AQUELE
VENDEDOR
Ledice Pereira
Jorgina havia percebido
aquele vendedor misterioso.
Sempre às terças-feiras,
dia que ela procurava não marcar nenhum compromisso, dia que ela reservava para
si. Levantava tarde, tomava um belo café, lia com calma o jornal e não se preocupava
em cozinhar. Ficava de roupão até tarde, tomava um banho demorado e lá pelas
três e meia/quatro horas, saía para dar uma volta. Parava na padaria, onde
comprava algo que lhe apetecesse, e voltava para casa, cumprimentando um e
outro, parando, às vezes, para conversar com algum passante. Conhecia toda a
vizinhança. Morava ali há vinte e cinco anos, antes mesmo de se separar de
Eduardo.
Invariavelmente, ao voltar
pra casa, dava de cara com o dito vendedor, que ela passou a chamar intimamente
de vendedor de ilusões. O homem surgia, como por encanto, com os mais diversos
objetos, sempre gentil e sorridente. Apenas uma vez, para ajudá-lo, resolvera
comprar um jogo de vassouras. Ela era capaz de jurar que ele a espreitava, tal
a precisão de sua aparição.
Naquela tarde, não foi
diferente. O sujeito surgiu do nada. Ao contrário das outras vezes, trajava um
blazer marinho sobre uma camisa azul clara e vestia uma calça jeans de bom
caimento. A barba desenhada o tornava mais bonito. Teria uns cinquenta e poucos
anos. Os cabelos grisalhos davam-lhe um charme ainda maior.
Jorgina segurou a
respiração. Nunca havia reparado em tantos detalhes. Notou quando ele retirou
um bouquet de rosas vermelhas de dentro de um Corolla preto ali estacionado e
se dirigiu em sua direção, entregando-lhe as flores.
Não sabia como reagir.
Ficou parada sem ter o que falar e até derrubou o pacote que trazia da padaria.
Ele, prontamente apanhou o
embrulho, ao mesmo tempo em que dizia:
─ Pegue, são para você! Desde
que me mudei, há oito meses, para aquele prédio ─ apontou para o prédio à esquerda ─ passei
a observá-la. Mas você nunca me
enxergou. Por não saber como abordá-la, resolvi me passar por vendedor. Espero
que não me julgue muito infantil. Na verdade, sou advogado e trabalho em casa. E...
acho que me apaixonei por você!
Jorgina, que sempre se
julgou dona de seu nariz, pela primeira vez, não sabia o que dizer. Perdeu
literalmente a fala. Pegou as flores, sorriu e o convidou a entrar.
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