para que se servissem. Totalmente desvalorizada aceitava a desonra de não ter estado à altura da tradição.

                Os anos se passaram e ela cuidou dos sogros até morrerem, as filhas se formaram, finalmente venderam a casa e foram morar num apartamento, e ela agora cuida do marido que devido ao derrame cerebral esta dependente de cadeira de rodas e dela, ao menos agora, não têm que abaixar a cabeça para ninguém.

               

 

FECHADA P’RA BALANÇO? - Ledice Pereira

 

                      

                    

FECHADA P’RA BALANÇO?

Ledice Pereira

 

Finalmente, aos vinte e oito anos, Suzana conseguira sair daquela relação abusiva. Abriu a porta de casa e desabou no sofá. Sentia um misto de alívio, de medo, de liberdade, de vitória. Não havia sido fácil. Foram anos tentando sair fora. Quase desistira mas sua advogada era determinada e a munira de coragem para enfrentarem a fera. Rogério deu mostras de ser desequilibrado logo que se casaram muito jovens, depois de um namoro e noivado rápidos em que o rapaz fora dissimulado.

Ela foi pega de surpresa. Aquela paixão inicial, transformou-se em medo. Ele a mantinha presa e a ameaçava, não permitindo que ela exercesse a profissão que tanto amava, desde adolescente demonstrava seu amor pelas letras. Ser escritora era sua meta.

O passaporte estava em dia. Paralelamente aos trâmites do divórcio, providenciara a atualização do documento. Há muito desejava sair do país, dedicar-se totalmente a escrever, coisa que não pôde fazer durante todos esses anos de disputa judicial. Vinha pesquisando pela internet e descobrira em Bari uma vila de casas antigas perfeitas para se isolar e deixar fluir o pensamento, transpondo-o para a escrita há tempos reprimida.

Através de sua advogada, informara-se do valor a pagar, do que precisaria levar para mobiliar o local para que tivesse o essencial e conseguiu um intermediário local que se encarregou de todas as providências.

Arrumou sua mala com o essencialmente necessário, trocou de notebook por um top de linha, despediu-se dos pais e amigos chegados e partiu, deixando para trás decepções, amarguras e tristezas. Iria viver uma nova vida, com que vinha sonhando ultimamente. Sentia-se com o coração fechado. Costumava dizer que estava fechada p’ra balanço

Estava tão cansada que dormiu durante quase todas as onze horas do voo. O avião não estava lotado e teve a sorte de voar sem nenhuma companhia ao lado. No próprio aeroporto de Fiumicino, após passar pela alfândega, dirigiu-se a um pequeno restaurante onde fez uma breve refeição. Havia optado por fazer a viagem de trem até o destino. E com medo do voo atrasar escolheu um horário com bastante folga. No terminal 2 aguardou a chegada do trem.  Estava tão em paz consigo própria que nem sentiu o tempo passar. A viagem transcorreu sem nenhuma intercorrência. Chegou ao destino já à noite. O intermediário a esperava e a transportou a uma pousada previamente reservada. Uma cesta de pães, queijos e frios a aguardavam, bem como meia garrafa de vinho de uma vinícola da região. Tomou um banho bem demorado e fartou-se com todas aquelas delícias. Liquidou com a garrafinha daquela bebida dos deuses. Ligou a TV e capotou.

Na manhã seguinte, Suzana acordou com muita disposição. Tomou um delicioso café com tudo que tinha direito e esperou por Jorge, o intermediário. Estava ansiosa para conhecer sua nova moradia que vira apenas por foto.

Ficou ainda mais encantada ao conhecer de perto  Alberobello com seu conjunto de trulli (plural de trullo), antigas casas de calcáreo com telhados cônicos, declarada Patrimônio da Humanidade pela UNESCO. Os trulli, uns mais pitorescos que outros, eram todos enfeitados com jardineiras e vasos floridos. Trepadeiras quebravam a frieza dos muros de pedras. O colorido das flores trazia um romantismo ao lugar. Teve a certeza de que se daria bem ali.

À tarde, trouxe suas coisas para se instalar. Começava então uma nova vida, com novos ares, novo país, novas perspectivas.

Jorge fez um relato de tudo que ela tinha vontade de saber. Explicou onde ficava a Igreja de Sant’Antonio, o armazém, a farmácia, os locais para que pudesse se alimentar e se divertir. Deu-lhe um pequeno mapa da região e Suzana sentiu vontade de desbravar o lugar.

Logo, descobriu que, se quisesse fazer caminhadas, teria que ir até a praia porque as ruas eram bem tortuosas e íngremes, além de forradas com pedras irregulares. Mas podia sentir a energia do lugar. E deixou que o ar puro enchesse seus pulmões.

Percebeu também que as pessoas pareciam ter um bom astral. Todos a olhavam e a cumprimentavam sorridentes.

Nos primeiros dias, em que ainda não havia abastecido a despensa, resolveu pesquisar os restaurantes, bares e osterias do lugar. Todos ofereciam o vinho da região, maravilhoso. Em geral, a comida oferecida era de lamber os beiços. Jorge havia recomendado a Osteria Villari. Resolveu experimentar, depois de sair maravilhada resolveu visitar a Basílica de San Nicola.

Em casa, procurava comer muitas verduras e frutas da estação.

O fim do verão já apresentava um vento de fim de tarde, mas as manhãs eram inteiramente aproveitáveis.

Organizou-se. Aproveitaria as manhãs para caminhar, exercitar-se e fazer as compras necessárias. Uma vez por semana faria o curso de italiano, embora na região muitos se comunicassem no dialeto local.  À tarde estaria inteiramente voltada à escrita. No ambiente pequeno, o notebook a encarava, lembrando-a de que estava à disposição.

Aquele lugar romântico e aconchegante seria uma fonte constante de inspiração.

Os moradores do lugar, hospitaleiros, começaram a convidá-la para pequenos eventos.

Em pouco tempo, sentia-se entrosada e conhecia grande parte da vizinhança e dos lugares indicados.

Pelas redes sociais, matava a saudade de alguns amigos chegados, dos pais e da irmã caçula.

O outono chegou mais rápido do que ela previa, as folhas avermelhadas decoravam ainda mais a região. O tapete de folhas forrava o caminho de pedras. Passou a acordar um pouco mais tarde e a fazer as caminhadas quase na hora do almoço. Depois de seis meses sentia-se ambientada.

Seu romance crescia de vento em popa, deixando-a satisfeita, embora a cada vez que relia, alguma modificação era feita. Era exigente.

Naquela manhã, foi acordada por um burburinho nada habitual. Abriu a janela. Havia grupos formados aqui e ali. Alguns gesticulavam, parecendo aflitos. O que estaria acontecendo. Vestiu-se rapidamente e saiu para saber o que ocorria de diferente naquele lugar sempre tão tranquilo e pacífico.

Ficou sabendo do sério acidente ocorrido bem no início da manhã. Um trem que vinha de Lecce chocou-se com uma composição que vinha inadvertidamente em sentido contrário, o que não era habitual. Várias pessoas ficaram machucadas, algumas em estado grave e tiveram que ser levadas para o hospital local.

Suzana, achando que deveria prestar solidariedade aos feridos, dirigiu-se ao hospital.

A equipe médica estava em polvorosa. Haviam chamado mais médicos e cirurgiões de outros hospitais e até de cidades vizinhas.

Pediram-lhe que voltasse nos dias seguintes porque naquele momento em nada poderia ajudar. Deixou o número de seu celular, colocando-se à disposição.

Dias depois, soube que vários pacientes haviam sido liberados, alguns poucos ainda permaneciam internados. Voltou a se oferecer para acompanhar algum doente que tivesse necessidade.

Foi então que conheceu Giovanni. O rapaz de trinta e cinco anos teve que ser submetido a várias cirurgias. Com a batida dos trens, fora jogado ao chão, ficando preso entre algumas ferragens o que resultou num esmagamento na coluna, causando lesão da medula espinhal.  Felizmente, as cirurgias tiveram sucesso e os médicos ficaram otimistas quanto aos resultados.  Isso demandaria tempo pois ainda dependeria de muita fisioterapia.

Ir vê-lo no horário de visitas, tornou-se uma rotina para ambos que, aos poucos, descobriram algumas afinidades o que os aproximou. Giovanni era guia turístico na região. Morava em Lecce de onde estava vindo quando sofreu o acidente.

Os pais de Giovanni vieram logo que souberam do que ocorrera e queriam transferi-lo para sua cidade, mas foram aconselhados a aguardar um pouco. Resolveram hospedar-se numa pousada e permaneceram alguns dias até que se sentiram mais seguros com o progresso do jovem. A presença de Suzana também os tranquilizou, permitindo que retornassem às suas atribuições em Lecce.

A amizade dos dois crescia a olhos vistos e permitiu-lhes tantas confidências quanto o tempo de convívio permitiu.

Giovanni contou que também havia saído de um relacionamento tão doentio que havia se tornado esquivo a qualquer outra relação. A ex-noiva teve que ser internada num centro de recuperação após ser diagnosticada com psicopatia grave.

O progresso do rapaz na recuperação dos movimentos era visível. Ele tinha uma força de vontade que animava o fisioterapeuta a exigir cada vez mais do paciente.

Após três meses do acontecimento, foi autorizado a continuar o tratamento em sua cidade. A primeira coisa que fez foi ligar para Suzana para dar-lhe a notícia.

Suzana, entretanto, não conseguiu falar nada. Ficou muda enquanto grossas lágrimas rolavam pela face. Havia se preparado para aquele momento, mas a realidade pegou-a totalmente desprevenida. Conseguiu balbuciar apenas um Va bene.

Ao desligar o celular, chorou um choro sentido. Apegara-se ao rapaz. Na verdade, apaixonara-se por ele. Vestiu-se, dirigindo-se ao hospital. Os óculos escuros escondiam o inchaço dos olhos. Encontrou-o no meio das sacolas que foram se acumulando durante os meses ali passados. Ele a recebeu com um sorriso vitorioso. Ela o abraçou, tentando conter os soluços. Ao tirar-lhe os óculos ele percebeu o que escondiam. Retribuiu o abraço. O beijo foi inevitável.

Ficaram imóveis, sem coragem de quebrar o encanto daquele momento de descoberta.

O motorista chegou para buscá-lo. Combinaram que ela iria encontrá-lo em Lecce.

Durante a viagem de volta, Giovanni mal conseguia acreditar que aquilo estava acontecendo com ele.

Suzana enxugou as lágrimas, sentindo que um novo caminho se delineava em sua vida. Estava pronta para trilhá-lo.

 





IMAGEM AMBÍGUA - Antonia Marchesin Gonçalves



IMAGEM AMBÍGUA

Antonia Marchesin Gonçalves

 

                Andando pelo corredor da Faculdade, observo uma pessoa que vinha no sentido contrário ao meu. Pensei, que mulher alta! Passando ao meu lado voltei a pensar, não é mulher, fiquei na dúvida. Na classe o professor precisou de suporte técnico para ligar o projetor, que fica no teto, e pede ajuda ao responsável do andar, e quem vem? A tal mulher ou homem.

                Com facilidade fica na ponta dos pés, aperta o botão e liga o aparelho, continuei na dúvida. Os assistentes não são uniformizados? A dúvida continuou. Homem ou mulher, os cabelos fartos, longos até os ombros, e com destreza tira o elástico do punho e o prende com um rabo de cavalo.

                Não são gestos delicados, mas também nem grosseiros a ponto de achar ser homem. Após a aula fui de elevador até o quarto andar para a aula de coral, e quem estava lá? A tal pessoa. Discretamente tento olhar para ver se posso definir o enigma, mas continuei com a dúvida.

                A pessoa é nova funcionária, nos outros anos eu não a havia visto. Ao sair da aula comento com as colegas sobre a minha dúvida, e pergunto se também haviam visto e tinham a mesma dúvida. Com exceção de uma que esclareceu que se tratava da primeira funcionaria trans contratada, e que se observasse bem tinha pequenos seios.

 

— Mas, é um homem trans, ou uma mulher trans?

E aí todas ficaram com a mesma dúvida.

                Nem sempre o olhar define o que se está vendo e desperta a nossa curiosidade.

PROMESSAS... - Suzana da Cunha Lima

 

PROMESSAS...

Suzana da Cunha Lima

 

O casamento era no dia seguinte e os fornecedores deviam ter feito alguma conspiração contra a cerimônia. Os pedidos chegavam atrasados à custa de muita pressão da família aflita e da noiva estressada. A mãe, no auge do desespero, resolveu tomar uma atitude, qualquer atitude disse, e escolheu aleatoriamente o primeiro relapso da lista.

— Olhe aqui, já estou farta de tanta espera. Acho bom se decidir rapidinho porque sei de tudo de vocês aí.

— Como é? De tudo o quê?

— Não se faça de engraçado...  Não está lidando com nenhuma criança. A moça está aos prantos aqui.

— Moça? Que moça?

— A moça que você está enganando este tempo todo.

— Enganando? Mas como...

— Não pense que lida com idiotas. Tenho como fazer você assumir suas responsabilidades. Olhe, numa penada só, posso mandar fechar sua espelunca. Já disse que eu sei de tudo, tudinho.

— Tem algum engano aí, dona. Sempre cumpro meus deveres, pago meus impostos, minhas contas...tenho só uma fatura pendurada no banco, umas dívidas michas por aí, tudo ninharia, tudo normal. Questão de tempo para pagar, é só me pagarem o que me devem.

— Ah, é? E suas promessas, não valem nada? A moça acreditou em tudo e agora, veja a situação...

— Pera aí.... Não fiz promessa nenhuma a ela.  Ela deu porque quis.  

Parece que é...

 

Parece que é...ILUSÃO DE ÓTICA


O QUE VEMOS NESTA IMAGEM?






OS PONTOS BRANCOS NO CENTRO DO QUADRADO, PARECEM MUDAR MUDARA A COR CINZA




PAREIDOLIA




E temos outros tipos de ilusões, como aquela quando temos a impressão de ter visto isto, mas na realidade vimos aquilo. Ou quando nos deparamos com uma imagem ambígua, como veremos nos vídeos.




O que será que ele sabe? - Ledice Pereira

 


O que será que ele sabe?

Ledice Pereira

 

Renato andava de um lado para o outro. Estava impaciente.

Os colegas sussurravam, uns aos outros, procurando saber o motivo de tal agitação.

Em dado momento, o homem bateu a porta com força, indicando que precisava ficar só. Todos respeitaram, voltando aos seus lugares.

Na sala, trancado, Renato se desesperava:

O que será que esse desgraçado sabe?

Por que não se identificou?

Por que não deu nenhuma dica?

Seria pela propina que recebi daquele maldito partido político? Bem que eu não queria aceitar, mas eles juraram que não sairia destas quatro paredes...

Apavorado, continuava a enumerar as possíveis contravenções em que estivera envolvido, sem contar com suas conquistas amorosas. Tentara ser discreto, mas sempre se corre o risco de ser visto na entrada do motel.

─ Ah, se Roberta souber! É bem capaz de me matar.

O rapaz começou a suar. Hipocondríaco, medicou-se.

Os amigos preocuparam-se com aquela porta trancada há horas. Bateram. Nada!

Chamaram. Nenhum sinal.

Arrombaram a porta! Encontraram-no caído no meio da sala. Respirava.

Uma ambulância foi chamada. Roberta foi avisada e, aflita, dirigiu-se ao hospital indicado.

Ele ainda dormia. Respirava com o oxigênio. Seus batimentos ainda estavam acelerados.

O marido andava trabalhando muito. Certamente, estava estressado.

Nunca soube o verdadeiro motivo da internação.

Achou que ele estava precisando de paparicação. Mimou-o!


Brincadeira de mau gosto - Adriana Frosoni

 



Brincadeira de mau gosto

Adriana Frosoni


(Releitura do texto BRINCADEIRA de Luiz Fernando Veríssimo)

 ___________________________________________


Depois de receber aquela ligação minha vida mudou para sempre. As palavras que ouvi ressoavam na minha cabeça o tempo todo, nas horas mais inesperadas.

— Alô!

— Eu sei de tudo!

— Tudo o quê?

— Você sabe.

— Não sei. O que é que você sabe?

Apesar de nunca ter feito nada de grave nessa vida, ninguém é santo, e nunca se sabe como as histórias foram contadas e recontadas.

Resolvi ligar de volta, pedir segredo. O sujeito sabia alguma coisa da minha vida e eu nem imaginava o que era. Aquelas palavras passaram a atrapalhar meu sono, meu medo era perder algo importante em função de uma calúnia, e olha que eu tinha muito a perder.

Depois daquilo, num dia eu olhava para a minha esposa e pensava como era bom viver ao lado dela; no outro, olhava para o meu filho e avaliava o respeito e a admiração que ele tinha por mim. Além disso, todos os dias no trabalho eu lembrava do quanto me esforcei, e ainda me esforçava, para me aposentar neste emprego. Talvez tenha sido em vão, contudo, não havia o que fazer, só esperar, e rezar para que o pulha mantivesse a boca fechada.

            O tempo foi passando até que um dia reparei nas olheiras profundas de um amigo do futebol e achei que éramos próximos o bastante para que eu perguntasse o motivo. Mesmo relutante ele me contou sobre a insônia que sofria desde o dia em que recebeu um telefonema e, pasmem, era o mesmo que aconteceu comigo!

Horizontes se abriram quando ouvi a confissão dele, me confessei também e conversamos sobre o assunto demoradamente. Me fez muito bem ter com quem falar, com o tempo descobrimos outros no mesmo barco e formamos um tipo de confraria de autoproteção, dividíamos tudo sobre esse assunto. O alívio veio com as reuniões em volta da churrasqueira todas as quartas-feiras regadas a chopp gelado, com os desabafos e as bravatas contra o velhaco.

Estava indo tudo muito bem até que um de nós descobriu o sumiço do cretino e todas as preocupações, o frenesi e a insônia do começo voltaram à tona.

Eu e todos os outros decidimos encontrá-lo e arrancar à força o que ele sabia de cada um de nós, fazê-lo contar como descobriu e por fim, negar tudo, claro! Contratamos um detetive particular recomendadíssimo e em algumas semanas achamos o covarde. Acreditem, a esmo de todo nosso sofrimento, ele estava vivendo em uma bela casa, numa praia remota, de frente para mar. Essa foi a gota d’água: alugamos carros pretos, cobrimos as placas, fomos até lá. Já era noite avançada quando invadimos a casa e exigimos que ele nos contasse tudo o que sabia. Foi uma gritaria, ameaças de todos os tipos, um fuzuê danado e nem assim o canalha cedeu, a única resposta que conseguimos foi:

— Era brincadeira! Era brincadeira!

Não podia ser verdade. Éramos oito contra um e o pressionamos mais, demos empurrões, pescoções, ele fugiu escada acima e fomos atrás, ameaçamos jogá-lo pela janela. Se esquivou, desceu novamente e correu para o jardim. Foi quando trombou de frente com o maior de nós, desequilibrou-se e caiu de costas no chão. Com os olhos estarrecidos de medo voltou a gritar:

— Era brincadeira!

Levantou-se devagar e, dando passos para trás, foi se esquivando de nós. Isso tudo estava me deixando mais furioso ainda, sendo um homem de bem nunca participei de algo parecido, esse ataque noturno estava me deixando com os nervos à flor da pele. Foi nesse momento que passei a ter algo a esconder, abri caminho entre os parceiros, olhei aquele desgraçado franzino que zombou de mim por tanto tempo: perdi a cabeça, saquei a arma e atirei nele!