Decotes e acidentes de trabalho - Adriana Frosoni




Decotes e acidentes de trabalho

Adriana Frosoni

 

Furlan, o assistente do presidente da empresa, tentava equilibrar a xícara de café quando Doralice surgiu com aquele vestido que parecia ter sido feito apenas para desorganizar os pensamentos dele. O coração disparou; o suor escorria pelas têmporas e a razão falhava em assumir o controle da situação.

A mulher atravessou a sala, foi até a poltrona em que Olavo, seu marido, estava instalado e abaixou-se graciosamente para beijá-lo, sem o menor constrangimento diante do assistente. Tentando fingir naturalidade, Furlan tropeçou na ponta do tapete e lançou o café na direção do patrão, que urrou de dor e fúria.

— Furlan! O que deu em você?!

Doralice, aflita para resolver o problema, abaixou-se para recolher a xícara no mesmo instante em que Furlan também o fez, instintivamente. Acabaram ambos de joelhos, frente a frente, inclinados em direção à xícara. Foi então que o decote de Doralice se revelou traiçoeiro e capturou o olhar do assistente, deixando-o imobilizado.

O patrão, ainda ocupado em descolar a camisa do corpo para aliviar o calor do café, percebeu a cena e se indignou.

— Furlan! Hoje eu te mato…

Nesse momento, os olhos de Doralice e de Furlan se cruzaram e, naquele breve instante, tudo o que ele escondia há anos foi descoberto no susto. O destino, cruel, decidiu revelar o amor platônico no momento mais inoportuno.

E pensar que ele jamais teve intenção de se declarar… sentia-se indigno da atenção da patroa e se contentaria, pelo resto da vida, em apenas estar por perto, admirando-a em silêncio. Agora, porém, seu segredo estava exposto — e ele se via envergonhado por sentir qualquer coisa por ela. Não havia como reverter a situação, nem explicar que era somente um encantamento, sem esperança e sem querer ser atrevido.

Doralice levantou-se, recompôs o vestido e foi ajudar o marido a se livrar do incômodo. Antes de sair, lançou um olhar rápido para Furlan — o suficiente para ele entender que ela agora sabia. Ele pensou ter percebido também um leve sorriso de canto de boca, daqueles que as mulheres não conseguem segurar quando o ego está inflado por serem notadas e admiradas. Se isso fosse verdade, talvez seu amor não fosse tão platônico assim, e todo aquele rebuliço tivesse sido bom. Mas isso foi só um delírio momentâneo. Passou rápido e nem deixou vestígios.

Furlan não foi demitido e parou de tropeçar em tapetes. Mas nunca mais tocou em um café sem pensar em decotes.

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