Sal e pimenta - um apólogo - Silvia Helena De Ávila Ballarati


          

SAL E PIMENTA

Silvia Helena De Ávila Ballarati


– Estava com saudade de você! Por onde andou esse tempo todo? Pergunta a pimenta.

– Ah! Fui tirado da mesa, diz o sal. Agora só me deixam na cozinha. Estou detestando! Além de ficar longe de você,  estou impressionado com  a falta de higiene e o descaso comigo.

– Colocam a mão em mim a toda hora, mãos sujas, dedos oleosos que me apertam, me esfarelam, me atiram na pia sem a menor consideração. E há ainda aqueles que me lambem, ai credo!

– É, foi desde que inventaram essa história de que você faz mal que ninguém mais deixa saleiro durante as refeições, coitado! E, além disso, agora você está na composição de todos os alimentos, inclusive os doces, não é mesmo?

–Sim, dizem que eu realço o sabor de tudo. Então, se eu sou tão importante assim, justo eu fico de fora da mesa? Será que vocês, pimentas, também não fazem algum mal? Ai, desculpe-me, não quero ser indelicado, você sabe como eu te adoro. É que eu estou inconformado.

– Nossa! Será que vão fazer o mesmo comigo? Pensou alto a pimenta. Ah! Mas se fizerem... eu me vingo! Ai de quem encostar a mão em mim, coitado! Acabo com seus olhos, furo seu estômago. Sou vingativa mesmo, onde já se viu? Sempre servi, sempre dei sabor também. E aroma, você já viu como consigo perfumar as comidas?

– É, diz o sal, sorte sua que não pode ser tocada, eles te respeitam mais do que a mim. Ninguém ousa passar a mão em você.  Agora eu? Fico lá, jogado numa vasilha de plástico qualquer, de margarina, de  sorvete, nunca com a tampa certa porque perdem e tampam com qualquer coisa, até com pires! Ai que horror!  Fico lá, abafado no armário, apertado no meio de tanta coisa.

– E os saleiros, lembrou a pimenta, cada um mais lindo que o outro. Lembra quando ficávamos abraçadinhos em preto e branco? Era um pouco difícil de sair de lá, mas era tão romântico!

– Para mim, os de prata, sempre reluzindo, noites de gala, toalhas de banquete, como era chique! Nesses dias, sentia-me o verdadeiro rei da refeição. Os convidados me depositavam na mesa suavemente,  e só depois outros dedos vinham me pegar, não ficava nessa coisa de passar de mão em mão, muito mais adequado num jantar sofisticado.

– Sal, lembra dos nossos mergulhos de cabeça na sopa? Quanto mais ralinha melhor, você ia fundo,  depois voltava à tona e ficava me procurando.

– E quando era creme, ficava mais difícil afundar, então ficávamos fazendo  desenhos  na superfície, lembra? Até  grudar na colher era engraçado, como tenho saudade de tudo isso, pimenta.

– Não me conformo de não estarmos juntos. Sempre nos completamos, não me sinto à vontade na mesa sem você, todo mundo repara. Ficam me olhando e perguntando, cadê o sal? Isso me deixa tão constrangida.

– E é sempre a mesma desculpa. Sal faz mal, não ponha mais porque a maioria dos alimentos já contém sal embutido, blá blá blá... O pior é que não sou eu o culpado. É um tal de glutamato monossódico, um pilantra, um cara do mal mesmo.  Ele sim deveria ser banido de tudo quanto é comida, ele sim está em tudo, até na rapadura, você acredita? Tem cabimento rapadura ter gosto salgado?

– Jura? Como você sabe? Pergunta espantada a pimenta.

– É só olhar na composição nutritiva, sei lá, naqueles escritos que vem em toda embalagem, pode conferir o nome do trapaceiro.

– Vê se volta, vai! Estou com saudade de brincar de esconde-esconde com você nas saladas, de me esparramar toda  na piscina de azeite que as crianças sempre faziam.

– É verdade, e elas sempre levavam bronca por isso. Eu adorava deslizar e fugir do pedaço de pão. Como era mesmo que eles falavam?  Puciare, puciare”! E por falar nisso, como vão nossos amigos , o azeite e o vinagre? Morro de rir quando lembro da briga que era pra caber todo mundo no galheteiro na hora de ir pra mesa. Se chegava algum tempero importado, um de nós tinha que sair, algumas vezes foi você, né, pimenta? Nunca era eu, até chegar essa novidade ridícula.

– Mas não me conformo com seu sumiço. São uns ingratos. Devem ter esquecido que você salva pessoas dos desmaios, que fica quietinho debaixo das línguas, que ajuda a cerveja a gelar mais depressa, quanta coisa diferente você faz.

– E as dores de garganta? Quando estou no meio de um gargarejo, quase morro afogado, jogam-me contra as paredes da boca no bochecho, sou sacolejado, cuspido na pia e não  reclamo de nada.

– Bom, sem contar as ofensas que você vem  aguentado há anos, né? Você não se incomoda de ficar atrás das portas? De ser comparado com gente apática, sem-graça?

– Nunca dei bola pra isso, pimenta. Até de grosso me chamam, você acredita?  Mas nada disso teria a menor importância se eu voltasse à mesa das refeições. E principalmente, voltasse pra você.  Ah! Pimentinha querida, me ajuda, nossa relação sempre foi tão ardente!!

– Ah! Sal, nem me fale! Sinto-me incompleta,  você  é minha vida, sem você tudo  fica  tão sem sal...



Um apólogo - Machado de Assis (repostagem)




A Proposopeia foi um recurso bastante empregado por Machado de Assis em diversas obras. No conto Um Apólogo, ele representa com muita evidência essa Figura.

Um Apólogo - Machado de Assis

Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:

— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma cousa neste mundo?

— Deixe-me, senhora.

— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.

— Que cabeça, senhora?  A senhora não é alfinete, é agulha.  Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.

— Mas você é orgulhosa.

— Decerto que sou.

— Mas por quê?

— É boa!  Porque coso.  Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu?

— Você?  Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu e muito eu?

— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados...

— Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás obedecendo ao que eu faço e mando...

— Também os batedores vão adiante do imperador.

— Você é imperador?

— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...

Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser.  Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana — para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha:

— Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco?  Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima...

A linha não respondia; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte. Continuou ainda nessa e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.

Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava de um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha para mofar da agulha, perguntou-lhe:

— Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas?  Vamos, diga lá.

Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha:

— Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico.

Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça:

— Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!



Texto extraído do livro "Para Gostar de Ler - Volume 9 - Contos", Editora Ática - São Paulo, 1984, pág. 59.



ANÁLISE DO CONTO: UM APÓLOGO - MACHADO DE ASSIS


  • FOCO NARRATIVO O foco narrativo é a perspectiva por meio da qual o narrador opta para relatar os acontecimentos da história. No conto “Um Apólogo”, temos o narrador observador em terceira pessoa, que não participa da história, se limitando apenas a narrar os fatos na medida em que eles acontecem. Logo no início do conto, já podemos observar vestígios do narrador-observador, no primeiro parágrafo: Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha. Entretanto, mais adiante, encontraremos um narrador personagem-intruso no décimo sexto parágrafo, concluindo que todos os fatos narrados eram fruto da memória do narrador: Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa. E no vigésimo terceiro parágrafo retoma a presença do narrador-intruso: Contei esta história a um professor de melancolia (...).

  • PERSONAGENS Os personagens são aqueles que praticam as ações narradas. Neste âmbito, podemos distinguir protagonista de antagonista, os principais e os secundários, pessoas ou não. No conto, temos dois personagens principais que são a agulha e a linha, pois elas são citadas logo no primeiro parágrafo e são bem destacadas na história, afinal, o conto é sobre elas. As personagens principais são antagonistas – uma em relação à outra, pois se opõem a todo instante, discutindo por vaidade, por orgulho. E os demais personagens são secundários, o alfinete, o professor de melancolia, a costureira, a baronesa e a modista, pois não são tão destacados quanto a linha e a agulha.

  • ENREDO O enredo é a sequência de acontecimentos de uma narrativa de ficção, ou seja, é o conteúdo que será construído no decorrer do texto. Além disso, o enredo, também chamado de trama, está diretamente ligado às personagens, como foi definido claramente por Antônio Cândido*: O enredo existe através dos personagens; as personagens vivem do enredo. Enredo e personagem exprimem, ligados, os intuitos do romance, a visão da vida que decorre dele, os significados e valores que o animam. O enredo pode ser dividido em quatro etapas. A primeira etapa é a Apresentação, no qual o narrador apresenta uma situação inicial, as personagens, suas características e em determinados textos, o tempo e o espaço em que a história ocorre. Em outras palavras, é o momento em que o narrador situa o leitor, para que este tenha informações suficientes a fim de compreender a história que começará a ler. O conto “Um Apólogo”, inicia-se com o diálogo das personagens principais, a agulha e a linha, que estão discutindo e argumentando sobre a relevância dos papéis de ambas: Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha: — Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma cousa neste mundo? — Deixe-me, senhora. — Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça. — Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros. — Mas você é orgulhosa.

  • — Decerto que sou. O espaço e o tempo em que a narrativa ocorre serão apresentados ao leitor mais adiante: Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. A segunda etapa é a Complicação, também conhecida como Desenvolvimento, no qual os conflitos começam a surgir, rompendo com a Apresentação, para dar início às ações que conduzirão a narrativa à terceira etapa, o Clímax. O momento em que a Complicação ocorre, é justamente quando está prestes a chegar a noite do baile no qual a baronesa comparecerá, no qual agulha e linha trabalham silenciosamente, após uma longa discussão sobre a importância de cada uma na preparação do vestido: A linha não respondia; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte. Continuou ainda nessa e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile. A terceira etapa é conhecida como Clímax, que é o ponto mais alto da história, o momento em que o conflito chega ao seu limite. Costuma ser situado no final da narrativa, e no conto “Um Apólogo”, não poderia ser diferente. Finalmente, a noite do baile chegou e a linha “cutuca” mais uma vez a agulha, exibindo-se toda orgulhosa, pois irá ao baile no vestido da baronesa, enquanto que a agulha será guardada numa caixinha de costura: Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava de um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha para mofar da agulha, perguntou-lhe: — Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá.

  • E por fim, temos o Desfecho, que corresponde à situação final da trama, a solução dos conflitos. Na narrativa, esta quarta etapa pode ser surpreendente, feliz, trágico, cômico, ente outros. O encerramento do conto “Um Apólogo” é o momento em que o alfinete, vendo toda a cena, vira-se para agulha e lhe diz para aprender, pois enquanto ela abre o caminho, quem goza da vida é a linha, encerrando por fim, com o próprio narrador (agora personagem), que extrai uma frase dita pelo seu professor de melancolia: Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha: — Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico. Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça: — Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária! *[CANDIDO, Antonio. A personagem de ficção. São Paulo: Perspectiva, 1987. p. 534).

  • TEMPO No contexto da narrativa, o Tempo é período no qual decorre o percurso cronológico ou psicológico que vai desde o início até o final da história. No conto, o tempo costuma ser mais curto – se for comparado ao romance ou à novela. Como dito, na narrativa podemos encontrar tanto o tempo cronológico como o psicológico, sendo este o tempo que transcorre no interior das personagens, sem responder a uma ordem cronológica, mas sim, que reflete a subjetividade de sua imaginação, e aquele, marcado pelo relógio, objetivo, definido. No conto “Um Apólogo”, há o encontro de ambos os tempos. O cronológico destaca-se na passagem em que o narrador relata que o vestido da personagem ficou pronto em quatro dias: Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte. Continuou ainda nessa e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile. Já o tempo psicológico aparece no final do texto, quando o leitor se dá conta de que toda a narrativa se passou na memória do agora narrador personagem, que estava contando a história a um professor de melancolia: Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça: — Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!

  • ESPAÇO Na perspectiva da narrativa, o Espaço é o lugar físico onde as personagens circulam, onde as ações são realizadas, ou em outras palavras, é a ambientação da história. No conto “Um Apólogo”, não há vestígios de uma ambientação detalhada, mas o narrador nos dá o lugar físico em que as cenas de discussões entre a agulha e a linha ocorrem, a casa da baronesa: Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Podemos concluir que se trata de uma casa aristocrata, por pertencer a uma baronesa – que provavelmente tinha muitos empregados e que não saía de casa, a modista e a costureira que iam até ela para preparar as vestimentas do baile.

  • CONSIDERAÇÕES FINAIS Após a leitura e análise do conto “Um Apólogo”, de Machado de Assis, podemos concluir que a agulha e a linha incorporam atos humanos, como o orgulho, a vaidade, a prepotência, entre outros, a fim de mostrar que uma é mais importante que a outra. Podemos observar também que metaforicamente, a linha leva toda a glória e reconhecimento do trabalho pesado da agulha, como o alfinete descreve: Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha: — Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico. E por fim, temos a aparição do professor de melancolia, que representa no conto as pessoas que também são usadas, que não são reconhecidas: Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça: — Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária! Mais uma vez, Machado de Assis nos surpreende com sua obra e com a sua sagacidade em escrever um conto que transmite os valores de uma sociedade orgulhosa, representada por simples personagens, a linha e a agulha.\


  • BIBLIOGRAFIA Livros: ASSIS, Machado de. Contos. São Paulo: Ciranda Cultural, 2010. CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português Linguagens 3. 6 ed. São Paulo: Atual, 2008. Sites: Vestibulando Web http://www.vestibulandoweb.com.br/portugues/portugues-esse-este-aquele.asp consultado no dia 29/10 às 14:30; Recanto das Letras http://www.recantodasletras.com.br/teorialiteraria/1616518 consultado no dia 29/10 às 14:42; Portal Educação http://www.portaleducacao.com.br/educacao/artigos/34413/o-espaco-da-narrativa consultado no dia 29/10 às 14:51. Brasil Escola http://www.brasilescola.com/historiab/a-chegada-dos-imigrantes.htm consultado no dia 29/10 às 17:34. O Blog da Redação
  • http://oblogderedacao.blogspot.com.br/2012/08/uma-breve-analise-redacional-de-um.html consultado no dia 29/10 às 17:42.


À SOMBRA DA MORTE - Sérgio Dalla Vecchia



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À SOMBRA DA MORTE
Sérgio Dalla Vecchia

A passarela estreita, junto à parede rochosa, rangia tábuas a cada passo de Mario. Na altitude de 2000m, o vento balançava o corpo esguio do aventureiro convicto. O único apoio era um corrimão feito com uma corrente, cravada na rocha ao longo da passarela. Não se intimidava em olhar para baixo. Cena atordoante para qualquer pessoa. Mario não pertencia a esse grupo!
Logo atrás estava Pierre, companheiro de aventuras. Conheceram-se nas montanhas dos Pirineus, na divisa entre Espanha e França e desde então, tornaram-se inseparáveis. Um encontrava no outro coragem e forças para transpor qualquer obstáculo.
Naquele momento Mario percorria a passarela em umas das montanhas sagradas da China, a do Monte Huashan, a trilha mais arriscada do mundo, para mais uma de suas aventuras radicais.
O perigo o circundava, a adrenalina era seu oxigênio!
Fora desse ambiente, Mario parecia não viver, apenas deixava o tempo passar programando a próxima aventura.
Veterano em turismo radicais, experimentou o volcano-boarding na Nicarágua, escorregando em uma prancha, pela parede da cratera do vulcão Cerro Negro, em direção a lava incandescente.
Percorreu de bike a estrada da morte entre La Paz e Coroico na Bolívia. Mergulhou com os maiores crocodilos do planeta em Darwin, Austrália. Pendurou-se em um cabo a 553m de altura, dando volta no prédio da CN Tower, Toronto, Canada. Mergulhou com os temíveis tubarões brancos na Cidade do Cabo, África do Sul. Em saltos bungee jump atirou-se dos pontos mais altos do mundo.
Nada era impossível para aquela alma destemida e seu companheiro Pierre.
Recebeu na adolescência o apelido de Mario Louco, por andar pelo peitoral do salão de festas, na cobertura do prédio onde morava. Peripécias com a motinho eram indescritíveis!
Após algum tempo de trilha os dois amigos chegaram em uma outra passarela mais estreita, isolada e distante da principal. Buscavam não se sabe o que! Apenas andavam. Parecia que algo os puxava para mais longe.
O vento começou a uivar, as golfadas frias os incomodavam.
A estreita passarela fletia a cada pisada, mas avançavam!
O ventos catabáticos, descendentes característicos das montanhas de 60km/h os desiquilibravam, e a adrenalina alimentava cada célula dos intrépidos. Olhavam-se a cada avanço, na esperança de ver o medo estampado, nada. Eles sorriam e mostram um polegar ereto.
Assim insistiam lutando contra a adversidade da natureza. A morte  dava sinais de vida, escorregões e alguns desiquilíbrios mais marcantes. O nevoeiro descia morro abaixo, como se quisesse mostrar a eles, a velocidade que o vento lhe impunha. Serpenteava pelas reentrâncias querendo esconder-se do vento frio, que o manipulava em curvas e rodopios uivantes. O céu não se mostrava, o sol apagou-se. Eram apenas os dois avançando. De repente ouviu-se um estalo, uma tabua partida e Mario pendurado sobre o abismo. Segurava-se como podia, no que restou da escorregadia passarela desgastada pelo tempo. Era forte o bastante para subir, tentava, mas o vento não o permitia. Pierre logo atrás, com muito esforço, segurou-se na corrente com uma das mãos, e com outra foi erguendo Mario. Era tudo difícil, a corrente gelada queimava, a velha passarela rangia a cada puxada de Pierre, até que conseguiu recolocar Mario a salvo. Corações acelerados, respirações ofegantes e um grande abraço de alívio, que não chegou a se concretizar. Pierre com os braços prontos para o abraço escorregou  e despencou!
A cena era desesperadora. Mario viu no rosto em queda livre, aquele encorajador sorriso do companheiro. Parecia lhe dizer: - Tudo bem amigo, esse obstáculo também será transposto, coragem!
Desta vez Mario não retribuiu com outro sorriso, mas sim com lágrimas nos olhos estarrecidos!
Pierre sumiu nas profundezas do grande abismo, em busca de mais uma nova aventura. Para ele não havia antagonismo entre vida e morte.
Assim, após um período de retrospecção, com a imagem do amigo  tatuada na mente, Mario resolveu persistir nas aventuras à sombra da morte, protegido pela luz da vida! 




TERÇA TEVE ANIVERSÁRIO DO SÉRGIO DALLA VECCHIA


Parabéns, Sérgio!
Que todas as boas figuras de linguagem iluminem seus caminhos...
Muito bom receber visita da Silvia, Ângela, Lúcua e amigas do carteado. Obrigada, meninas.






















No dia seguinte eu e a Silvia Helena De Ávila também comemoramos nosso aniversário com vinho e espumante. Tim! Tim!.


Buraco Negro - José Vicente J. Camargo



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Buraco Negro
José Vicente J. Camargo

− Mãe! - Chama Paulinho entrando em casa vindo da escola onde cursa a 4ª série, nos seus 10 anos de idade - Escuta só! A aula de ciências hoje foi o máximo. A professora prestou uma homenagem ao grande físico inglês Stephen Hawking que morreu outro dia aos 76 anos. Ele fez grandes descobertas sobre a origem e evolução do universo, desde o “big-bang”, a baita explosão que deu origem a tudo, até a tal teoria dos “Buracos Negros”, prevista por Einstein mas confirmada por ele. Disse que se o universo teve um início, terá um fim. O cara tinha uma mente de gênio. E o mais bacana, era que ele fez todas essas descobertas pilotando uma cadeira de rodas elétrica super equipada com computadores. Isso porque quando jovem, teve uma doença rara de nome esquisito que causa fraqueza e atrofia muscular.

− Paulinho! Já lhe disse para não me interromper quando estou concentrada no WhatsApp. Estou perguntando às minhas amigas do condomínio, se não sabem de uma manicure.  A minha fugiu   com o namorado para a Bahia. Não me pergunte  por que, não tem idade para isso. Se o assunto, pelo que ouvi, é “buraco”, pergunte ao seu pai. Você sabe que ele é “ban ban” nesse jogo, campeão da turma do carteado. Ele tá na cozinha lendo jornal.

− Pai! Hoje a aula de ciência foi de arrasar. A profes...

− Já sei Paulinho! Você fala tão alto que deu pra escutar você falando com a mãe. Mas agora estou concentrado nessa notícia sobre as chances do “Verdão” conquistar a Libertadores. Já disse pra você mudar de cor. Nada de alvinegro! Seja “verdão” como a Amazônia: bravia, potente, maior riqueza do Brasil!

− Mas, pai. Não há time que se compare com a fantástica mente do Hawking. Além das suas contribuições à ciência, desvendando os segredos do universo, ele exerceu um grande fascínio no público de todas as idades, principalmente através de seus livros, todos best-sellers, onde ele expôs os complexos segredos do cosmo de uma maneira mais compreensível aos leigos.

− Meu filho! Eu, na tua idade, brincava com a molecada na rua antes e depois da escola. Buraco negro pra mim, é o apelido que eu dei ao melhor jogador de bolinhas de gude da galera. Buraco porque não errava um, encaçapava todos. E negro, por que era de cor. Ele tinha o poder de atrair as bolinhas para si e, com uma estocada só, as metia no buraco, ganhava, e ia tirando-as do jogo, escondendo  nos bolsos.

− Pai! Que coincidência.! O seu buraco negro daquele tempo, tem o mesmo princípio que o “Buraco Negro” que o professor Hawking ajudou a desvendar. Vai sugando, por atração, os corpos celestes que estão ao seu redor, para seu interior, e desaparecem.

− Hawking pode ser é o seu herói! O meu era John Wayne, cowboy que não deixava um índio de pé, nem bandido sem forca. Fortão e corajoso como Tarzan, rei da selva, onde vivia e era seu universo: misteriosa, impenetrável e desconhecida.

− Pô, Pai! Que bacana, tem jeitão de cosmos. Vou pesquisar no Google mais dicas sobre seus heróis...

− Nada disso! Primeiro, vai lavar as mãos pra almoçar! Diz a mãe de passagem pro fogão para esquentar a boia.

Neste ínterim o pai exclama:

− Mué! Esse moleque puxou mesmo o pai:
    “Sabe tudo!”...



A LOIRA DO SOBRADO - Sérgio Dalla Vecchia






A LOIRA DO SOBRADO
Sérgio Dalla Vecchia

Loira, cabelos curtos Chanel, corpo escultural e exibicionista incontrolada.

Gení, todos os homens do bairro a desejavam. Motivos para tanto não faltavam.

Adorava colocar-se por detrás da cortina transparente, que fechava o vão da porta balcão do quarto. Ocorria todas as tardes após o banho.

O aposento ficava no andar superior do sobrado, com vista para a rua, num pitoresco bairro de classe média. O transeunte tinha uma visão total do quarto.

Performava-se apenas de calcinha. Por vezes deixava à mostra uma das pernas, ora um seio, ora as costas e raramente o rosto. Tinha prazer em provocar!

Nesse período da tarde o movimento na calçada era intenso. Na maioria homens que até tropeçavam pela virada do pescoço em busca daquela visão erótica.

Um de seus admiradores era Cássio. Sério, de poucas palavras e pedestre rotineiro da calçada.

Gení era novata no bairro. Havia se mudado há três meses. Pouco saia de casa. 

Uma diarista fazia compras do mercado e padaria. Portanto nada se sabia dela. 

Era apenas conhecida pela impecável exibição.

Certo dia no auge da performance apareceu uma viatura policial, dela saiu um agente, tocou a campainha e logo entrou no sobrado.

—Você está presa Gení. - O povo ouviu da calçada.

A exibição foi paralisada. O agente e Gení discutiam enquanto ele queria algema-la.

Nisso já se iniciou um tumulto em sua defesa. Os espectadores estavam revoltados da injustiça com a musa dos pedestres.

Cassio o mais exaltado, resolveu subir e salvar a moça do atroz policial.

De um pulo invadiu o sobrado sob aplausos da plateia.

O povo aguardava ansioso pelo desfecho. Foi quando sai Gení de braços com Cassio e o policial debatendo-se toda. Notava-se que Cassio constrangia-se com a situação. Até que ela foi colocada na viatura com muito esforço.

A viatura partiu. O olhar de Cassio era de indignação. Olhava para o nada. Estava muito abatido.

Um espectador curioso:

Minha deusa foi-se embora! Estou inconformado! Queixou-se Cássio.

—Que fez de errado, Gení? Insistiu o homem.

—Roubou a bilheteria do teatro onde trabalhava.

—Nossa! - Exclamou o curioso.
— E para maior surpresa seu nome é Juvenal! Um ladrão perigoso.

O desapontamento do povo foi imenso.

Pasmos, em compulsão imediata atiraram pedras na janela da Gení. Não por ser Juvenal, mas pela falta que fará!

Cássio atirou a primeira!



A dançarina na janela - Ises A. Abrahamsohn




A dançarina na janela
Ises A. Abrahamsohn

O calor no quarto alugado era insuportável. Juvenal sentia os riozinhos de suor descerem pelo peito e pelas costas nuas. Apoiou-se no parapeito da janela e ficou ali, olhando o escuro, a implorar por uma brisa que aliviasse o sufocante mormaço. Fazia seis meses que estava em São Paulo. Lá em Natal ao menos havia o vento e o mar, pensou com alguma saudade. A miséria estava lá e cá, apenas era diferente. As baratas e os mosquitos de lá e de cá mais o calor não o deixavam dormir. Acendeu um cigarro para espantar as muriçocas e as lembranças. Tinha vindo para trabalhar e melhorar de vida, pelo menos trabalho já tinha arrumado. Devaneava, quando uma  das janelas do lado oposto se iluminou. Sabia que era mulher a ocupante do quarto. Via a silhueta mover-se atrás da cortina transparente. Os cabelos eram soltos e compridos, o corpo, carnudo de jovem. Agora ela se mexia e girava com os braços levantados. Dançava ao som de alguma música que não alcançava seus ouvidos. A dança tornou-se mais lenta e voluptuosa e a moça deslizava as mãos ao longo do corpo movendo-se para trás e para frente. Os seios balançavam. Juvenal sentiu que endurecia. Não tinha mulher desde Natal. A danada sabia que a espiavam e rebolava ainda mais acariciando seios. De repente, apagou-se a luz. Final abrupto. Findo o espetáculo para Juvenal e para outros olhos vorazes espectadores na escuridão.

No dia seguinte ao sair do bar Juvenal procurou o Atílio, antigo morador no térreo e autodenominado zelador. Conhecia os moradores e vivia dos consertos que fazia no prédio. Atílio era sobrevivente dos bons tempos do edifício, hoje decadente, cujos apartamentos tinham se transformado em pensões baratas. O zelador riu-se da pergunta do rapaz.

 ̶   Você é o terceiro que me aparece perguntando da moça da janela! Estou até curioso de ir olhar hoje o espetáculo de graça. Sei bem quem é. O nome dela é Genivalda, mas ela se apresenta como Jenny, jota, e, dois enes e ipisilone no fim. Diz que é seu nome artístico É uma dessas moças que veio do interior com ideias de conseguir emprego como bailarina na televisão. Trabalha como garçonete no Rei do Olido. Mora num quarto do 303, no bloco dois. Na minha idade já vi muitas delas e tenho pena. Vêm cheias de esperanças, mas depois de uns dois anos desistem. Algumas acabam caindo na vida.

À noite, Juvenal estava a postos na janela, à espera. E, de novo, lá pelas dez, a luz se acendeu e a silhueta de Jenny se contorcia na dança erótica para os olhos gulosos dos vizinhos. No dia seguinte iria procurar a moça.

Esperou-a às nove, à saída do restaurante. Ficou um pouco decepcionado. Era baixinha, bem feita de corpo, carnudinha como ele gostava, mas o rosto marcado pela acne não era lá essas coisas embora não fosse feia. Afinal, ele não estava muito interessado em rostos. Apresentou-se, educado, disse que a tinha visto no restaurante na hora do almoço e não falou nada sobre dança, nem onde morava. Perguntou se era de Natal como ele e ficou sabendo que a moça era de João Pessoa. Ofereceu-se para acompanhá-la e propôs tomarem um refrigerante que ela recusou. Caminhavam conversando pelas ruas já desertas após o fechamento do comércio. Nas proximidades do prédio, num vão mais escuro abraçou-a. De início, sem muita resistência, ela até correspondeu aos beijos. Mas logo quis se desvencilhar. Juvenal não ia desistir fácil. Empurrou-a para o fundo de uma galeria e apertou-a contra a parede enquanto lhe levantava a saia. Ela mordeu-lhe a mão. O antes gentil Juvenal acertou-lhe um soco no estômago e logo outro no rosto. Jenny, atordoada, parou de se debater e escorregou para o chão. O homem arrancou-lhe a calcinha e a penetrou ali mesmo. Saciado, se afastou e caminhou até o apartamento. Tomou uma chuveirada e deitou-se. Sabia que nessa noite não haveria espetáculo. Outros olhos ficaram esperando em vão pela dançarina na janela.


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O CAMINHO DA AVENTURA - Ledice Pereira


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O CAMINHO DA AVENTURA
Ledice Pereira

Desde criança, Cássio foi atraído pelo perigo. Não foram poucas as vezes que os pais se dividiram pela praia para encontrá-lo. Bastava se interessar por qualquer coisa, num carrinho de ambulante, e lá ia o menino seguindo, como que hipnotizado, o objeto de cobiça.

Era preciso ter olhos bem abertos e atentos para que o garoto não evaporasse.
Em geral, quando o encontravam, ele estava encantando os adultos com seu jeitinho cativante. Nunca sentia medo. Não entendia porque os pais chegavam até ele tão desesperados.

A idade só fez aguçar sua curiosidade e independência. Várias vezes, os pais foram convocados para uma reunião com o orientador da escola, preocupado que as asas do menino o transportassem para lugares os mais perigosos. Mas eles não conseguiam conter o ímpeto do filho.

Cássio tornou-se um jovem pra lá de aventureiro. Não raro, pegava sua mochila, seu cantil e o colchonete para acampar e aproveitava os feriados, principalmente prolongados, para embrenhar-se mata a dentro. Se tivesse companhia muito bem, se não tivesse ia assim mesmo. Ele e Deus. Já conhecia diversos acampamentos e se dirigia a cada um com um pé nas costas. Como ainda não tinha dezoito anos, pegava carona com amigos ou caminhão. Pra ele não tinha tempo ruim.

Gostava de fazer trilhas, adorava mega tirolesas e sempre que podia participava de campeonatos de canoagem. Medo era uma coisa que não combinava com ele. Enfrentava todos os desafios. Ecoturismo era com ele mesmo.

Naquele início de férias, partiu com sua bagagem costumeira para Juquitiba. Havia pesquisado o local onde se praticava tirolesa, rafting no Alto Juquiá, arvorismo e trekking.  Nesse último, havia a possibilidade de se ter um guia, mas é lógico que nosso herói optaria por sair com um mapa e uma bússola para orientar-se.

O programa previsto para uma semana era intenso.

A única coisa que Cássio não previu, nem consultou, foi a variação climática. Naquela semana, despencou toda a água do céu,  prevista para os próximos  três meses. O local ficou inundado.

A maioria dos jovens preferiu entreter-se com jogos, permanecendo nos enormes salões, organizando campeonatos de tênis de mesa, baralhos, e até se divertindo em bailes improvisados e karaokê.

Cássio não. Havia se preparado para grandes aventuras e não arredava pé, por mais que fosse alertado dos perigos.

Depois de praticar tirolesa e voltar ensopado, espirrando muito e de nariz escorrendo, dia seguinte partiu, mesmo gripado, para o trekking, debaixo de uma chuva torrencial, portando o mapa e a bússola.  

Nos primeiros minutos, o mapa ficou encharcado, desmontando-se todo. 
Resolveu guiar-se pela bússola, tentando seguir em frente. Era teimoso como uma porta.

A chuva não dava trégua. Não é preciso dizer que o jovem, apesar da bússola, logo percebeu estar perdido.

Foram horas de desespero. A noite caiu rapidamente e ele não encontrava o caminho de volta. Quanto mais andava mais se perdia. Parecia andar em círculos. O vento gelado parecia atingir-lhe o pescoço como um chicote. 

Começou a tremer. O frio atravessava-lhe a espinha. Lutou para permanecer acordado. Sentia-se desfalecer.

Uma luz distante parecia deslocar-se.   Pensou estar tendo uma alucinação. 
Mas, não. A luz vinha em sua direção. Ouviu vozes. Tentou gritar. Ouviu o próprio sussurro. A luz o cegou. Deixou-se desmaiar.

Uma voz lhe parecia familiar, bem como aquela mão que o acariciava. Os olhos pesavam. Abriu-os com dificuldade. Percebeu aquele tubo de plástico sobre seu nariz.  Surpreendeu-se ao ver os pais. Onde estava?

O que aconteceu? Que lugar é este?

Que bom que você acordou, meu amor! Estávamos muito preocupados. Faz cinco dias que estamos aqui. Você nos deu um tremendo susto! Teve uma pneumonia dupla. Mas o médico nos garantiu que ficaria bem. O que vale é que você é forte!

Tentou disfarçar uma lágrima que teimava em demonstrar sua fraqueza. 

Percebeu que os pais também disfarçavam. Naquele momento, caiu a ficha. 

Sentia um amor infinito por eles. Abraçou-os, fortemente, pedindo-lhes perdão.

Ver a morte de  tão de perto o fez refletir sobre o valor da vida.