O amigo diferente - Ledice Pereira




O amigo diferente

Ledice Pereira

 

As férias prometiam. As crianças estavam felizes porque ninguém estaria fora da cidade e poderiam brincar à vontade todos os dias.

A vila tinha um portão na entrada que permanecia fechado. Havia uma sequência de casas inabitadas que haviam acabado de ser construídas e aguardavam apenas liberação da prefeitura para moradia.

Combinaram que se encontrariam todos os dias depois do café e brincariam o dia todo com intervalo para o almoço.

Os pais ficavam sossegados. Ali não havia nenhum perigo.

Das casas, as mães podiam ouvir a gritaria feliz da criançada. Não sabiam, entretanto, que os pequenos resolveram examinar as novas casas e usá-las para a brincadeira de esconde-esconde.

Havia entre eles um garoto que se mudara para ali há pouco tempo e que era um pouco diferente da turma. Era quieto, ficava observando as brincadeiras, nem sempre fazendo parte de algumas delas. Chamava-se Wesley e tinha acabado de completar onze anos. Tinha uma estatura um pouco maior do que os demais e parecia não conseguir se enturmar, apesar dos esforços daquela turminha alegre.

De tanto insistirem resolveu participar da brincadeira. Escondeu-se numa das casas, aproveitando para exercer alguns estranhos poderes que havia descoberto, há pouco tempo, ser portador: conseguia abrir e fechar portas e janelas só com o movimento dos olhos e já tinha experimentado elevar-se até quase o teto só com a força do pensamento.

Ao mesmo tempo que ficava assustado com esses poderes, achava-se o máximo.

Ficara com medo de comentar com a família que o acharia louco e o levaria para uma consulta. Detestava médicos.

Guardava esse segredo consigo mesmo, a sete chaves, o que o tornava mais calado e agoniado.

Numa das vezes que usou uma das casas para se esconder, conseguiu permanecer quase grudado ao teto e ninguém o achou. Procuraram por toda a casa que ele procurou deixar com a porta aberta e nada.

De repente, o viram sair da casa, belo e faceiro.

As crianças, quando ele foi embora, resolveram se reunir e discutir o jeito esquisito de Wesley. Ninguém entendia onde ele se enfiara que não havia sido descoberto. A casa não tinha armários nem nada. E eles tinham vasculhado tudo. Começaram a prestar mais atenção no garoto. Principalmente, as meninas queriam descobrir o que havia de diferente no novo morador da vila.

Na semana seguinte, elas procuraram segui-lo sem que ele pudesse perceber. Pela janela, viram quando Wesley elevou o corpo até o teto com muita facilidade. Não conseguiram abrir a porta de entrada, rodearam a casa e entraram pela cozinha, pé ante pé, até chegar à sala onde o menino se encontrava.

Ao vê-las, ele caiu estatelado no chão e começou a chorar copiosamente. As meninas tentaram consolá-lo e o ajudaram a ter coragem de contar para a família.

Não só o convenceram de que a família faria tudo para ajudá-lo, como se propuseram a ir junto com ele para encorajá-lo a contar.

O garoto foi objeto de estudo da equipe de psicólogos e psiquiatras do Hospital das Clínicas de São Paulo, que não conseguiu descobrir a causa desses poderes, mas o ajudaram a conviver com eles.

Esse segredo uniu mais ainda a criançada da vila que passou a admirar e ficar cada vez mais amigo de Wesley.

Isso foi fundamental para que o menino e sua família aceitassem melhor seus superpoderes, aprendendo a conviver com eles sem trazer aquele mal-estar que antes o afastava de todos.

 

 

 

 


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