Sempre Um Papo com Amyr Klink



Nessa belíssima entrevista com o navegador Amyr Klink, podemos descobrir o Brasil, e o mundo através das correntes marítimas e literárias.

Interessantes revelações geográficas.
Interessantes descobertas.

Amar - Carlos Drummond de Andrade - Com Marília Pera

O Milagre de Santa Luzia

A menina que sonhava em ter a Lua - Conto de Bartolomeu Campos Queirós

USO DE CÓDIGOS - Oswaldo Romano


USO DE CÓDIGOS
Oswaldo Romano   

Esses fatos são reais e tem origem em acontecimento que alguém aprontava. Troquei o nome do verdadeiro personagem,  para evitar  sensibilidades. Aqui Márcio é um epiteto.

Na loja.
Acabamos adotando o nome Márcio, como podia ser outro qualquer, sempre que surgia algum freguês papo-furado ou maçante. Já conhecido ou que se revelava no primeiro contato, a gente passava o dito cujo para um balconista assim:
— César (nome do balconista), quer fazer o favor de atender aqui o seu Márcio.
Aí o freguês contestava:
— Meu nome não é Márcio, é José. Márcio é meu pai. (coincidência).
— Oh, desculpe o engano.
Nessa altura, o vendedor já tinha entendido tudo. Era chamado um balconista mais tolerante, como o César ou o Mariano, que acabava fazendo boas vendas também para os Márcios que apareciam.
Com o tempo, a alcunha de Márcio pegou pelo bairro! Por muito tempo, quando alguém contava aquela lorota ou era um chato, logo era chamado de Márcio. Só que poucos sabiam da sua origem.
O nome era muito conhecido pelos andantes da Vila. Quando assim chamado logo vinha a defesa:
— Oh cara. Eu não sou Márcio, não!
Quando montei a loja, criei um código para marcar as mercadorias, uso comum no comércio e praticado pela maioria dos estabelecimentos. Útil como hoje é o código de barras. A prática constante deste código acabou diversificando sua finalidade. A letra A é a segunda letra desse nosso código, porém a classe A no convívio social é conhecida como de primeira categoria. Então quando o distinto, um freguês, um fornecedor, um gerente de banco, enfim qualquer outro se mostrasse ser um "Márcio", logo recebia a categoria "freguês classe A". (segunda categoria) E... ficava todo satisfeito!
A parte engraçada era na avaliação de preço para o freguês.
Veja este diálogo:
O freguês: — Sr. Roma, por quanto o senhor me faz este aparelho de lavatório?
Eu: — O preço certo é 20, mas para você continuar cliente vou fazer 17,  o preço antigo, tá bom? (preço marcado em código).
Ele: — Dezessete é o preço, vinte o amigo chutou!
Eu: — Não, não chutei, não. Quer ver?
Eu: — (agora me dirigindo a outro balconista por perto): 
— Mariano, Á... á... Á... quanto devo vender esta torneira?
Resposta imediata: 
— 20 - gritava
Confiança adquirida, mercadoria vendida e todos ficavam contentes. Lembre-se de que o A é 2 e não seria possível só 2, nem 200, daí o 20 respondido ao pé da letra pelo balconista que sabia como jogar, ou tinha noção do preço.
Usávamos também outras palavras que punha o perguntado em atenção, ou atenção de perigo. Um exemplo, aproximando-se alguém que inspirava cuidados, ligava para qualquer dos gerentes e perguntava:
— Testou a lâmpada.
Imediatamente comparecia onde eu estava e dizia:
— Testei sim. Só falta verificar estas.
Ficava por perto, ou assumia o problema.
Quando longe, acionava outro funcionário.
Esses fatos tem origem em acontecimento que algum Márcio aprontou. E como aprontava...
Certo dia ele debruçado no balcão expondo sua irreverência, um balconista menos paciente soltou:
— Mas você é Márcio mesmo, hein! 
— Claro, faz tempo você me conhece.




O Grito do Ipiranga - José Vicente Jardim de Camargo



O Grito do Ipiranga
José Vicente Jardim de Camargo



Valentina e Germano, ambos de 8 anos e alunos da 2ª série, têm uma queda especial para as aulas de história do Brasil, principalmente sobre a Proclamação da Independência.

Na visita da escola ao museu do Ipiranga, em frente do famoso quadro de Pedro Américo retratando o fato histórico, ouvem atentamente as explicações da professora:

— Nas margens do Rio Ipiranga, sob um céu azul, Dom Pedro, porte esbelto, olhar altivo, montado em seu corcel branco, com uniforme bordado a ouro, elmo de brancas plumas, botas altas reluzentes, cercado por sua comitiva de altos oficiais e funcionários do reino, desembainha sua espada e num grito varonil proclama – “Independência ou Morte!”

Valentina e Germano captam na imaginação o eco deste grito e a visão da cena majestosa e sentem um arrepio de orgulho por tão bravo ato de rebeldia do Príncipe e de seu amor à terra que o acolheu.

Neste instante, um segundo grupo de pessoas, de aparência intelectualizada, entra na sala de exposição e comenta:

— Neste quadro temos um bom exemplo entre ficção e realidade, a influência da mídia sobre a mente humana, um verdadeiro marketing histórico- nacionalista:

—“Dom Pedro e comitiva acabavam de chegar de Santos e, dado ao longo trajeto e as condições ruins do caminho, montavam em mulas, exaustos, talvez famintos e sujos, e o príncipe estava com um desarranjo de estomago que o obrigava a parar frequentemente para se aliviar. Numa dessas ocasiões, nas margens do Rio Ipiranga, que estava mais para um córrego, recebeu o carteiro real com a carta de se pai obrigando-o a retornar a Portugal. E, com o coração batendo mais forte para o lado de seus amores e aventuras ocultas, do que com a terra bem amada, deu o grito histórico...”

Ao ouvir tais comentários, Germano, com cara de contrariado, comenta com Valentina:

— Que mentirosos!Acham que sabem mais do que os livros da escola e a professora.


—  Coitado do nosso Príncipe, pena que naquele tempo não existia celular com câmera fotográfica, para esfregar a foto na cara deles,     complementa raivosa Valentina...


CONTO AMARELO – O MUNDO MUDOU - OSWALDO ROMANO



CONTO AMARELO – O MUNDO MUDOU
         OSWALDO ROMANO                                                                     

         Estávamos no Japão, em viagem de lazer. Éramos quatro. Eu, Norma minha mulher, e o casal Mary e Carlos.

         Quebramos nossa longa viagem com um stop de três dias em São Francisco, cidade já visitada por nós há cinco anos. Nada a ver com a primeira vez que ali estivemos. A música ouvida pelos cantos era a mesma, I left my heart  in San Francisco. Os prédios, as casinhas coloridas também.

         Mas o povo mudou. Os bondinhos, os mesmos,  ainda puxados por cabos subterrâneos.  Uma incrível lotação com gente que se movimentava sem destino, só pelo direito de ir e vir. Estes, alegres turistas, não davam espaço aos que precisavam do transporte para trabalhar.

         Naquela época a Union Square era um palco de desabrigados e mendigos. Os gays  tinham seu espaço. Não incomodavam.

         Observamos ao fundo Alcatraz, a mesma vista, a ex-morada do famoso All Capone. Não se pode falar do perigoso traficante, sem que nos baixe a lembrança de Eliot Ness, o temível detetive que metia bala sem dó.  

         No Pier 39 procuravam-se restaurantes recomendados para saborear as delicias dos frutos do mar. Das casquinhas aos camarões grelhados no azeite, das vieiras aos risotos, pedia-se perdão ao Ness, o desafeto das bebidas, porque não se dispensava um bom Chiant.

         O povo mudou. Não se usam mais ternos ou gravatas. Não se confundem mais aparências com artistas, mas o que continua e não mudou, foi a fome daqueles produtos. Comem-se com as mãos, camarões, mexilhões, ostras, esqueceram as pinças próprias para esses deliciosos frutos. As embarcações parecem as mesmas. Mas onde estão aqueles tripulantes galhardamente vestidos, identificados por berimbelas douradas?

         Essa nostalgia surge quando observamos em qualquer canto da cidade, hippies, tatuados e tatuadas, homens de mãos dadas, e os pirobos que não mais se escondem.

         O povo da Califórnia mudou nesta viagem. Paramos ali, a caminho do Japão. De lá queríamos apreciar um pouco da nobreza da terra do sol nascente. Encontrar com gente elegante como a que vimos em São Francisco, há cinco anos.

         Prosseguindo a viajem estamos aqui. Chegamos na terra dos imperadores ainda em tempo de embarcar no fabuloso trem bala Shinkansen e com retorno marcado para o mesmo dia. Estes trens existem aqui há 50 anos, com velocidade normal de 300 quilômetros por hora, iguais aos da Europa, inclusive os de Portugal. Não fossem os escusos interesses eleitoreiros, o Brasil poderia tê-los há muito tempo. Se lá chegar, vai chegar tarde porque, um novo modelo está despontando. Traz o principio da levitação magnética, vai viajar a 580 quilômetros por hora, flutuando sobre os trilhos!

         Finalmente respiramos Tóquio.  Descemos próximo a praça no Akasaka Hotel. Mary, Norma e o Carlos, exaustos recolheram-se, pretendendo fazer um breve repouso.  Eu quis conhecer os arredores, atitude normal de viajante que chega a cidade pela primeira  vez.

         Foi ruim. Estou desiludido. Voltei indignado. Ai “Que saudade de São Francisco”. Minhas palavras surpreenderam. Inesperadas achavam mal colocadas. Criou-se uma deprimida expectativa.

         — O que houve? - Norma assustada perguntou muito agitada, enquanto Mary e Carlos abrindo bem os olhos, pareciam congelados, silenciavam.

         — Surpresa gente! Surpresa! Tudo igual, tudo igual. Eta mundo pequeno.

         — Igual o que. Fala. Fala Alcides.

         — A culpa é minha. Eu sou o culpado. O mundo todo mudou! Fui eu quem programou esta infeliz viagem. Só hippies! Lá fora vi só hippies e mulheres devassas. Tem mais do que toda população da Liberdade. Um deles trepado numa cadeira, em plena praça gritava palavras de ordens, enquanto outros igualmente tomados, cabelos pintados e espetados, apontando o dedo em várias direções respondiam:

         — Fujakatá, fujakatá, sápuuuuuuu, sápuuuuuu, sápuuuuu, fujakatá, fujakatá.

         — Alcides - O que eles queriam dizer?

         — Sei lá...  fuja- catá sapo... Quem fugiu fui eu. Foi tudo que vi. Quero voltar pro Chico.


Pensando bem. Será que também exausto fui repousar, dormi, sonhei, e o Japão não é nada disso?

Código Secreto -Vera Lambiasi


Código Secreto
Vera Lambiasi

Lourival, inventor, 12 anos. Com seus colegas endiabrados, dava notas às meninas da classe. Mas, para isso, tiveram que bolar um sistema, já que elas eram muito espertas e logo percebiam qual era o macete.

1 a 10, 0 a 100, já não as engavam mais.

Então a turma de garanhões decidiu separar as qualidades por cores.

Verde para alta. Amarelo para magra. Azul para loira. Branco para morena. Vermelho para olhos claros. Rosa para castanhos. E daí por diante ...

Assim, cada garota tinha sua bandeira.

Os códigos teriam que ser memorizados, e jamais escritos.

Conforme o teor da qualidade, variavam os tons.

Verde claro para a mais ou menos alta. Verde musgo para aquela bambu.

Memorizados os dados, partiram para a feitura das bandeiras.

As meninas viam aquilo e nada percebiam.

Até que resolveram embandeirar Dona Encarnación, a professora.

E suas cores não foram muito felizes.

A combinação ficou horrível, como a dita cuja.

Descoberta a trama, tiveram que abrir o código.


Bandeiras e garanhões foram parar na diretoria.

O Consorcio - Mario Luiz Tibiriçá Ramos

 Associe-se e confira a quantidade de visitas que seu anúncio teve desde a publicação.

O  Consorcio
Mario Luiz Tibiriçá Ramos

Marcio  bateu com força no relógio de ponto quando da entrada na firma onde trabalhava já há dez anos.

Estava irritado com seu baixo salario, frustração pelo desenvolvimento nanico da empresa, além da falta de entusiasmo pelo trabalho propriamente dito.

Já com trinta anos, casado com a Virna sua sempre namoradinha, ha já 2 anos, não via  mais, como  prosperar e meios para um desenvolvimento, dentro ou fora da empresa.

Formado em logística, ´programava todo o fluxo de entregas  de  mercadorias, desenvolvia planos para entregas rápidas, formulava propostas para a diretoria quanto a um desenvolvimento, enfim trabalhava muito.

Sonhava há muito em  ter seu próprio carro e agora estava sabendo sobre as novidades dos consórcios, uma nova forma para facilitar  e proporcionar a compra. Ainda não tivera a oportunidade de examinar tais planos e na verdade não tinha a menor ideia do  funcionamento de um consórcio. Estava começando a segunda metade do século vinte, mil novecentos e cinquenta, e eram muitas as novidades.
Já há dias conversara com Virna  sobre a  boa nova, e estava ansioso para conhecer tais planos.

 Já ligara para um destes consórcios, o Veicular, e solicitara um corretor. Assim mal sentara em sua mesa a telefonista o avisa que um corretor  de nome Lopes, estava na portaria e queria falar-lhe:

— Sr. Marcio, consorcio é um plano de financiamento, onde determinado número de pessoas contribuem para um fundo especial, que premia com um carro, aqueles que depositam o maior adiantamento, sob a forma de lance, e algumas prestações. Os lances não vencedores são devolvidos, o fundo cresce com as prestações, entregando sempre mais um ou dois carros mensalmente.

— Bem se realmente compreendi, tudo  gira em torno do lance não?

— Por  outro lado, o senhor escolhe antecipadamente o carro que  deseja, antes da  assembleia de distribuição.

O dia passou como sempre, e quando chegou em casa Marcio estava pronto para conversar com Virna sobre o assunto.

— É preciso conhecer bem esse tal de consorcio não? Porque  vamos pagar antes para receber o carro só depois....- disse Virna. Não podemos entregar todas as nossas economias sem ter a certeza que vamos receber o carro.

— Realmente - disse Marcio, porem ele já estava resolvido a dar o tal lance e adiantar algumas prestações.  Afinal já estava farto de coletivos e falta de mobilidade para passear e viajar.

O Ford preto 1949 brilhava intensamente na sala frontal dos escritórios  do Consorcio Veicular, um dos primeiros formados, já tendo entregue alguns carros. Sentado ao volante do carro, Marcio estremecia pela possibilidade  de ser contemplado.

Pelos seus cálculos, poderia antecipar umas seis  prestações e  fazer um lance de mais ou menos  dez mil cruzeiros,  pois sendo o carro no valor de dezessete mil, teria grande chance de contemplação, pois não queria correr o risco de perder a oportunidade.

No dia seguinte o corretor  Sr. Lopes, homem  falante e disposto, estava na empresa  para  fornecer todas informações  para  Marcio, além de explicar  o plano minuciosamente.

— A assembleia de distribuição será no próximo sábado no  ginásio do Pacaembu, por volta de  10 horas da manhã.

Sr. Marcio, vou lhe dar uma boa dica. Não deixe para  fazer o lance no dia da assembleia, faça-o na sexta  feira, bem como o  adiantamento  das prestações, pois serás cliente privilegiado.

Marcio apenas pensava no lindo Ford preto.

Na sexta, Marcio seguiu a recomendação fez o deposito do lance, as prestações  e foi para casa. Depois de mal dormida noite,   levantou cedo  e preparou-se para o grande dia no Pacaembu.

Virna nem quis ir.

No ginásio havia um grande  burburinho, gente por todo lado.

Certamente, mais de trezentas pessoas, nessa correria procurou Lopes para informar que havia feito o lance. Lopes garantiu-lhe o carro.

Às onze horas, um locutor avisou que a Assembleia seria  aberta em dez minutos. Marcio torcia os dedos, olhando no relógio cada dois minutos.

Eis que de repente sirenes em alto volume, invadem o recinto, com quatro carros de policia e uns dez policiais. O burburinho aumenta e o ar de suspense  inicia-se  com a entrada de policiais armados, em direção aos eventuais escritórios.

— Policia! Vamos prender esses ladrões, isso aqui é uma grande falcatrua.

Suando  frio, Marcio boquiaberto e estupefato, assistiu aos guardas armados adentrarem os escritórios.

Um guarda mais atrás informava que tinham recebido informações que tal consorcio era apenas fachada para banditismo.

Marcio  nem  ouviu o final, saiu correndo em  direção aos  escritórios da empresa onde estivera, mas teve nova decepção, estava tudo trancado.

Após as costumeiras declarações na delegacia, Marcio chorando, volta para casa humilhado, para dizer a Virna como foi ludibriado.

Sua segunda feira foi infernal.

DIA DOS PROFESSORES -OBRIGADA GALERA!




Foi um dia especial, com direito a bolo da Padaria do Mosteiro, e Proseco geladinho.

Vocês são 10!

Adorei os presentes, os cartões e as homenagens. 






Ser feliz assim, é tão fácil!

Azul Infantil - Vera Lambiasi


Azul Infantil
Vera Lambiasi

    Vô, azul é a cor mais bonita?
Perguntou Valentina a Germano.
    Depende para que, ternura.
    Suas camisas são todas azuis!
    É que as gosto assim.
    Meus vestidos, gosto cores-de-rosa.
    É justo, para uma menina tão meiga.

    Quando tinha onze anos usava calças, vô?
    Só calças curtas!
    Isso é bermuda, vô.
    Não como as de hoje, tinham cós, passantes e botões.
    E usava com camisas azuis?
    Brancas também, flor.

    Vô, lê um livro para mim?
    Pegue lá na estante, docinho.
    Vou pegar este azul.
    “A Noite em que Segui meu Cachorro”?

    Sim, adoro este livro, da cor das camisas do vovô!


Indecisão Desnecessária - José Vicente Jardim de Camargo


Indecisão Desnecessária
José Vicente Jardim de Camargo


Marcio e Paula estavam à procura de um carro, já que o deles, de uso compartilhado, deu para gostar mais da oficina mecânica do que da garagem da casa.

Aí começa a indecisão: que modelo comprar, ano, cor, quais acessórios o do vizinho não tem, GPS? Som de última geração?

Marcio prefere uma van de marca importada, preta, pode ser até semi-nova, que caiba toda a família e o Jabá, seu lavrador de estimação.
Já Paula gostaria de um zero km, vermelho, mais compacto por ser mais fácil de estacionar, se possível equipado com sensores de manobras automáticas.

Ainda bem que nossos filhos não têm ainda opinião própria, senão seria uma torre de babel, diz Marcio.

- E eu!- Não tenho opinião? - Diz sua sogra já pondo cara de emburrada - hoje sonhei com meu casamento, vestida de branco, buque de flores azuis, cinco damas de honra, igreja lotada. Vocês sabem como sou supersticiosa. Então quero um carro do ano do meu casamento, 1980, de cor branco e azul e financiado em cinco anos.

E completou:

 - Senão não pago!

Marcio e Paula, sabendo o quanto ela é irredutível nos assuntos da mente, se entreolham conformados e sem outra alternativa, folheiam o jornal do carro a procura do bem tão idealizado, mas
pelas características exigidas, de difícil realização...


Poesia engessada - Vera Lambiasi


Poesia engessada
Vera Lambiasi


Brancas são as páginas
Que Emma escreveu
Cinco foram as lágrimas
Quando Lucas emudeceu

Da canção lida
Sob o chapéu de sol
Foi aberta a ferida
Do amor em si bemol

Corria dois mil e onze
Amantes ainda jovens
Cantores feitos de bronze

Eternos como totens

TODO INÍCIO AGUARDA UM FIM - Oswaldo Romano

         

TODO INÍCIO AGUARDA UM FIM
                                               UMA TRISTE BRINCADEIRA LITERÁRIA
Oswaldo Romano

         Simples, quando se inicia alguma coisa, é porque se tem em mente o meio e pensado no fim.

         Novamente simples porque no processo mental, a Brincadeira Literária apresenta características metafóricas do personagem escolhido. Ao fazê-lo, de antemão conhecemos seu poder, e com ele o caminho da sua existência.

         Meu protagonista se impõe nas áreas frias. Com sua força, sua defesa afasta todo perigo que se aproxima, é imponente, muito forte.

         Vamos lhe dar um nome, Kuri ou Curi. Apelido ou não será a protagonista desta história.

         As construções no Brasil dependiam muito da mata quando ainda a mais importante ferramenta conseguida pelos nativos era o machado. O machado e o facão foram os primeiros e principais objetos de troca com os aborígines. Os invasores conseguiram obter madeiras em quantidade, barato e facilmente. Os europeus esclarecidos da sua época subjugavam os índios, inocentes, enganados de que a serventia da madeira era para aquecimento, assim desvalorizava o produto. Na verdade foi o inicio da devastação da nossa floresta.

         Vamos ouvir a protagonista.

         — Eu forte como sou, fui menos visada e difícil de ser tombada. Os machados derrubavam as arvores do Pau Brasil, consideradas nobres, para a alegria dos traficantes da nossa madeira. Esse assalto durou muitos anos quando algumas autoridades acordando da sua letargia iniciou um basta. Esse basta era relativo porque amigos da corte negociavam, eram corrompidos e atendidos.

II
         Continuou por centenas de anos o descalabro dessa ceifa.

         Com matas à vontade, portugueses, franceses, ingleses, holandeses, faziam o escambo da madeira com os índios Tamoios, sempre em conluio com a compromissada Feitoria Imperial.
         A famosa nau francesa Bretoa retirou da região de Laguna, Cabo Frio, poucos anos após o descobrimento do Brasil, segundo vários relatos, um total de cinco mil toras do Pau Brasil. Talvez seja exagero para viagens de uma só nau, porem é considerado certo que o interesse pela madeira, se sobrepunha as retiradas de especiarias da África, e quantia muito maior, pelas diversas naus, foram levadas.

         A resina extraída do Pau Brasil dava uma tintura especial aos tecidos finos, superior à madeira chamada Brazil que tiravam da Asia. A nossa madeira rendia mais. Prevaleceu o nome, não é coincidência. D. Pedro II entrou atrasado na defesa da nossa  flora. As serras maiores que consistem em robustas lâminas, dentes travados de três a cinco centímetros, tamanho médio de dois metros, cabo de madeira de ambos os lados, e operada por homens, um em cada ponta, cheios de músculos, foram usadas logo depois, junto aos primitivos machados. Eram os antigos traçadores, e os desafios dos gurrupiões. Aperfeiçoavam-se as armas dos desmatamentos.

         O plantio da cana e do café, foi beneficiado com a chegada dessas grandes serras manuais, incentivadoras do abate. No Brasil, foi dado o merecido e grande valor para essa madeira, levando o escritor Oswald de Andrade a trata-la como o mais importante símbolo brasileiro. Lançou o “Manifesto Pau Brasil”, exaltando a consciência nacional, para os brasileiros permanecerem atentos quando esquecidos.


III

         Os latifundiários não se deram por satisfeitos. Comandando o trabalho executado pelos escravos e brancos, a produção da devastação era considerada lenta. Queriam mais, e mais. Notícias de uma máquina a vapor que utilizaria a madeira descartada como combustível encheu-os de esperança, mas nessa altura o Pau-Brasil já estava quase todo sacrificado. Alcançavam um mundo de progresso, mas teriam que atacar outras madeiras, como fizeram.

         Foi o início do abandono das “rodas d’água”. As geniais que alimentavam as fazendas como uma dádiva de Deus, usando o precioso líquido para um gratuito funcionamento. Os entusiastas abobalhados viram nascer, o motor a explosão. Recebidos com reservas porque o petróleo era importado, custava. Correias moviam maquinas rápidas para retalhar os troncos. Usavam os motores chamados “cabeça quente”. Um maçarico manual aquecia seu cabeçote. Todo esse progresso se encaixava com o propósito de continuar os desmatamentos. A beleza da roda d’água foi virando decoração.

         Eu pensava que, com a brutal derrubada do Pau Brasil ficassem satisfeitos e eu estaria livre dessa selvageria. Dominava com meu porte aquela floresta. Entre elas eu tinha o maior tronco e era a mais alta. Eu mesma descartava os galhos baixos evitando escalarem e me desbastarem.

         Olhava com tristeza e desgosto aqueles monstros barulhentos com esteiras de aço, ou enormes pneus, enfurecidos, expelindo fumaça preta, derrubando o que tinham pela frente. Eram árvores baixas, minhas companheiras há tanto tempo.

         Injustiças daqueles monstros que não bastasse um, dois ligados entre si por resistente corrente, distanciados trinta, quarenta metros, avançavam arrancando e expondo a raiz de tudo que encontravam entre eles. Era lamentável ver aquilo.

         Nossas árvores rangiam, um doloroso choro, um longo e profundo grito nos tombamentos e os galhos arrancados no avanço da criminosa corrente, jaziam inertes.
         Eu de cerne rígido, um grande corpo, era respeitada pelos monstros.

         Éramos tantas que resolveram nos abandonar e irem atrás de outras áreas, com matas mais frágeis. Ficamos por muitos anos senhoras da mata, nos chamavam de manchas verdes.

IV

         Tínhamos respeitável personalidade, nosso tronco chega a mais de dois metros de circunferência. Dominamos na altura com nossos trinta, quarenta metros. Resistimos no tempo as grandes modificações climáticas da terra desde a última glaciação.

         Importante alimento dos primitivos homens que disputavam o consumo entre animais e aves. Índios que conseguiam subir em nosso pé, não alcançavam as frutas. São geradas nas pontas dos finos galhos, protegidas por um buquê de espinhosas folhas. Disputavam os frutos com aves como a gralha, que no local escondiam as sementes, ou enormes bandos de maritacas, papagaios, tucanos, bugios, os graciosos esquilos e muitos outros.

         Os índios, no uso da sua inteligência, usavam flechas especiais em seus arcos para acertar o receptáculo e assim derrubar as sementes. Indefesos os pequenos animais que comiam as do chão, eram alvo dos predadores maiores, e os indígenas na defesa do sustento, além da colheita dos frutos abatiam os famintos caititus, a delicia das suas festivas carnes assadas.

         Éramos tantas árvores que na época dos nossos frutos a mata alterava todo seu comportamento.

                  Exagero ou não, sou tida como mais saborosa que a castanha da Europa. Tudo que se faz com aquela, pode-se fazer comigo. Nossa mata é chamada pelos silvícolas com uma só palavra: Curitiba.

V
         — Mas os homens encontraram no meu tronco, repito, um másculo tronco, uma incrível dificuldade de retalhar-me. Só conseguiram quando descobriram as ferramentas criadas para o domínio das primas, as Sequoias Americanas. Os homens e suas novas máquinas encontraram-me pronta, limpa para o corte. Despida para a extração da resina que cria o alcatrão, óleos, breu, terebintina e me culpo envolvendo-me como uma das matérias primas para a fabricação dos pneus. Estes fazem parte da família dos monstros mecânicos que arrasam nossa mata.

As remanescentes da região sul alimenta não só os homens, como os homens estocam para alimentar seus porcos e outros mamíferos no inverno.

         Tombada, fiquei à mercê das novas serras que em fração de tempo sou transformada em pedaços. Fui vencida, mas contínuo muito útil, embora sofrida. Embarcadas em vagões e carretas, fui negociada para a revenda de materiais, cai numa tal Romano, de São Paulo. Comi muita poeira na estrada, tomei chuva, fiquei manchada, via ainda sangrar meu cerne. Empilharam-nos num grande armazém. Pensei que ali descansaria. Mas não. Em pouco tempo desgarradas, fragilizadas, fomos sendo vendidas.

         Quero que todos saibam quem sou eu. Pedaços de uma imponente árvore, rainha das matas do sul, das serras Paulistas aos montes do Arauco Chileno, a inspiração do meu nome: Sou a Curi, mais conhecida como ARAUCÁRIA. Transformada em tábuas, pontaletes, mourões, sarrafos, ainda sou eu. Deixei muitas serragens para traz, e imensos campos devastados.

         Eu, antes da transformação... Como era útil!

O mais simples era alimentar fogueiras com meus ramos que caiam quando secos, aquecendo e afastando animais perigosos.

         Inventaram fornalhas, vieram as caldeiras revolucionando com seu vapor um mundo de movimentos. Triste lembrança! Mas isso foi só o começo.

         Do vendedor de material, eu em forma de tábuas e outros cortes, fui levada para o centro da cidade, local em que seria levantado um grande prédio. Chamam-nos de andaimes. Muitas tabuas circundavam essa construção. Fomos seriamente judiadas. Deitadas, muitos pregos foram cravados, nos tornaram imobilizadas. Suportando resíduos de cal, cimento, reboco e areia, éramos pisoteadas por enormes sapatões. Na chuva virávamos uma lama escorregadia. Bem diferente da alegria dos meus galhos da copa, regendo suas folhas molhadas naquela distante floresta.        Balançavam dançando suas pinhas, pra lá, pra cá. Agora, do barreiro que é formado por cima de mim, escorre aguas sujas entre nossas frestas. Momento difícil, muito triste, vejo-me soltando lágrimas melosas, doentias.

VI

         O prédio subia, subia, nós acompanhávamos, chegou mesmo a passar os quarenta metros, altura que eu orgulhosamente ostentava naquela mata.

         Nascia o desconhecimento do nosso futuro. Uma enorme preocupação: Que seria de nós depois? Subiria até as nuvens? Claro que não, muito embora na montanha em que vivi abraçava as parecidas com algodão, nuvens que me roçavam muitas e muitas vezes. Banhavam meus galhos deixando nas folhas uma delicada nevoa. Ficavam gotas brilhantes, reluzentes ao sol, semelhantes a pequenas pedras preciosas.

         Ultimamente tenho sofrido violentos estragos na vida. Agora não gostaria de ser queimada, como vi acontecer por aqui. Depois de dar tanta contribuição, ter sido tão elogiada, ter matado tanta fome, e com minha forte estatura defendido tantas outras menores, não, não vai ser justo.

         Já estão retirando as madeiras, desmontam os andaimes, nos jogam no chão, pisoteiam, escuto:

         — Tirem logo estas sujeiras daqui. O paisagista vai começar o jardim...

         — Nossa! Chamou minha atenção. Eu não podia me recompor, que pena. Eu plantada no meio desse canteiro, com o porte que ostentava, não quero ser convencida, mas eu seria a grande atração. Não seria mais os animais me disputando, e sim a gente me admirando e os meninos catando meus pinhões, para comer ou para vender.

         Eu sabia que não podíamos ficar tempo ali, no barro prejudicando o planejamento do festejado e esquisito paisagista. Dias depois vieram e nos carregaram. Fomos vendidas novamente. Andamos, saímos da cidade e horas depois nosso caminhão embrenhou-se por um longo campo, nascia um novo animo, eu estarrecida não acreditava no que via. Uma montanha, mancha da mata, um rio e muito boi num enorme pasto. Com certeza fruto de um daqueles desmatamentos.

         Lindos animais, muitos incrivelmente sadios ficam numa área menor, selecionados pelos homens de chapéus abados. Justamente ai é que eu fui usada. Agora depois da minha via-sacra, foram muitos os percalços, nem tudo posso contar no estado em que me encontro.

VII

         Faço parte de uma cerca vasada composta de cinco taboas pregadas na horizontal, ela isola uma área onde o melhor gado é confinado. Falam que se chama seleção. Estou próxima da saída e assisto o embarque dos bois destinados aos luxuosos caminhões fechados, dizem, para um glorioso passeio. Glorioso, bonito e merecido, para um lugar muito mais limpo, higienizados. Falam até que ao chegarem tomam um demorado banho.
         Deve ser muito bom porque, nunca nenhum voltou. São merecedores. São grandes, lindo porte, couro delicadamente revestido, pelagem reluzente. Olhei bem para eles: São semelhantes aos animais pré-históricos. São muitos, pesados, bonitos, porém sua estatura não condiz com os demais bichos que conheço. As fêmeas são meigas, tem um olhar embevecido, geram “bebês” como as mulheres. Elas os alimentarão também com seu leite, e com carinhos lambe-os no crescimento.

         Pelo número de pregos que recebi, aqui devo permanecer por muito tempo. Sou uma das tabuas que impede a fuga desses animais, mais uma prova da minha resistência. Vivi na mata do fogo, suportei o maior frio, a maior tempestade com raios e trovões, o mais violento vento. Enfrentei as máquinas monstros, mas nem tudo é perene.
         Fui ou não fui uma valente e robusta?

         Fiz ou não fiz por merecer? Durante as centenas de anos da minha vida, aprendi aceitar o dia a dia sempre com energia, e não vai ser agora que vou dar-me por vencida. Ainda resisto, tenho folego, embora guarde uma sentida mágoa dos monstros, das serras, dos homens e muitas saudades da minha floresta.
      
Os homens com chapéus abados e uma lança pontuda na mão, trepados na minha cerca, esperam os animais para conduzi-los nos luxuosos caminhões. Fumam muito, e jogam os palitos do fósforo, a minha frente. - São os menores paus que já vi extraídos do meu grande porte.


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